quarta-feira, novembro 29, 2006

Longo silêncio

Cruzo-me com pessoas, sem nome conhecido. Trocamos olhares, pequenos cumprimentos em forma de tímidos sorrisos, de iguais acenos de cabeça ou com um pequeno erguer das mãos, em dias mais alegres.
Muitos, não sei quem são, qual o nome próprio, alcunha, apelido ou sequer a morada, apenas um rosto circulante nas ruas da cidade, que com o aumento populacional tornou-se impessoal. Ironicamente são apelidados de “ilustres desconhecidos”, ou “povo anónimo”.
Sinto a passagem do tempo, ao ver os seus corpos transformarem-se: as caras a envelhecerem, os troncos a encolherem e a arquearem. Os cumprimentos trocam-se por silêncios, que não ouso interromper.
Depois... desaparecem.
Por uma longa temporada não os vejo, até um dia.
Nesse dia, as suas fotografias são expostas num poste, numa qualquer parede ou página de necrologia, com os dados que não conhecíamos e jamais perguntámos.
Com vergonha verificamos a sua morte e pensativos, soletramos o nome que ignorávamos.
Lentamente a cidade, apesar de todo o ruído inerente, fica mais silenciosa.
Tendo a afastar-me dela. As incursões são diárias, por necessidade, ou esporádicas, em resposta a algum convite de amigos ou para compromissos associativos.
A escrita, em colaboração com o Jornal, repousa à espera de vez. O blog ocupa-me os tempos livres e mesmo a divagação pelos temas da cidade, não são particularmente motivadores.
Percorro as ruas do centro da cidade, a minha memória colectiva.
A preparação para o Natal não esconde o estado decrépito a que estas ruas chegaram.
Cumprimentam-me os comerciantes de sempre, amáveis quando me reconhecem.
Outras lojas da minha infância fecharam. Em seu lugar surgiu o vazio, com um letreiro, propondo uma solução comercial.
A cidade vive num impasse. Político é certo. As pessoas esperam respostas aos assuntos que foram manchete dos jornais, nos últimos meses. Dúvidas para serem resolvidas por Ministérios.
A cidade já não se resolve, aguenta.
Espera a sua vez, paciente, como estando numa qualquer fila.
Entretanto, na idealizada nova “urbe”, com os seus novos pontos de interesse, edifícios ou serviços, a cidade projecta-se sobretudo para o exterior.
Nesse novo contexto, o “espaço” destinado para as suas gentes, para a sua expressão, para a sua susceptibilidade é curto e a memória tenderá a apagar-se.
Esta inquietação ocupa-me.
Isso é bom.

terça-feira, outubro 31, 2006

Deslizes e Mergulhos

Os estabelecimentos de ensino da cidade foram notícia, em semanas anteriores, por bons motivos.
A aposta do executivo municipal em dotar o concelho com escolas “entre as melhores do país” tem sido executada perseverantemente.
A recente inauguração da nova biblioteca na Escola EB1 do Espadanal, complementando a reestruturação global de que as escolas municipais foram alvo, terá continuidade com a expansão da Rede de Bibliotecas a mais 2 escolas, nos próximos anos.
Mesmo sem apoio para a construção da quarta Escola secundária, a atribuição de verbas do PIDDAC à Escola Secundária Dr. Serafim Leite, para ampliação de instalações, permite prosseguir a remodelação do parque escolar, procurando-se com este pressuposto que a ambicionada qualidade no ensino seja alcançada e reconhecida.
Para isto contribuem as posições no ranking nacional das Escolas Secundárias, seja qual for o critério de avaliação. A colocação da Escola João da Silva Correia entre as melhores do distrito e do país, enaltece o trabalho de todos os envolvidos no processo de ensino, em particular da própria Escola, claro está.
Tendo o vértice da estrutura piramidal reconhecido, estando o parque escolar recuperado, não havendo graves problemas, nem mesmo inclusão em listas negras de análises da DECO, poder-se-ia pensar no “dossier” ensino como pronto e a entrar em “velocidade cruzeiro”.
O próprio Presidente da Câmara reconheceu que os próximos investimentos serão “menores”, a nível de “software educativo e equipamentos desportivos”.
Na minha opinião existe aqui uma possibilidade de melhoria de instalações que não se deveria desperdiçar.
As escolas primárias foram recuperadas, é certo. Foram dotadas com espaços culturais, com equipamentos de diversão no recreio, com melhorias ao nível do conforto dos alunos e do serviço de refeições. Apesar de considerar tudo isto extremamente importante e suficiente para o bom funcionamento do ano escolar, não posso deixar de ser um pouco mais ambicioso para as escolas do concelho.
Das verbas a atribuir pelo PIDDAC, 78.838 euros provêm do projecto Conservação e Remodelação do Parque Escolar da Região Norte. Através deste montante não seria possível, atribuir uma verba para a recuperação do Tanque – Piscina da Escola do Parque?
Este equipamento desportivo está abandonado, enquanto piscina destinada a crianças em idade escolar, desde o final da década de 80. A sua recuperação permitiria aos alunos desta escola frequentarem aulas de natação em horário diurno, sem saírem das instalações da escola. Além destes, a piscina poderia ser utilizada por crianças do pré-escolar. Os horários complementares poderiam ser rentabilizados com aulas para este público específico, em especial, finais de tarde e fins de semana, os períodos mais procurados e por isso mais saturados na actual piscina municipal.
É evidente que uma piscina de 12,5 metros não se esquece, existe na memória colectiva de muitos que ali aprenderam a nadar. Mais do que o valor afectivo, é justo alertar para o desperdício de um equipamento municipal, que dotaria uma escola EB1, com umas instalações excelentes de nível europeu.

terça-feira, outubro 24, 2006

Iluminação Nocturna

Em tempos fui deputado Municipal na respectiva Assembleia de S. João da Madeira.
É verdade.
O meu mandato, de substituição a terceiro, durou 6 meses, interrompido pelo regresso do membro efectivamente eleito. Durante esse período, tive a oportunidade de perceber a dinâmica da Assembleia Municipal, o seu regimento, as tácticas e as inscrições sobre um assunto a debater. Não tive propriamente uma participação activa, preferi mais escutar e assimilar do que proferir qualquer palavra sobre determinado assunto. Penso que o facto de estar a prazo e a iniciação política me inibiram um pouco.
Lembro-me que o período antes da ordem do dia me surpreendeu bastante. Reparos, simples reparos eram abordados pelos vários deputados municipais. Estado de conservação de ruas, sinalização de obras e outros assuntos similares eram motivo de intervenções sumárias. Os mais experientes adiantaram-me que essa prática era comum a vários concelhos, pelo que passei a visitar os locais com problemas levantados, para melhor perceber o assunto. Numa sessão, nesse referido período, um determinado deputado alertou para o facto de uma das ruas da cidade, em período nocturno, se encontrar completamente às escuras. Como o assunto me pareceu grave, desloquei-me a essa artéria de noite, para verificar a escuridão. A rua não era muito grande e dois simples candeeiros tinham as lâmpadas fundidas. Com a simples troca, o problema da iluminação ficava resolvido, no entanto, em noites sem luar, de facto, não se via nada. Passado uns dias a iluminação foi reposta, para sossego dos moradores dessa rua.
Recordo este curto episódio, sem importância, para introduzir uma novidade nestes artigos de opinião, precisamente, o reparo. Não por uma qualquer rua mal iluminada mas, porque na principal Avenida da cidade a iluminação nocturna é diminuta. Associada à pequena queixa está um tema importante, a segurança rodoviária da cidade.
Existem na cidade várias passadeiras bem iluminadas, devidamente pintadas, com sinalização vertical eficaz e até com um moderno sistema de sinalização horizontal, através de pequenas lâmpadas intermitentes implantadas no chão. Penso que nessas, as pessoas não têm medo de atravessar porque sabem que o farão em segurança e serão vistas pelos automobilistas. Pelo que tenho lido, ultimamente os atropelamentos rodoviários ocorrem de dia, alguns precisamente em passadeiras e outros na zona pedonal. Infelizmente alguns são mortais, o que levanta sérias reservas sobre a eficácia do patrulhamento policial. Aliás, o principal motivo de insegurança da circulação de peões na cidade é precisamente o atravessar na passadeira. Os transeuntes apesar de já estarem na passadeira, quando um carro se aproxima nunca sabem se este pára ou não.
Na Avenida Renato Araújo entre as bombas de gasolina e a rotunda do Orreiro, devido à construção do novo centro comercial, a iluminação nocturna desta artéria é bastante reduzida. Sinceramente, as passadeiras estão apagadas, a sinalização vertical mal se vê e os modernos sistemas de lâmpadas intermitentes não existem. Como as obras estão para durar, tendo ainda a agravante da construção aérea, a visibilidade nesta avenida será cada vez menor. A probabilidade de surgirem atropelamentos aumentará. Antes que isso aconteça, é urgente intervir, garantindo que o avanço das obras não retirará a visibilidade aos automobilistas e permitirá a todos os que circulam a pé e têm necessidade de atravessar a Avenida Renato Araújo o possam fazer em absoluta segurança, sem receios de atropelamento.
Não tomem este reparo, como qualquer tentativa de oposição à construção do centro comercial. É importante que a sua construção seja efectuada com segurança para todos, prevenindo-se, ou melhor, evitando-se a ocorrência de acidentes rodoviários graves. A PSP como controladora de trânsito tem uma importante tarefa neste sentido, no entanto, a autarquia como “entidade reguladora”, deve manter e projectar os meios necessários para que a circulação de peões na cidade se faça sem receio, por parte dos munícipes.

terça-feira, outubro 10, 2006

Reentré política sinuosa

Decididamente os tempos estão difíceis para o edil local.
Uma sucessão de acontecimentos nestes últimos meses, podem ter alterado a sua imagem perante os munícipes.
Tudo começou com a implosão da vereação. A saída da Dr. Fátima Roldão, foi um momento crítico para a proclamada coesão da “equipa vencedora”. Ainda por cima, no mesmo momento, na Assembleia de Freguesia, um dos elementos afectos ao PSD optou por abdicar. No caso da ex-vereadora ficou a ideia, com fundamento ou não, de que terá acontecido algo diferente do motivo apresentado para a demissão. Na verdade, na política por mais razões pessoais que se apresentem, espera-se sempre ouvir histórias diferentes. Como as razões apresentadas não satisfizeram, conjectura-se sobre as relações entre vereadores e destes com o Presidente.
Tudo estaria bem com a remodelação efectuada. No entanto, apesar de ser defendido o contrário, o suposto traçado da A32, mais favorável a S. João da Madeira mas, com impacte ambiental negativo, revelou que houve outros concelhos mais habilidosos na arte de negociação. Uma auto-estrada que durante anos foi apresentada como sendo até S. João da Madeira, inclusivamente foi uma das principais promessas eleitorais, afinal e na melhor das hipóteses fica afastada uns 500 metros. Se o traçado A for o escolhido (o que sinceramente espero que aconteça), inaugura-se um período novo na política, promessas eleitorais com tolerâncias, tal como as cotas nos desenhos técnicos.
A capacidade de negociação de Oliveira de Azeméis ficou mais evidente ao manter as Urgências no Hospital do concelho, depois de perder o Serviço de Maternidade. Apesar do próprio Ministro da Saúde, segundo o DN de 10 de Outubro de 2006, sossegar os autarcas dizendo que o estudo não é definitivo. É certo que a Autarquia de SJM reagiu veemente, tendo inclusivamente divulgados números demonstrativos de que a equipa que efectuou o estudo para o Ministério da Saúde não é conhecedora da realidade local. Segundo os dados revelados, em SJM são assistidos mais residentes do concelho vizinho, do que do próprio. O argumento apresentado pelo Administrador do Hospital Distrital de S. João da Madeira sobre as condições da Urgência, comparados com o Hospital S. Miguel é bastante válido. Quem teve a oportunidade de ser atendido nos dois hospitais, facilmente constata as condições de um e de outro. Todos estes argumentos, obrigam a um desgaste extra dos autarcas locais. Defesa de um serviço de saúde que pode alterar a qualidade de vida dos munícipes, é obrigatória. Todavia, o Ministério da Saúde não costuma ser flexível. A ver vamos.
Apesar do endividamento público do concelho não estar entre os setenta mais elevados, o Governo anunciou que SJM iria perder verbas canalizadas do próximo orçamento de Estado. Menos 2,5%, revelava o jornal Público, o que significa que o próximo orçamento municipal será mais apertado, situação que poderá manter-se até 2009. Como se pode ver, tempos difíceis para a gestão autárquica. Nos próximos anos, a capacidade de investimento municipal será menor e a possibilidade de endividamento será muito condicionada, segundo a nova Lei de Finanças Locais. Muitas das promessas eleitorais de 2001 não serão cumpridas.
Veja-se a reabilitação da linha do Vouga, assunto sobre o qual a autarquia ainda não conseguiu enquadrar-se com os seus parceiros geográficos. O Engenheiro Ludgero Marques, presidente da AEP, voltou a referir-se à inevitável extensão do Metro do Porto a sul, até à futura Exponor, que será transferida para o Europarque em Santa Maria da Feira, mais concretamente freguesia de Espargo. Segundo as suas palavras, será uma mais valia importante para o centro de exposições, uma ligação ao centro do Porto por Metro. Em tempos, o trajecto sugerido foi uma ligação paralela à linha do Norte e com uma perpendicular a esta, sensivelmente em Maceda, ligando ao Europarque. A concretizar-se esta ideia o “progresso” volta a ficar aqui ao lado, outra vez a 7 ou 8 quilómetros. Sem querer entrar em discussões de pormenores técnicos como bitolas e distância entre carris, parece-me que a ideia da AEP se poderia conjugar com a vontade de requalificação da linha do Vouga, integrando-a no Metro do Porto. Afinal, o actual traçado do “Vouguinha” dista apenas 2,5 quilómetros do Europarque.
Para culminar, na semana passada, uma coluna do Jornal “O Regional” colocava o Presidente da Câmara de S. João da Madeira em baixa, por não ter comparecido, nem se fazer representar no lançamento de um livro, promovido pela própria autarquia, em convite assinado pelo próprio Presidente. Esta falha, num momento conturbado como este, não foi perdoada nem pelo incógnito “José” ou “Zé”, sempre defensor do trabalho do Presidente da Câmara.
Melhores dias virão.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Quando o Outono começa...

O equinócio de Setembro não deixou dúvidas, dia de chuva, para recordar a todos que o Outono tinha chegado.
Adeus dias escaldantes.
Na viagem matinal e apressada rumo à escola dos filhos, recordo as férias grandes. Meses e meses, sem aulas. Houve um ano com quatro, de 15 de Junho a 15 de Outubro. Quando chegavam os dias de chuva, sabíamos que as férias estavam a terminar. A hora recuava em final de Setembro, o que tornava as tardes mais curtas. Era o último sinal para o fim de férias. O ano lectivo era o nosso principal calendário.
A escola para quem é pai, é hoje sobretudo uma recordação. É certo que existem as várias preocupações. Analisar, avaliar e comentar as escolas e os professores. Escolher um sem número de actividades extra escolares: desportos, formação física, musical, linguistica, etc., que julgamos serem as adequadas para os nossos descendentes. Contudo, este tempo de regresso à escola, encaminha-nos para o reino da nostalgia.
Percebemos a alegria dos nossos filhos, pois recordamos a alegria do que era voltar a ver amigos, colegas, professores e demais pessoal envolvido, caras que perdemos o contacto visual, com o tempo. Nomes que são hoje apenas uma memória, que sabemos vivos, embora sem saber o seu paradeiro. Nada sabemos deles, o que julgávamos impossível nesse tempo.
É verdade que os primeiros anos escolares são os mais apreciados. O novo mundo que nos é ensinado e o fascínio proposto, não tem comparação com os demais anos. A partir da adolescência, a escola fica para segundo plano, pois o tempo livre é mais apreciado e aproveitado para outros interesses.
No período após as aulas, ou no intervalo das mesmas, enquadramo-nos com pessoas com afinidades comuns. O grupo de amigos, que nos irá acompanhar pelos anos seguintes, até sairmos para outras cidades, para seguirmos os estudos e optarmos por uma actividade profissional.
Os primeiros dias de Outono, logo chuvosos.
Afinidades com uma música de Tim e Zé Pedro. Entre a “chuva dissolvente”, verificamos que de todas as artes, a música é das mais nostálgicas. Acompanhamos novidades da sétima e de outras artes. Não conseguimos seguir, descobrir a música do momento e as tendências actuais. Invariavelmente, voltamos ao passado. Enquanto adolescentes, convivemos com gerações que tinham feito todas as revoluções, políticas, culturais e outras. Não entendíamos a constante referência a grupos musicais surgidos em décadas anteriores. Agora, recordamos e assinalamos as duas décadas da edição de alguns LPs do nosso tempo. Músicas sem videoclip obrigatório, porque a rádio era o principal meio de divulgação. Ouvir novamente a fantástica sonoridade de “How soon is now?”, dos The Smiths vocalizado por Morrissey, ao fim destes anos todos, é um puro acto de desespero. Passar alguns minutos a olhar para prateleiras de discos de vinil com capas em tamanho grande, é sobretudo uma recordação de uma actividade de juventude. O entrar da agulha em cena, com aquele barulho característico, tipo fritar de batatas, por mais escovada que aquela estivesse , ou limpo o vinil. O ouvir uma sequência 5 ou 6 faixas e repetir novamente aquele gesto, que no fundo era um ritual, para o lado B.
Esperamos os dias secos e quentinhos de Outono. A vontade de regressar aos espaços naturais. As praias próximas serão de novo itinerário, já desprovidas de domingueiros. Mais as subidas à serra, que já se deve ter “limpo” das atrocidades do verão.
A grande cidade ganha nesta época uma atracção maior. Os seus jardins e parques, envolvidos pela paisagem urbana. Pelas folhas caídas das grandes árvores, pela oferta que nos proporciona. Percebemos porque é que alguns dos nossos amigos, colegas de escola jamais voltaram à terra natal. Felizes, apesar dos contratempos do trânsito confuso. De longe, prefiro a vida recata da província.
Outono, cobertores de volta. Edredões para os mais friorentos. As primeiras constipações que degeneram em gripes. Iniciamos a preparação para o aquecimento caseiro pelo fogo envidraçado. Até haver essa necessidade, ainda escrevo mais umas linhas. Certamente.

domingo, setembro 17, 2006

Kit Patriótico

Após a leitura da última página de um livro, existe um momento que antecede a sua arrumação. Quando o livro nos interessou fica exposto algum tempo, em cima de uma mesa, ou na mesinha de cabeceira, ou noutro sítio de uso pessoal. Esse tempo é o momento de reflexão sobre a leitura terminada. Propositadamente não o colocamos na prateleira, na estante. Ao vê-lo desarrumado, sabemos que o livro ainda tem algo que nos encanta. Uma dúvida, um assunto por resolver, uma série de referências que precisamos de decifrar. Pesquisamos, ora suave ora intensamente, sobretudo quando nos é permitido, usando os meios de que dispomos.
Googlear é actualmente o acto mais eficaz.
“Suspiros en España”, um pasodoble do final do século XIX, serviu ao escritor Javier Cercas como ligação do relato da vida do falangista Rafael Sánchez-Mazas para a continuação da sua narrativa e concretização do seu livro “Soldados de Salamina”. A narrativa encaminha-nos para a coincidência da dança ao som do tal pasodoble, em tempos diferentes, contado por distintas pessoas, tendo como elo simultâneo, um soldado republicano, que o escritor acredita ser o mesmo que salvou a vida ao nacionalista atrás citado. O autor, certamente premeditadamente, persegue através desta música o propósito de reconciliação entre os opositores da guerra civil.
Consegui ouvi-la através do motor de busca mais utilizado na actualidade. Apercebi-me ainda que muitos dos nossos vizinhos vibram ao ouvi-la. Uma música que os faz comover, sobretudo, quando estão no estrangeiro.
Uma ideia de identificação com o seu próprio país, com a língua comum. Tentei a analogia com o nosso país. O patriotismo em Portugal é hoje em dia um conceito banalizado, resume-se a um kit, composto por uma bandeira - hasteada de qualquer forma em casa - e por cantar o hino no início e durante os jogos da selecção de futebol.
“Um fado” – responderam-me quando questionei qual seria a música dos Portugueses. Aceitei prontamente interrogando, mas qual? “Um qualquer” – asseguraram-me.
“Fado” era uma faixa do disco "Sex and Death", editado em 1994, pelos Durutti Column - banda britânica do guitarrista Vini Reilly. Recordo-me da primeira vez que ouvi essa faixa, pensei que algum erro tinha o leitor de CD. Como era possível ouvir-se a voz de Amália no meio da melodia de Vini Reilly? A dúvida ficou desfeita na contracapa do CD. Essa faixa tinha um "sampler" com a voz "à capella" de Amália Rodrigues, interpretando o poema “Povo que lavas no rio”. Esta referência do britânico a Portugal é, sem dúvida, curiosa, não se tratando de uma versão como a de António Variações ou a de Dulce Pontes, apenas o reconhecimento ao nosso país, que durante anos o apreciou.
Lendo o poema na integra de Pedro Homem de Melo, verificamos a monumental homenagem, com mais de 50 anos, do poeta dedicado a conhecer o seu povo, interagindo com ele, apesar de toda a sua ascendência aristocrática. Não distante nem solitário, como António Nobre, que apesar de escrever belos versos referindo-se a quem bem o acolhia e tratava, não conseguia ligar-se abertamente ao povo, refugiando-se e preferindo retirar-se para outros lados.
Com este forte suporte étnico, que na íntegra retrata um certo conceito do povo Português, o fado “Povo que lavas no rio” na voz de Amália Rodrigues, é resposta à minha pergunta.
Procurei ouvi-la novamente. Com os auscultadores no devido lugar, seleccionei a faixa...
Agora o livro de Javier Cercas poderá ir para a prateleira, juntando-se a outro do mesmo autor. Por ali ficará, amarelecendo ao tempo.

segunda-feira, setembro 04, 2006

No Rivoli ou aqui?

No final do mês de Julho a Câmara Municipal do Porto (CMP) anunciou a intenção de alterar o modelo de gestão do Teatro Municipal Rivoli. Pretende com esta medida, o executivo liderado por Rui Rio, concessionar a uma entidade privada a gestão do Teatro, garantindo desta forma uma diminuição dos custos de programação cultural, cingindo-se os gastos apenas à gestão corrente com o teatro, como manutenção, limpeza, pagamento de água e de electricidade. A CMP receberá como contrapartida 5% das receitas de bilheteira. A entidade que assumir a gestão do Teatro Rivoli terá de garantir 300 dias de espectáculos por ano, duas grandes produções anuais, espectáculos para crianças, peças experimentais com actores do Porto e garantir a formação teatral aos jovens da cidade.
É evidente que a apresentação deste modelo de gestão causou polémica e foram várias as formas de protesto, incluindo a contestação dos números da autarquia, no que se refere à média diária de espectadores no ano de 2005 - 388, à receita efectivamente gerada – 6%, entre outros.
Curiosamente, o Rivoli, nome pelo qual é usual referir-se o Teatro Municipal da cidade do Porto, nunca foi encarado pela autarquia de S. João da Madeira como o exemplo a seguir na reabilitação do antigo Cinema Imperador, transformando-o na Casa das Artes do Espectáculo. Inexplicavelmente, o Presidente da autarquia local preferiu inspirar-se em modelos externos ao País, segundo o próprio Teatros de Berlim e Paris.
O estudo prévio de arquitectura apresentado há largos meses pelo Arquitecto Filipe Oliveira Dias transformará o antigo cinema num moderno Teatro Municipal, versátil, com boas condições técnicas, capaz de albergar vários tipos de produções. Serão certamente encontradas boas e óptimas soluções do ponto de vista técnico para tornar o edifício num moderno e único equipamento. E depois? Como será depois de concluídas as obras e inaugurado o espaço?
Já em Janeiro do presente ano abordei este assunto, incentivando a uma melhoria na programação cultural de forma a atrair público à cidade e lançar assim os alicerces da Casa de Artes e Espectáculo. Sabendo-se hoje que a capacidade financeira do Município melhorou consideravelmente e antes que surja a tentação de novo endividamento - para por exemplo arrancar com as obras no antigo cinema, seria importante analisar-se qual será a capacidade financeira para promover vários espectáculos por ano para 400 pessoas ou para promover “importantes espectáculos teatrais”, como finaliza o estudo prévio atrás citado e “entrar assim na alta roda cultural”?
A resposta está no Rivoli...
A CMP chegou à conclusão que precisa de um parceiro privado. A grande cidade tem vários equipamentos públicos, que aqui não é importante descriminar. Não tem público para todos, por vários erros e um que é apontado é precisamente programação deficiente.
Mais do que encarar o projecto de reabilitação e inauguração da Casa das Artes e Espectáculo, é necessário pensar-se nos meses seguintes. Será o Teatro Municipal capaz de gerar receita própria para fazer face aos custos inerentes de exploração ou terá necessidade de recorrer ao orçamento municipal?
Acreditando que a resposta será o recurso ao orçamento municipal, em que rubrica se vai enquadrar? Pensando-se na lógica macro orçamental, será na reduzida verba para actividades culturais ou na verba distribuída pelas associações desportivas e afins, significando com isto uma redução das verbas actualmente distribuídas? Ou muito pelo contrário, gerando receitas extraordinárias com a venda de património municipal?
Pode-se responder de várias formas mas, seria importante equacionar-se qual o modelo adequado à gestão do Teatro Municipal. Mais do que copiar modelos externos, com realidades culturais próprias, importa estudar os vários casos nacionais de recuperação e consequente exploração de antigos teatros. A realidade de outros concelhos poderá ajudar a definir o modelo a seguir. Desta forma, as linhas orientadoras do estudo prévio de arquitectura farão mais sentido, tornando a centralidade do reabilitado espaço cultural uma mais valia para todos.

terça-feira, julho 25, 2006

Chapéus na Praça

A vida na povoação circulava à volta do centro. A estrada nacional cortava-o em dois. No seu eixo, um polícia sinaleiro ordenava efusivamente o trânsito. Mandava parar os automóveis e demais trânsito da via principal, dava sinal aos das restantes ruas para avançar e pelo meio, tinha tempo para permitir o atravessamento pelos peões. Se fossem crianças em tempo escolar, colocava um sorriso simpático e tinha até uma palavra amiga. Depois, os carros forasteiros retomavam de novo a marcha e seguiam a caminho do Norte ou do Sul. Nesta vila, os táxis paravam no centro, numa meia-lua adequadamente utilizada para o efeito. Atrás, paravam os autocarros, junto a uma confeitaria. As carreiras que seguiam para as freguesias vizinhas, ou para o Porto. À frente, do outro lado da rua, um edifício já degradado albergava no rés de chão um par de cafés, um salão de jogos com um nome vanguardista e por cima tinha as inscrições de “Pensão”.
O progresso trouxe os semáforos, uma sequência deles. Retirou os autocarros um pouco mais para baixo, para junto do Cinema. O trânsito continuava imenso. Por detrás da decadente construção, anunciava-se um novo e moderno edifício, enorme, como resultado da evolução que a povoação tinha sofrido. Um centro comercial, bem no centro, com uma série de equipamentos que nunca viriam a funcionar. Entretanto, a necessidade de reduzir o tempo de viagem entre as principais cidades do país, obrigava a rasgar novas estradas, variantes às localidades mais problemáticas em termos de tráfego.
Da Praça saía o principal trânsito. Para longe, parecia. O centro ficava apenas com o trânsito local. Ainda ali estavam os táxis, os semáforos, os demais edifícios e começava a aparecer o gigante edifício. A vila entretanto passara a cidade. O edil local de então optou por transformar o centro numa zona pedonal. Seguiram-se obras na Praça e nalgumas ruas adjacentes, retirando-se os velhos paralelos de granito e o alcatrão das vias principais. Em seu lugar surgiram pedras de calçada, canteiros com flores e a própria iluminação era substituída por uns bizarros candeeiros de duas esferas. Os automóveis e os táxis foram retirados da zona pedonal, que agora se pretendia livre de trânsito. A meia lua e o seu arvoredo foram preservados.
O centro passava a ter no Verão uma intensidade de actividades culturais fora do normal para a região. Concertos e mais concertos para todos os gostos, atraíam centenas de pessoas. As esplanadas inicialmente montadas e lotadas apenas no Verão, permaneciam ao longo de todo o ano, como as folhas perenes.
Rapidamente, o novo estado da Praça era bem assimilado por todos. Não só a Praça como as artérias adjacentes passaram, ao longo destes últimos vinte anos, a ser um local de encontro dos habitantes da cidade. Antes dos telemóveis, dos pc’s portáteis com wi-fi, as pessoas deslocavam-se à Praça, sem encontro marcado com alguém em particular, sabendo que iriam encontrar pessoas das suas relações.
Com o passar do tempo a programação de Verão deixou de ser novidade, perdeu qualidade, as esplanadas foram ficando vazias e as noites no centro perderam interesse. O mesmo aconteceu de dia, devido ao encerramento de lojas de comércio, cafés e restaurantes, balcões de instituições bancárias e seguradoras, entre outras. O parque habitacional envelhecia, não se renovando face a novas e apelativas habitações que se iam construindo em outras zonas da cidade.
Para agravar a situação, uma remodelação da zona central mal concebida, com a incompreensível transformação de mais ruas em zona pedonal, a colocação de umas coberturas de vidro no centro das vias, que além do duvidoso aspecto estético, não serviam para o efeito pretendido, retirando-se arvores e demais vegetação do centro, permitiu chegar-se ao estado a que hoje se encontra a Praça Luís Ribeiro.
Longe da ribalta, como o demonstram os comerciantes ouvidos a propósito da anunciada nova remodelação. Os problemas por eles levantados como a insegurança, o tráfico de droga, o novo centro comercial, etc. não serão resolvidos pelas anunciadas obras, de retirada de chapéus e abertura ao trânsito de algumas artérias.
É urgente atrair de novo as pessoas ao centro. Sem carros, de preferência. Sem se cair no exagero de abrir muitas ruas ao trânsito, cometendo-se um erro igual ao efectuado no passado quando se fecharam ruas em demasia. Um meio termo.
Como está não pode ficar. Ao ler os depoimentos de vários munícipes verifico que a questão está bem analisada, é preciso mudar. As sugestões parecem-me exactas: com regulamentos de carga e descarga adequados e bem divulgados, para os comerciantes informarem os seus fornecedores; sem chapéus de ferro que não permitem vislumbrar a totalidade de uma rua; com garantia de segurança. Ao que acrescento: com vontade de atrair novos comerciantes para o centro, incentivando-os a procurar as áreas disponíveis; promovendo actividades atractivas em horários complementares aos do comércio e serviços; criando espaços públicos para usufruto das famílias; com mais iluminação nocturna, de preferência, de cima para baixo.
Este é o momento para recordar que a última remodelação da zona pedonal, foi o ponto da viragem política do município. Se no final, se verificar que as obras programadas e efectuadas serviram apenas para aproximar carros de algumas artérias, continuando-se com a anarquia generalizada, na qual se inclui o estacionamento desordenado, os munícipes ficarão de novo desiludidos. O desafio é grande.

terça-feira, julho 18, 2006

Escrita Irregular

1. Os dedos carregam nas teclas, decididos a formar palavras. No écran surgem frases, de linguagem simples e objectiva, sem grande valor literário. Temas diversos, títulos ousados, textos englobados nas páginas editadas pelo jornal. A escrita como acto social é preparada e executada na solidão. Pode não ser totalmente mas, os avanços, os recuos, os bloqueios ao longo da realização de um texto, mesmo a auto correcção, são momentos passados em isolamento, aguardando-se com a devida expectativa qual será a recepção.
A opinião, irregular e ocasionalmente. Um exercício de escrita a que me propus voluntariamente e sem encomenda, não colocando grande esperança na sua continuidade. Alguma aceitação e um forte incentivo caseiro, fizeram-me discorrer por vários assuntos, visando é certo algumas das opções estratégicas da política local. Ideias próprias expostas, que, por certo, coincidem e sintetizam a opinião de muitos outros.
Crónicas, cujo resultado físico - após a sua primeira leitura - atinge um novo estatuto, reutilizando-se como rascunho para novos textos, apontamentos futuros. As mais resistentes, nem sempre as mais antigas, por outro lado, são cortadas em rectângulos de papel, formando-se pequenos blocos, onde agora se escrevem os recados domésticos, pendurados no frigorífico. Palavras soltas, com as ideias partilhadas e expostas aos leitores.
Ao verificar que na última Ficha Técnica deste jornal, o meu nome surgia como colaborador, senti o peso da responsabilidade. Ao fim praticamente de um ano de escrita, com mais de duas dezenas textos de publicados, o Jornal Labor entendeu considerar-me seu colaborador. Um reconhecimento que muito prezo e que espero não defraudar.
Independentemente do tratamento futuro em termos de paginação, continuarei por estas páginas com a escrita conciliadora ou mordaz, conforme a circunstância. Por princípio, sem entrar em ofensas pessoais e distante das pequenas questões do quotidiano.
2. Cowpyright é o nome de uma das vacas concorrente ao Cowparade Lisboa 2006. Teve o seu momento de fama por ter sido roubada, no inicio da exposição ao público, no Campo Pequeno. Apesar dessa projecção a Cowpyright não tem obtido votos suficientes para se destacar da restante manada. No dia em que escrevi estas linhas, tinha apenas dois votos, sendo um meu.
O autor do projecto, o conterrâneo Paulo Marcelo, nem deve sonhar que estou a apelar ao voto na sua vaca. Parece-me a atitude mais sensata, num claro apoio ao trabalho deste multi-facetado artista local. Basta aceder ao site, via portal Sapo e enviar um SMS, com o código da Cowpyright (024), para o número 4040.
Mais do que esperar uma votação maciça, apelo a que no final, a vaca contabilize votos suficientes para deixar o artista contente com a sua participação.

terça-feira, julho 11, 2006

Dizer não

Raimundo Silva ficou conhecido na literatura portuguesa pela introdução de um erro nas provas de um livro, negando a ajuda dos cruzados aos portugueses na conquista de Lisboa. O “não” voluntário do revisor de livros, alterou a frase, mudando a história com a simples força de uma negação. Assim o escreveu José Saramago, na sua “História do Cerco de Lisboa”.
Muitas vezes os revisores de texto num jornal, ao lerem algumas notícias ficam com um sentimento de ambiguidade. Devem verificar apenas o relato de acontecimentos, exercendo o seu o papel de revisor ou pelo contrário alterar o texto e o sucedido, de modo a que os factos fiquem com outra lógica e mais de acordo com a sua opinião pessoal.
Raimundo Silva caso fosse o revisor das páginas deste Jornal, ao ler o texto do jornalista a propósito da posição de abandono de um dos partidos da Assembleia Municipal, aquando da votação da moção final sobre a requalificação da linha do Vouga ficaria pensativo. Tornaria a ler. Exclamaria: “Isto não faz sentido”. Pegaria no texto e teria coragem para escrever que esse partido “Votou contra a moção, apesar dos apelos feitos pelo Presidente da Câmara Municipal”. O revisor de texto alteraria novamente a história. Na sua perspectiva fictícia, adiantaria que tal partido havia referido que apenas votaria favoravelmente a moção apresentada, caso o actual executivo retirasse o projecto do transporte tipo vai-e-vém. Como o Presidente quis fazer prevalecer a sua maioria, aos deputados municipais desse partido não restava outra solução, justificar-se-ia. Apesar de não lhe competir essa tarefa, Raimundo não estava descansado, o corpo da notícia não correspondia ao sub-título da primeira página do jornal. Recatadamente e sem alguém da redacção dar por isso, o revisor alterou-o para: “PS votou contra”.
Com a sensação de dever cumprido, Raimundo iria descansar e preparar-se para o dia seguinte, o da edição do Jornal. As justificações perante o Director do Jornal e o jornalista, autor do texto, iriam começar cedo. A contradição com a edição do outro semanário local, daria logo alarme e uma valente confusão.
No silêncio nocturno de uma cidade movimentada, pensou que o acto de rebeldia seria apreciado pelos leitores, poucos ou muitos, não interessava. A cidade ficaria dividida e talvez assim a tão desejada participação cívica fosse de novo uma realidade.
Estaria preparado, para enfrentar tudo e todos: os elementos do partido em causa, os dos restantes partidos, o Presidente da Assembleia e até os membros do Executivo, se fosse caso disso.
O problema era dele mas, Raimundo sabia como responder. Começaria por afirmar que há muito tempo tinha aprendido a dizer não. Enquanto adolescente soube muito cedo como era importante saber dizer não, até por necessidade de afirmação. Tinha lido que, hoje em dia, textos de gestão de empresas ensinam como é importante saber dizer não. Com fundamento, é certo. Nunca aprofundou a matéria, de tão envolvido nos textos dos outros.
As notícias que tinha corrigido sobre política local, davam-lhe preparação suficiente para argumentar politicamente com qualquer um. Um partido político pode colocar-se numa oposição construtiva, sem unanimidade em torno do programa eleitoral do vencedor de eleições. Indignava-o como tinha sido colocado o argumento da apresentação do projecto à Secretária de Estado dos Transportes. Para concluir, puxaria do “trunfo” sempre usado pelos políticos, da desilusão do eleitorado afecto à cor do partido em causa.
Antes de adormecer o telefone tocou. Era do Jornal. Engoliu em seco e logo se tranquilizou... um vírus tinha eliminado alguns ficheiros no computador da gráfica, seria necessário enviar novamente “provas”. O director estava a comandar as operações, pediam a sua ajuda para recompor toda a edição. Acedeu.
Pelo caminho, resignou-se. Não valia a pena tentar novamente. “Afinal”, pensou, “será preciso ajuda dos cruzados”.

quarta-feira, julho 05, 2006

Fases do Projecto

A ligação por auto – estrada entre S. João da Madeira e o Porto suscitou-me alguma curiosidade sobre a sua data de conclusão. As informações sucessivas sobre o seu estado aparentavam algo de errado. Primeiro o estudo do traçado e agora o de impacto ambiental, foram até hoje as fases anunciadas do projecto. Pelo meio ficou o silêncio sobre a divulgação das propostas do traçado final.
Desde sempre fiquei com a ideia de que esta auto – estrada terminaria em S. João da Madeira e tal como eu, a maioria dos seus habitantes, por certo pensam o mesmo. Com a ajuda de um motor de busca, procurei mais informação na internet, esperando encontrar o que por certo me tem escapado ao longo destes meses.
Em primeiro lugar apurei que a auto – estrada a construir dos Carvalhos para Sul terá a designação de A32. Inicialmente o seu traçado estava apenas previsto até Argoncilhe, no norte do concelho de Santa Maria da Feira. Em 2002, uma petição propondo a sua extensão até Arrifana foi entregue na Assembleia da República por cidadãos do concelho da Feira e elogiada por vários deputados do circulo de Aveiro. A ideia era criar uma variante à EN1 e desta forma descongestionar o trânsito que passa no centro de várias localidades, evitando a ocorrência de alguns acidentes com os seus cidadãos.
De S. João da Madeira veio a reclamação de alargar um pouco mais a extensão do traçado e dotar esta cidade com o nó de saída da A32. Factos do conhecimento da generalidade das pessoas, devido à informação até hoje recebida e assimilada.
Entretanto em 2005, apesar de ser anunciado que seria o ano de lançamento a concurso da A32, é iniciado o estudo do traçado. No presente ano, no dia 29 de Abril – um sábado, é anunciado num noticiário televisivo que o traçado da futura auto-estrada A32, será a ligação entre Coimbra e Porto. Onde encontrei esta informação, não especificava se apareceu em reportagem, se em rodapé informativo. Ao ler isto as minhas certezas transformaram-se em dúvidas. Porto – Coimbra, em traçado paralelo ao actual da A1, em parte como a A29 (Porto – Angeja), devia ser engano, certamente.
Mais umas horas de busca e a auto-estrada fica reduzida a Porto – Oliveira de Azeméis, com o anúncio do estudo de impacto ambiental, que está previsto terminar em Outubro do presente ano. No dia 11 de Maio, o Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas, Paulo Campos, anunciou em Arouca a propósito do lançamento a concurso da construção do troço Feira – Mansores da variante da EN 326, que seria construído um nó precisamente em Milheirós de Poiares, na confluência desta estrada com a A32, que segundo o governante seria entre Oliveira de Azeméis e Carvalhos.
Contudo, com o anúncio do traçado surgem as primeiras reclamações. No relato do JN de 12 de Junho, a A32 ligará Porto a Coimbra ou mais concretamente, Carvalhos a Souselas. Com as dúvidas desfeitas, li que a população de Milheirós de Poiares “manifestou publicamente o seu descontentamento em relação a um dos traçados previstos, que implicará a demolição de algumas habitações” e em Argoncilhe “alerta-se para a necessidade de se procederem a alguns reajustamentos, para evitar que o centro daquela freguesia fique prejudicado”, pois a A32 "vai passar mesmo no centro da freguesia", segundo o JN. Um túnel com 100 metros não é suficiente para “minimizar os impactos negativos que possam ser causados”, exigindo-se pelo menos uma extensão de 500 metros para o projectado túnel. Mais segundo o JN, “o presidente da Junta diz que tudo fará para que esta pretensão possa vir a ser uma realidade e aconselha os responsáveis pela construção da via a ouvirem as reivindicações das populações para que o processo decorra de forma serena".
Segundo mais um “resultado”, a população de Pindelo e Nogueira de Cravo, ambas do concelho de Oliveira de Azeméis também se pronunciou contra o traçado previsto da A32, no dia 23 de Junho.
Caso não haja mais contratempos, será desenvolvido o projecto da totalidade da obra e só então, será posta a concurso a empreitada, certamente por fases de sucessivos troços. No entanto, pelo exposto passados três meses do anúncio do traçado a contestação é já elevada, pelo que, a construção desta via rodoviária não será fácil: a Norte haverá problemas, logo no início do traçado; a sul de S. João da Madeira haverá complicações bem perto; e a nascente, no nó que, deduzo, servirá esta cidade, em Milheirós de Poiares, o processo não está à feição de se resolver.
A variante da EN326, Feira – Arouca, começou a ser pensada há mais de 16 anos. Está concluída entre Mansores e Arouca, faltando o troço do concelho da Feira. Segundo o autarca de Argoncilhe “nos últimos 20 anos ninguém podia construir nestas zonas", à espera do traçado final da A32. Sem desesperar é caso para perguntar, existe vontade de todos políticos locais para construir a A32? Valerá a pena esperar ou será melhor procurar o desenvolvimento da outra ligação à auto - estrada, via Ovar?

terça-feira, junho 27, 2006

Festejos de Iuri

O pouco dinheiro na carteira obrigou Iuri a ir a casa. Saiu do café, decidido a voltar para festejar o feito da selecção do seu país, a passagem aos quartos de final do Campeonato do Mundo.
Entrou em casa e por hábito fechou a porta. Não estava ninguém, os outros Ucranianos que dividiam a casa com ele, trabalhavam em turnos e só chegariam tarde.
Abastecido de economias, engoliu um copo de aguardente poderosa e preparava-se para voltar ao café. A noite ia ser longa. Iuri estava feliz, muito feliz. O seu pobre país estava na elite do futebol mundial, vitória por pénaltis sobre a rica Suíça.
Antes de sair Iuri precisa de ir à casa de banho. Nesse momento tocam à campainha. Iuri tenta despachar-se. Novo toque à campainha. Iuri sai da casa de banho e dirige-se para a porta. Batem à porta com força. Três toques, tipo murros. Começam a gritar no patamar. Iuri não percebe quem é e pensa tratar-se de outros compatriotas mais bebidos do que ele. Só pensa no barulho que deve incomodar os vizinhos, em especial o do lado, que é nem mais nem menos do que o senhorio.
Corre para abrir e depara-se com um polícia. Tenta explicar-lhe o atraso mas, o polícia não lhe permite. Só percebe as palavras: documentos, bandeira, Ucrânia e multa. Iuri tem dificuldade em perceber o que o polícia está a dizer-lhe, quase a berrar-lhe. Começa a ficar preocupado. Pede desculpa ao polícia e tenta falar. Nisto o senhorio abre a porta. Vê o polícia alvoroçado e Iuri em dificuldades e intervêm: Sr. Guarda que modos são esses, a esta hora da noite?
O Polícia irritado atira, “O senhor não se meta. Isto é entre mim e aqui o Shevchenco”. Iuri percebeu. O senhorio não gostou, “Vamos lá ver, este prédio é meu. Esse homem chama-se Iuri é meu inclino, vive com mais três ucranianos, pagam-me a renda mensalmente, no dia combinado. Além disso, sei que são bons trabalhadores, porque conheço bem os seus empregadores, todos eles meus amigos. Afinal o que esse homem fez, para o deixar tão irritado?”, perguntou. O homem da farda, ouvindo um tom calmo, serenou: “Segundo a lei a bandeira nacional, quando desfraldada simultaneamente com outras bandeiras de outros países, não poderá ter dimensões inferiores às destas”. O senhorio não conseguia acreditar, perguntou logo, que raio de lei é essa? Com um ar triunfal o polícia respondeu “Decreto - Lei n.º 150-87, de 30 de Março, aprovada em Conselho de Ministros liderado por Cavaco Silva e promulgada pelo Presidente da República, Mário Soares”. O inquilino não percebia muito bem a conversa, mas o tom era mais sereno e esperava que o senhorio resolvesse a questão.
Ao senhorio, por seu lado, a questão continuava sem ser entendida: - Ó senhor Polícia diga-me então como é que o Iuri não está a cumprir esse decreto?
- Com muito gosto, lá fora estão exposta duas bandeiras, a de Portugal e a do país aqui do Iuri.
- Certo. E isso viola o seu decreto de lei?
- Claro. A bandeira de Portugal é mais pequena do que a outra.
Aparvalhado, o pobre senhorio não queria acreditar. “Ó homem, a bandeira Nacional é minha, com muito gosto e a da Ucrânia é destes desgraçados. Estão lado a lado, sim senhor e digo-lhe mais, a de Portugal está em minha casa e a deles na casa alugada e garanto-lhe que eles pediram-me autorização.”
- Estou a ver mas, pelo que diz o decreto, não se pode hastear uma bandeira estrangeira em território nacional sem colocar a bandeira de Portugal.
O senhorio não queria acreditar no excesso de zelo do polícia. Tentou uma abordagem nova: O senhor deve ter familiares no estrangeiro, talvez em França ou na Suíça, não é? Se falou com eles ontem ou hoje certamente que lhe contaram maravilhas sobre os festejos da vitória da nossa selecção. Todos nós vimos como os Campos Elísios se encheram de Portugueses. Não houve problemas com os Franceses, não foi?
O polícia estava na expectativa, tinha o bloco e a caneta na mão e lá acabou por dizer que tinha tios e primos em França.
O senhorio continuou: “O senhor já ouviu falar da Lei do Ruído? É de 2001, penso eu. Garanto-lhe que foi aprovada em Conselho de Ministros liderado por António Guterres e promulgada pelo Presidente da República, Jorge Sampaio. Ontem os festejos foram mais ruidosos. Ninguém se incomodou, porque a alegria era imensa.” Sem parar continuou: “aqui o Iuri festeja de forma diferente, não tem carro, não pode andar às voltas a buzinar. Vai até ao café, beber umas bebidas fortes, conversar e recordar o seu país com os compatriotas dele. Esperar pelos colegas que estão a trabalhar e quando o café fechar, voltam para casa ordeiramente e se calhar, a cambalear.”
Disfarçadamente o polícia guardou o bloco. O senhorio vendo o gesto, enalteceu a atitude do polícia “pois fique sabendo, que conheço o seu comandante e quando estiver com ele vou dar-lhe os meus parabéns pelo seu excelente gesto patriótico”.
Entrou em casa e a esposa perguntou-lhe o que se tinha passado com os Ucranianos. “Nada. Coitados. Excesso de autoridade, sabes? Esta gente esquece-se o que os nossos emigrantes passaram lá fora”. E ficou a pensar como seriam os festejos face a um apuramento de Angola.
O Iuri ainda atordoado, lá foi. Fartou-se de beber, o café fechou bem mais tarde nesse dia, porque o stock de bagaço e aguardente terminou. A tempo, para descanso do dono.
Na manhã seguinte, Iuri levantou-se e foi trabalhar.

terça-feira, junho 20, 2006

Bandeiras Azuis

Nesta fase do ano, em que a época balnear já abriu e os infantários, as pré - escolas, ou os ATLs, preparam as semanas de praia dos seus alunos, as atenções viram-se para a segurança dos transportes e para a Praia eleita, em especial, a qualidade que esta deverá ter. As praias dos concelhos mais próximos são o destino mais lógico e por isso, inevitável.
De alguns anos para cá, o indicador de qualidade das Praias Portuguesas é a atribuição do galardão, Bandeira Azul.
Em geral os concelhos marítimos – e não só – têm procurado assegurar que as suas principais praias sejam reconhecidas, tendo melhorado e dotado as zonas costeiras com os indispensáveis equipamentos de apoio aos banhistas, incluindo a limpeza da praia e claro está, da qualidade da água.
O concelho de Gaia não perdeu tempo. Aproveitou quinze quilómetros da sua costa, designou-a por Orla Marítima e lançou-se ao desafio ambiental de a qualificar. Resultado: dezassete praias têm Bandeira Azul em 2006, nesses 15 quilómetros. Em contraste, na Zona Centro, que é definida em termos costeiros pela sequência entre o norte do concelho de Ovar até ao sul da Figueira da Foz, finalizando concretamente na Praia do Osso da Baleia do concelho de Pombal, o número de praias com Bandeira Azul é inacreditável... Dezasseis, sim dezasseis praias, em 125 quilómetros de costa. Que desperdício! Se virmos no mapa, apenas Ovar com a atribuição a 3 praias, Ílhavo com 2 e a Figueira da Foz com 5 é que aproveitam um pouco melhor a costa. O resto é um concelho, uma praia com Bandeira Azul: Murtosa, Aveiro, Vagos, Mira, Cantanhede e a já referida de Pombal.
Num país que se pretende turístico, não aproveitar a totalidade da costa e deixar dezenas de quilómetros de praias, sem acesso rápido, não faz muito sentido. Tendo em comum dunas na retaguarda, escondem-se largos ou estreitos areais, sem barracas, sem jogos de futebol maçadores, sem nadadores salvadores, nem cafés e muito menos cerveja gelada. Os concelhos a que fazem parte esquecem-se delas, desperdiçando assim a costa. Praias sem acesso por estrada, apenas sendo alcançadas atravessando a mata a pé. Porquê?
Mesmo com vias de comunicação, temos outros exemplos de boas praias sem o investimento necessário pelas autarquias para possuírem o desejado certificado. Acessos entregues à anarquia generalizada que, durante anos, caracterizaram as praias de Portugal. Salvo raras excepções; só que essas não as divulgo.
Voltando ao caso de Gaia, praias como Valadares, Canide e Madalena têm dois galardões atribuídos. Metodicamente associou-se qualidade e quantidade, conseguindo-se aquele rácio de número de Bandeiras Azuis por quilómetro. Mais do que atrair turistas, Gaia voltou-se para dentro, garantiu e melhorou a qualidade de vida dos seus habitantes.
Infelizmente na Zona Centro do nosso país, constatamos que nem a vocação turística dos concelhos marítimos está a ser devidamente trabalhada. De nada serve verificar que não é só nesta zona. Só piora.
Termino com um sinal de esperança que nos chega de Ovar. Mais ano menos ano, a Praia do Areínho na Ria de Aveiro conquistará a Bandeira Azul, pelo menos essa é a intenção da Câmara local. Apenas não foi distinguida este ano, porque um dos parâmetros não cumpria o exigido. Algo começa a alterar-se nas praias fluviais, mas aí a situação global é bem mais catastrófica.

terça-feira, junho 13, 2006

Plano de Transportes

Uma pergunta preparada pelas professoras dos alunos do 5ºD da escola EB 2/3, para a reunião de Câmara ficou sem resposta, segundo o relato do Jornal Labor, do dia 8 de Junho. A pergunta referia-se aos Transportes Urbanos de S. João da Madeira - TUS e à possibilidade de se praticarem preços diferenciados para estudantes.
O TUS (vou tratá-los na forma singular) tem circulado praticamente vazio pela cidade. Passado o período experimental e gratuito, a adesão registada a este meio de transporte foi muito reduzida. Verificando isso, o Executivo Camarário já promoveu a alteração dos percursos, de forma a atrair mais clientes.
Ainda é cedo para analisar o efeito desta alteração, no entanto, a sugestão da Escola EB 2/3 permite repensar-se este meio de transporte e articula-lo com as necessidades de um público específico, que são os estudantes. Nunca é demais lembrar que devido às reduzidas dimensões de SJM, não é permitido o transporte escolar oficial. Por essa razão, devia-se adaptar este transporte urbano aos horários escolares, com itinerários e preços adequados, como muito bem propuseram os alunos do 5º D. Passes ou bilhetes com um valor simbólico, à semelhança dos preços anunciados para os idosos possuidores do cartão sénior, ou então, de acordo com uma percentagem do rendimento do agregado familiar do estudante.
Não sendo certo qual o tipo de adesão que se iria obter, uma forte campanha de sensibilização e divulgação poderia, no inicio do próximo ano escolar, catapultar este meio de transporte para níveis de frequência aceitáveis e desejáveis. O TUS não pode cair no ridículo de ficar conhecido como o “Transporte de Utilizador Solitário”.
Um forte incentivo à utilização do TUS é o que se espera. O seu grande trunfo é a flexibilidade, comparado com a ideia de dotar a Linha do Vouga com um “vai-vém” local, conforme o programa eleitoral do partido vencedor das eleições autárquicas. As dúvidas subsistem e mesmo do Fórum Municipal já surgem mais opções a nível de plano de transportes, como a sugestão de “articulação com a expansão das linhas do Metro do Porto”. Uma ideia muito mais acertada, como tive oportunidade de defender em Novembro passado nas páginas deste jornal.
Acreditar que é possível rentabilizar o investimento da criação de uma plataforma bi-modal, com a construção de uma passadeira entre a actual estação e o Centro Coordenador de Transportes, acrescido do custo de adaptação da Linha do Vouga, para o transporte local entre o Orreiro e a antiga Oliva, parece algo exagerado para o senso comum.
A correlação de vários dados económicos é que permitirá equacionar-se a melhor solução para o ano 2015. Indicadores como o rendimento médio dos habitantes do concelho e a disponibilidade financeira para transportes; as flutuações diárias da população: saídas e entradas para trabalhar; a ocupação dos transportes colectivos: destacando-se o número de passageiros de SJM para as cidades de Oliveira de Azeméis, Santa Maria da Feira, Aveiro, Porto e vice-versa, não esquecendo quem atravessa SJM, vindo de Arouca ou Vale de Cambra, são importantes para se proceder a um estudo correcto.
É bom sinal verificar que o Executivo Camarário ponderou a questão dos transportes. Estou certo que praticamente deixou “cair” uma promessa de campanha eleitoral. A expansão para Sul do Metro do Porto será o projecto que maior interesse terá para a população desta região. Com este investimento, a articulação com o transporte rodoviário será uma necessidade maior e a ideia da plataforma terá maior cabimento.

quarta-feira, maio 24, 2006

Poborsky!

O Campeonato de Mundo ou o Mundial é um momento único para o apreciador de futebol. O efeito deste Campeonato sobre as pessoas é inexplicável. Assisti em 2002 à transmissão do jogo de atribuição do 3º lugar, na companhia de dois fulanos de aspecto curioso. Um sem cabelo algum, todo rapado e com um sem número de tatuagens pelo corpo, mais uns brincos e os inevitáveis piercings. O outro tinha o cabelo grisalho, não muito comprido e encaracolado e usava um casaco largo, tipo boémio. Formavam um par curioso. Sentaram-se rapidamente, pediram umas coisas para pequeno – almoço e ali ficaram a vibrar com o jogo. Falavam uma estranha língua entre eles e festejavam os golos da Turquia exuberantemente. Nessa noite, ao assistir nos Jardins do Palácio de Cristal ao concerto de Goran Bregovic e a sua banda (Wedding and Funeral Band), fiquei aparvalhado quando reconheci os meus companheiros de jornada, nem mais nem menos do que o próprio Goran Bregovic (o grisalho) e o vocalista, Sacha (o tatuado), oriundos da ex-Jugoslávia. Para quem não sabe, aquele músico foi o autor da bandas sonoras dos filmes de Emir Kusturica e em parte, deve-se a ele a divulgação da música cigana oriunda dos balcãs.
Não se pense que para os aficcionados apenas os jogos interessam. Desde a fase inicial, a das convocatórias, até ao rescaldo final, tudo é absorvido. A loucura começa com a pressão sobre os seleccionadores para influenciar a convocatória. Na web, durante três meses circulou uma petição, sobre a inclusão de Maradona nos convocados da Argentina, com o objectivo do antigo “astro” jogar apenas 5 minutos. Não teve o efeito esperado mas, conseguiu reavivar a memória dos adeptos, em especial, aqueles que deliraram com os seus golos no Mundial de 86 e que nunca o esqueceram.
A divulgação das convocatórias tem como primeira reacção a contestação, o que é comum nos quatro cantos do mundo. As opções dos vários seleccionadores são contestadas por jogadores não eleitos e também por adeptos, que nesta fase ainda estão presos à cor do seu clube, considerando a não convocação deste ou daquele jogador como uma provocação. Com o desenrolar da prova, tudo se altera...
À contestação segue-se a surpresa. Uma série de nomes há muito esquecidos do nosso dia – a – dia, são convocados para a grande competição desportiva. Jogadores que alinharam em Portugal, nos mais variados clubes, outros que fizeram jogos fantásticos em Mundiais precedentes e que desapareceram sem mais nem menos.
Da República Checa chega-nos a notícia da convocação de Karel Poborsky. O ex-benfiquista, que actua na segunda divisão do seu país, no Ceske Budejovice, é uma das “surpresas” do seu seleccionador, juntamente com o avançado Jan Koller, o gigante do Borussia de Dortmund, que vem depois de sete meses de paragem devido a uma lesão no joelho esquerdo.
Poborsky surgiu no léxico português com um golo que retirou Portugal do Euro 96. Este nome soava a uma saudação eslava, um cumprimento fraterno de amigos e a isso mesmo foi adaptado. Uma forte exclamação: Poborsky, obtinha como resposta uma igual saudação.
A sua transferência para o Benfica foi uma novela do “está pago, não pagou, continua sem pagar” que caracterizaram os anos de presidência de Vale e Azevedo. A saudação de amigos passou a cântico monótono das claques de futebol. Esperava-se tudo da magia de Poborsky, no entanto, os anos passaram e o checo saiu sem grandes alegrias para recordar. Anos sem glória. Talvez por isso, a sua loja de artigos desportivos em Praga, segundo me contaram, não expõe nenhuma camisola do Benfica.
Poborsky depois do Mundial, será assim uma recôndita recordação. Um nome gravado numa camisola, guardada algures numa gaveta, até que a necessidade de espaço e o consequente arrumo, a colocarão de novo nas costas de alguém que ao ler esse nome, jamais perceberá o que significa.

terça-feira, maio 16, 2006

Hobbies

Em tempos tive a oportunidade de conhecer um Espanhol de Pamplona, engenheiro e director de uma unidade de produção que tinha um hobbie curioso: percorrer os caminhos de Santiago. Segundo ele, todos os anos fazia o percurso entre a sua cidade e Compostela, conhecido como o percurso Francês. Estava organizado em grupo e percorria, em várias etapas e durante vários fins de semana, os 730 quilómetros de distância.
Nessa época, eu estava dedicado a palmilhar a Serra da Freita. Ligava, caminhando, aldeias ou testemunhos arqueológicos, com o propósito de chegar via pedestre a S. Macário. Não por qualquer devoção ao eremita, apenas por considerar o morro como o fim lógico do caminho. A meta. O final dessa cadeia montanhosa encantadora, que me seduz desde pequeno. A curiosidade desse percurso foi-me despertado em tempos remotos ao cruzar-me em plena Serra da Freita com 2 peregrinas, que em finais de Julho, deslocavam-se sob um sol abrasador para a festa em honra do dito “santo”, cumprindo assim uma promessa delas.
A minha ideia era delinear o caminho ou os vários caminhos evitando ao máximo o alcatrão. Apenas pequenos trilhos, alguns sem utilização há muitos bons anos. Com as várias etapas, apercebi-me da existência de várias alternativas o que me deixou deliciado. Confidencio que nunca percorri nenhuma das variantes na totalidade, nem terminei o levantamento das sucessivas etapas, ficando por calcorrear 2 desses percursos, entre Côvelo e Regoufe e no final entre Drave e S. Macário. O resto do percurso foi anotado num pequeno bloco, com indicações de distâncias, tempo demorado, pontos de interesse, grau de dificuldade por mim encontrado e outras considerações pessoais. Duas mudanças de casa devem-no ter colocado no fundo de algum caixote, ainda por desarmar.
Ironicamente o hobbie do Espanhol lembrava-me o filme de Luís Buñuel “Via Láctea”. No entanto, era grandioso. Existe sempre aquela admiração nacional pelo que os estrangeiros fazem. Muitas vezes esquecemo-nos dos sacrifícios dos nossos compatriotas e tentamos sempre desvalorizar o que é nosso. Atiramos desculpas para a tipologia da estrada, para o alcatrão e para a sucessão de pequenas vilas e aldeias sem interesse cultural, do nosso principal roteiro de peregrinação.
As autarquias do Norte que são atravessadas pelos Caminhos de Fátima não deslumbram a quantidade de peregrinos que percorrem o mesmo. O Centro Nacional de Cultura em tempos reconstituiu os caminhos de Fátima a partir de Lisboa e mais tarde também do Porto, o caminho do Norte que em parte é o sentido oposto ao Caminho Português de Santiago. Curiosamente, essa pesquisa faz a referência a S. João da Madeira, que é para muitos, uma das paragens desta longa marcha.
Estima-se 25 mil peregrinos nas estradas portuguesas, nos primeiros dias de Maio. Durante uma sucessão de dias, terras como esta cidade são atravessadas por caminheiros, agora de colete fluorescente vestido, com um objectivo comum. Alguns dormem em tendas montadas para o efeito, outros refugiam-se em pequenas pensões ou hospedarias de clientela duvidosa porque a oferta é reduzida ou no oposto, demasiado onerosa.
Existe um potencial de promoção da cidade que poderá valer mais do que qualquer suplemento de jornal. Faltam 345 dias para a próxima grande peregrinação, algo será feito até lá?

segunda-feira, maio 08, 2006

Vícios perdidos

Na adolescência elegemos ídolos. Precisamos e identificamo-nos com eles. Procuramos novas referências através de um texto, uma frase, um filme, um quadro ou até uma música. Pelo meio, uma imagem, uma mensagem ou uma atitude têm a particularidade de nos fascinar e por vezes, de nos fazer sonhar, numa idade em que acreditamos que vamos ser fabulosos e que a nossa vida será única.
Praticamos o culto de ícones, sem o saber. Fixamos o olhar nos nossos ídolos. Das poses com estilo, reparamos nos pormenores, nos acessórios de vestuário, nos metais cravados no corpo, no cigarro na boca, etc.
Procurei nas minhas memórias quem seria o meu ícone do cigarro.
Ao visionar um DVD de Nick Cave ao vivo, apercebi-me que guardo dele essa imagem. Ao vê-lo ali de cigarro em punho, envolvido em fumo, cantando as suas músicas, recuei no tempo. Lembrei-me do episódio da invasão do palco na sua actuação no Teatro Rivoli, quando um cigarro na boca do australiano foi aceso por um solicito espectador.
O fenómeno Nick Cave surgiu na minha adolescência. Na época ainda estava distante das baladas. Um músico associado a canções depressivas, de sofrimento e de loucura, de narrativas macabras, etc. Como era meu costume pesquisei os seus primeiros trabalhos a solo, extremamente sombrios e “suportei” os Birthday Party, sua banda anterior. Mas, o primeiro grande momento do compositor australiano seria a edição do seu disco “Tender Prey”. Presenteava-nos com um humor ácido e pouco usual, alternando ideias musicais sempre dentro de um formato semi-acústico que não permitia o seu encaixe em termos de catálogo musical como "gótico", "pós-punk" ou outros clichés afins. Consequentemente, a sua apresentação na Cidade do Porto no final do ano de 1988, no tal concerto atrás referido, foi um momento inesquecível.
O seu trabalho seguinte, “The Good Son”, marca uma nova fase da sua carreira, um disco de baladas, cheio de referências bíblicas. Por aqui fico, pensei. Cansado com desilusões musicais: apreciar bons músicos transformados em mega estrelas pop, assistir à decadência dos ídolos da cena musical da década de 80; por tudo isto, a blasfémia de Nick Cave em lançar um álbum de baladas foi mal interpretada.
Os anos seguintes foram engraçados, as pessoas “reconheciam” no meu caminhar o estilo Nick Cave, comentavam comigo que o tinham visto num filme, que tinham adquirido o seu disco. Pediam-me antigos discos emprestados. Entretanto, uma sequência de edições de novos discos, reabilitaram o músico. A ligação com a fenomenal Kylie Minogue, em “Murder Ballads”, ao jeito de a Bela e o Monstro, fizeram-me apreciar as suas baladas. Pelo meio, a leitura do seu livro, “And the Ass saw the Angel” ajudou-me a compreendê-lo melhor.
O seu estilo reconhecido de “songwriter” perdurou, o trabalho seguinte “The Boatman’s Call” é um álbum fantástico e tive uma agradável surpresa quando em pleno “Shrek 2”, na primeira incursão ao cinema no papel de Pai, ouço a sua voz cantando “People Ain’t no Good”, com o Gato das Botas inconformado, afirmando “Detesto baladas!”.
Recordar tudo isto a propósito da proposta da nova lei que proíbe de fumar em locais públicos, surge na sequência da indignação de uma série de colunistas de jornais e da blogsfera. Nessa semana, passei horas a ler manifestos de fumadores. O cigarro de Humphrey Bogart, de James Dean e de outros mais, eram os ícones associadas aos textos postados.
Nunca fumei.
Sendo não fumador aprecio o cheiro a tabaco, o que é curioso. Não penso algum dia começar a fumar. Aprecio a boa história de quem conseguiu atempadamente largar o vício, como a da longevidade do mesmo.
Até ter filhos sempre permiti que fumassem em minha casa, mesmo sendo asmático crónico, porque sempre acreditei naquele princípio que a nossa liberdade termina quando estamos a incomodar os outros.
Ao ver Nick Cave cantando “New Morning” no tal DVD, pedindo um cigarro ao público e sendo brindado com dezenas, numa cena algo humorística, imagino o que seria proibir um concerto sem tabaco. Onde ficava esta representação, que pelo vistos perdura desde o espectáculo do Rivoli?

terça-feira, abril 25, 2006

Semáforos no EDV

A notícia indicava que vinte e três concelhos concentram metade do poder de compra de Portugal Continental. Os dados tinham por base o “Sales Index”, que é um índice expresso em permilagem que permite comparar os concelhos entre si e analisar a contribuição de cada um para um total de 1000, o que corresponde aos 278 concelhos do Continente.
Este estudo, que em tempos colocou o concelho de S. João da Madeira no 3º lugar, é sempre muito esperado por revelar indicadores de rendimento e consumo de cada concelho. É calculado com base em variada informação, nomeadamente a população residente, as receitas fiscais, as vendas de automóveis, os consumos de electricidade, as dependências bancárias e os estabelecimentos comerciais.
O destaque era dado para a localização geográfica dos 23 concelhos, quase todos litorais, ocupando 5.0% da área total do Continente e concentrando 43.2% da população residente. Dos 23, onze concelhos situam-se na área da Grande Lisboa (até Setúbal), 6 na região do Grande Porto e 1 no Algarve. Para além de Leiria, que é um concelho do litoral, apenas 4 são concelhos do interior (Braga, Coimbra, Guimarães e V. N. Famalicão), sendo dois deles capitais de distrito. E então enumeravam: Lisboa, Porto, Sintra, Oeiras, Vila Nova de Gaia, Loures, Cascais, Almada, Matosinhos, Coimbra, Braga, Amadora, Seixal, Setúbal, Guimarães, Gondomar, Leiria, Vila Franca de Xira, Maia, Santa Maria da Feira, Odivelas, Loulé e V. N. de Famalicão.
Assim, cruamente.
Lendo outra vez, verificamos que não nos enganámos. Dos concelhos referidos nenhum é S. João da Madeira. Os números da Marktest, responsável por este estudo de periodicidade anual, retiram importância económica a este concelho. O poder de compra era o principal trunfo de S. João da Madeira quando se comparava com os concelhos vizinhos, todos eles “gigantes”, quer em área, quer em n.º de freguesias, ou em termos populacionais.
Se verificarmos a localização dos 23 concelhos, observa-se que todos estão servidos por auto-estradas, alguns por mais do que uma, independentemente dessas serem SCUTs ou com portagem. Em geral, todos têm em comum as rápidas acessibilidades, o que permite garantir a pronta mobilidade dos seus cidadãos, dos bens produzidos ou necessários, o mesmo acontecendo com os serviços. Durante anos ouvi, em conversa de amigos, dissertações sobre a importância das grandes vias na economia nacional. O exemplo era sempre o mesmo, S. João da Madeira devia parte do seu desenvolvimento à sua localização geográfica, em plena Estrada Nacional 1, que até meados da década de 80 do século passado era a principal via de comunicação do país. Com a A1 construída, no princípio da década de 90, novos centros económicos iriam aparecer e SJM ia perder poder de compra. Sempre rebati. O nó da A1 distava 7 quilómetros e uma distância tão curta poderia perfeitamente ser torneada, houvesse capacidade de captar investimentos a nível industrial, de serviços e de comércio, até porque efectivamente “o poder de compra era elevado”.
Os anos seguiram-se. Os números agora são outros...
Abordar este assunto é complicado. Recordar reivindicações e promessas eleitorais de uma ligação por auto estrada de S. João da Madeira ao nó da Feira da A1 seria um anacronismo. Acreditar que a redefinição das acessibilidades, com a abertura de novas frentes - a ligação à A29 (antigo IC1) no nó de Ovar e a auto-estrada directamente aos Carvalhos, numa via de traçado complicado, poderá dar novo alento à economia local, é uma opção “politicamente correcta”.
Enquanto se espera pela conclusão destas obras é necessário obter dos concelhos envolvidos na sub-região Entre Douro e Vouga (EDV) o compromisso de que a mobilidade na referida região será conseguida sem prejuízo para a população residente. Uma viagem de S. João da Madeira para Norte via EN1 é extremamente demorada devido aos semáforos entre Lourosa, Picoto e Grijó. A alternativa, via Santa Maria da Feira e daqui seguir numa das auto-estradas para Norte, torna-se imprevisível devido ao desesperante semáforo de Sanfins, obrigando a esperas por vezes prolongadas, para um percurso de 7 quilómetros. A nascente, em Nogueira de Cravo, mais um semáforo a condicionar o trânsito na ligação para Vale de Cambra ou para Arouca. Mesmo a sul, a sequência Pinheiro da Bemposta, Curval e Branca estão repletos de semáforos, situação torneada pela construção entre Oliveira de Azeméis e Estarreja de uma ligação rápida ao nó da A1 e também A29, o que facilitou a vida a quem se desloca para Sul.
O desenvolvimento desta sub-região fica fortemente penalizado pela existência destes sinais luminosos. Por todo o país, assistiu-se à sua substituição por rotundas, mesmo em estradas nacionais consideradas perigosas. As vantagens são óbvias, evitando-se a formação de longas filas de trânsito, com prejuízo para quem tem que se deslocar dentro da região. Aliás, as recentes notícias da perda de valências da Urgência do Hospital de S. João da Madeira e do encerramento da Maternidade do Hospital de Oliveira de Azeméis, com transferência desses serviços para o Hospital S. Sebastião em Santa Maria da Feira, obrigam a que se repense a continuidade do semáforo de Sanfins e até o de Nogueira de Cravo.
Esperemos que a saúde dos habitantes desta sub - região seja argumento preponderante para a eliminação destes gargalos da economia local.

segunda-feira, março 27, 2006

Vicente e Mago

O corvo sobrevoou a Praça. Era final de tarde, o comércio já tinha fechado e poucos humanos ali permaneciam. Avistou um gato perto dele. Era o seu alvo. Já o seguia há alguns dias mas hoje não escapava, a oportunidade era única.
- Boa tarde, Sr. Mago! – chamou o Corvo.
O gato olhou e apenas viu um Corvo, não queria acreditar.
- Ó ave necrófaga, como sabes o meu nome de família? Farei por acaso, parte do teu cardápio? – perguntou o gato.
- Tem calma, não precisas de te preocupar. Nem estás para morrer, nem eu aprecio comer cadáveres, sou mais do género caçador – prefiro a carne quente. Como podes comparar pela diferença do nosso tamanho, não pretendo ter problemas contigo – assegurou o corvo.
- Explica-me então, como sabes o nome da minha família – ripostou o gato Mago.
- Caro jovem, tenho-te seguido sem dares conta, pelas ruas da cidade. Quando te vi, fizeste-me lembrar um velho conhecido. A forma de andar, esse ar majestoso recordaram-me um gato, que tal como eu, foi personagem de um livro antigo. Observei-te melhor...
Mago interrompeu: Olha lá! Esse gato era meu tetra – avó, o orgulho da família. É engraçado ainda te lembrares dele. Mas ouve, tu és o Corvo Vicente, o rebelde?
- Nem mais! Apesar de cada um ter o seu capítulo, os Bichos conheciam-se e por isso foi fácil rever em ti a tua ascendência – disse Vicente.
Mago não queria acreditar. O Corvo Vicente, esse herói mítico da bicharada, ali em frente a ele:
-Ó insubmisso, ó dissidente! Sempre apreciei a tua coragem em trilhares o teu próprio destino. Nunca consegui ser como tu, entreguei-me sempre à mão que me alimenta. Procurei sempre o lado cómodo da vida e com isso sofro bastante.
- É mal de família, procuram sempre o aconchego do colo humano e perdem a vossa dignidade.
- Dignidade e não só... – completou Mago.
- Como fazem então para ter herdeiros? – perguntou Vicente, com um sorriso no bico.
- Não sejas trocista, Corvo anarca. Como deves calcular, transmitimos de pais para filhos, o que significa privação. Fingimos ser jovens e brincalhões até conseguirmos conquistar alguma fêmea. Não esperas que te conte mais pormenores, pois não? – suplicou Mago.
- Não, amigo Mago. Brincava apenas contigo. Devo respeitar-te como é evidente. Ainda por cima dizes que sofres... – confortou Vicente.
- É mesmo. Os outros animais não entendem. A opção por este estado não é minha. Isto é... directamente! Os meus donos é que são responsáveis pelo meu estado assexuado. Quando saio, outros gatos metem-se comigo, insultam-me e agridem-me – lamentou o gato.
Vicente sentiu a mágoa de Mago.
- A intolerância neste casos é grave. A orientação sexual de cada ser vivo deve ser respeitada pelo outros ou, no teu caso, a falta dela.
- Pois deveria – disse Mago. Mas, houve lá Vicente, que idade tens? Deves ser muito velho?
- Nem os conto. Não penses que saí da Arca e sobrevivi, para ficar a contar os anos da minha vida. – refilou o pássaro. Desafiei Deus e ousei enfrentá-lo para enquanto os humanos se lembrarem de mim, ser imortal.
- Compreendo o teu desejo. Não me digas que visitas os Bichos ou os seus descendentes por esse mundo fora!? – perguntou Mago.
- Seria interessante para manter viva a obra do nosso criador. Passei por cá algumas vezes e mal sonhava encontrar um descendente do velho Mago. Enquanto foram vivos, convivi com todos. Entretanto, com as gerações seguintes, tem sido mais difícil...
- O que fazias nesta cidade? – questionou Mago.
- Nas viagens do meu reino para o litoral, costumo passar por aqui. Por vezes, observo factos interessantes de alguns lugares e volto...
- E aqui o que te agradou? – voltou a interromper Mago.
- Directamente não te sei responder. O que mais me surpreendeu foi um acto de rebeldia.
- Aqui, Vicente? Deves estar enganado? – admirou-se Mago.
- Está-te no sangue, não aceitas nada que altere o teu conforto. Essa forma cómoda de ser, de estar, digna do velho Mago. Não havia nada melhor que os braços da Dona. O borralho da velha cozinha e as horas ali perdidas a dormir.
- Sempre gostei, também. Mas Vicente, explica melhor essa tua história, da revolta...
- Lembras-te quando estavam a montar estas estruturas metálicas com vidro aqui na Praça? – perguntou Vicente e sem esperar resposta continuou: Numa das ruas, essa montagem foi interrompida um dia. Uns humanos alegavam ser ilegal retirar-lhe o trânsito e transformá-la em zona pedonal. Passava por cá e assisti a tudo. Vi que argumentavam com clareza e mesmo perdendo a batalha, foram para a luta política.
- Estou recordado, mas sem perceber onde queres chegar – disse Mago.
- Pois, aqui vai. Como deves compreender actos reivindicativos, com fundamento e sem violência, são por mim muito apreciados. Voltei a passar por cá, passados alguns meses e felicitei-me ao ver a vitória das suas cores partidárias. Como não conheço as gentes desta cidade, acreditei que havia relação entre os dois factos e regozijei-me por isso.
- Ui Vicente, ui! Estás enganado, Corvo – atirou Mago.
- Fico espantado! Tal como fico quando ao fim destes anos todos, voo para cá de novo e vejo a rua no mesmo estado. Afinal para que serviu toda aquela argumentação?
- Não me arranjes problemas. Essas coisas de humanos e política não são para mim. Mesmo os meus donos não estão para se chatear. Política só via TV, o professor e pouco mais. Aqui o que aconteceu é que as pessoas ficaram fartas de obras e o que querem é tranquilidade. Imagina só, obras outra vez. Querias o quê? Que tirassem as estruturas todas?
- Não, acomodado Mago, apenas as necessárias para repor a normalidade na fluidez do trânsito da cidade. Mas, tu é que estás enganado! O resto da cidade está em obras, só aqui no centro é que continua tudo parado.
- Ouve Vicente, esquece. Ninguém quer saber disso. Porque te preocupas com isso? Nem sequer és de cá. Passas de vez em quando. Desta vez viste-me e isso é que é importante.
- Sim, mas não só... Pelo que ouço, pressinto que tens alguma razão, jovem Mago. Vou, então!
- Espera não vás ainda. Gostava de falar melhor contigo, sabes dos outros Bichos ? – gritou desesperado o gato.
- Sabes Mago, irrita-me essa tua passividade. Vou procurar outras paragens, enganei-me. Descobri por ti o meu erro, costumo não me enganar nestas coisas, não gosto de me desiludir.
- Para onde vais, infame Corvo? – perguntou irado o gato.
- Para perto do Mar, gato... – despediu-se Vicente, iniciando o voo.

NOTA: Com a devida homenagem, foram adaptadas duas personagens de “Os Bichos” de Miguel Torga.

segunda-feira, março 13, 2006

Do absurdo à modernidade

Chegara o último dia. O momento de retirar os objectos pessoais do cacifo, fechar a porta e deixar ficar a chave. Retirar o número de colaborador daquele armário e sem olhar para trás, abandonar aquele balneário.
Uma vida naquela fábrica.
Entrara novo, contrariando a vontade do pai que o queria ao seu lado a trabalhar no duro, nos campos. Fizera a instrução primária entre o bater da régua e o da sachola. Cedo aprendera o que era cavar fundo. Ter calos nas mãos. Trabalhar de sol a sol e com pouco dinheiro na carteira. Um dia fartou-se. Os amigos da rua trabalhavam nas fábricas e ganhavam salário. Pouco mas certo. Dos campos só incerteza. Enchera-se de coragem e fora pedir emprego ao Orreiro. “Sim senhor, venha, estamos a precisar de gente nova”.
O pai não queria acreditar, um filho operário, com tanto trabalho em casa. Lá se convenceu aos poucos. Para ele, era uma mudança grande. Entrou disciplinado, cumprindo o que o encarregado lhe dizia. O homem percebia daquilo, explicava-lhe tudo. Como fazer, como organizar o posto de trabalho, quantas peças precisavam de fazer por dia para cumprir a encomenda dos clientes e assim, incutiu-lhe o gosto da profissão.
Chamaram-no para a tropa e consequentemente embarcou para a guerra. Regressou e o pai acreditou que o mato lhe mudara a vontade e ficaria outra vez por ali. “Qual quê!” Voltou a bater à porta da fábrica, ficara a promessa de reintegração na empresa. Feliz, voltou a desempenhar as suas funções. O encarregado já lá não estava, tinha-se estabelecido. Ainda o convidou, mas seria ingrato com as pessoas que lhe prometeram e tinham esperado por ele.
Dividia o seu tempo entre a fábrica e a ajuda ao progenitor, na lavoura. Entretanto casara e o pai cedera-lhe metade da sua casa. Ficara com casa própria, a troco das ajudas ao pai. Uma vida de sacrifício. Comprara também uma motorizada, para se deslocar mais rapidamente de um local para outro e assim, aproveitar melhor os dias. Veio a revolução e temeu o pior. Período difícil, com convulsões várias. Chamaram-lhe reaccionário, calmamente mostrou os calos profundos nas palmas das mãos e rodando-as, exibiu os dedos todos negros e exclamou: “são mãos de operário e lavrador, chama-me o que quiseres, pois eu sei o que sou.”
Quando a calma voltou, reparou que nunca tivera um ordenado em atraso mesmo tendo passado alguns dias sem trabalhar. Surgiu uma hipótese para mudar de sector de produção, aceitou. Trabalharia no turno da tarde, o que daria jeito, para de manhã ajudar no campo. Agora, na fábrica as contas eram outras, havia gamas operatórias e era necessário fazer tantas peças por hora. Cumpria sem problema. A equipa com quem trabalhava era exemplar. Recebiam um excelente prémio de produção. Por vezes, faltavam colegas do turno da manhã e pediam-lhe para ir mais cedo. Fazia o sacrifício ao acumular estas horas, mas não se importava, sempre era mais um dinheirito.
A empresa prosperou e foi vendida a estrangeiros, cada área de negócio um comprador diferente. Ficara triste, via partir quem o empregara e o desmembrar da empresa foi difícil de aceitar, sobretudo pela separação dos amigos da primeira hora. No entanto, as condições salariais melhoraram e decidira-se a comprar um carro, até porque a família estava maior.
Envolvido no ritmo diário das entregas aos clientes, via os filhos a crescer, a progredirem nos estudos e acreditou que o futuro deles seria diferente. Entretanto, o pai adoecera e acamara. Cuidados redobrados, repartidos entre ele e a mulher. Um dia chamaram-no ao gabinete do director de produção, a empresa ia empregar muita gente e era preciso apostar em alguém da velha guarda para encarregado, “...os próximos tempos serão extremamente importantes para todos. Até hoje conseguimos estar neste sector pelo baixo preço do nosso artigo, agora os desafios serão outros. Temos que apostar na qualidade do nosso produto e garantir que o produto não sai daqui defeituoso. Teremos que aumentar a capacidade de produção e estar preparados para muito trabalho”, lembrava-se bem do que lhe tinham dito. A prontidão da resposta não foi do agrado das chefias, em primeiro lugar alegou o problema familiar, o estado do pai, a ausências de ajudas, com os filhos a estudarem fora, etc... Depois rematou dizendo, não ser prestigiante para ninguém ser encarregado naquela empresa, antes pelo contrário. “Além disso, não passo de um labrego. Não tenho paciência para papéis, reuniões e essas actividades de encarregado.” As chefias perceberam que seria impossível demovê-lo. Ainda assim, jamais desde essa data, tal episódio lhe foi referido ou apontado.
Os anos passaram-se e à alegria pela licenciatura dos filhos, infelizmente sucedeu a morte do pai. Como único descendente, herdou-lhe os bens, incluindo as terras de cultivo. Não as queria abandonadas, mas sozinho iria ser difícil. Além disso, surgiam notícias sobre a agricultura, que o deixavam confuso, não cultivar, não plantar isto e aquilo, semear somente alguns produtos e em doses controladas... Optou por as manter em regime de fim de semana, mais para consumo doméstico, do que para venda.
Os filhos não regressaram à terra natal. “Da minha geração, quem sai para estudar, raramente volta”, diziam-lhe os filhos. “O que faço com as terras?” perguntava-lhes por vezes, “vende-as, antes que não valham nada”. Soube por um velho amigo, que as terras tinham ficado incluídas na Reserva Agrícola Nacional e por isso ninguém podia construir ali. De início não percebeu. Só quando lhe explicaram o que as terras ficaram a valer, é que compreendeu o que tinha perdido.
Decidido, continuou a sua vida. Ajudou os filhos como podia, uma entrada para o apartamento, mais uma percentagem do valor do carro para suavizar as prestações. Os colegas mais próximos brincavam com ele, dizendo tratar-se do homem mais rico da fábrica, tal eram as ofertas, mais a área de cultivo, casa própria e tudo. Ele ria-se.
Os mais velhos chegavam à idade crítica da reforma. Eles felizes, ele triste. Não queria reformar-se, tentava esticar sempre mais o esforço, para acompanhar o exigido pelos tempos das gamas operatórias. Viu partir muitos do “antigamente”: colegas, encarregados, chefias, engenheiros. De todos se despediu, pensando “um dia serei eu, só espero que falte muito”.
Ainda sorriu quando anunciaram o adiamento da idade da reforma para os 65 anos. O seu ritmo era mais lento e já começava a haver pequenas paragens por causa do seu desempenho. A empresa educadamente chamara-o para negociar, era tempo de dar o lugar aos novos. Dedicar-se aos netos, visita-los mais vezes, olhar pelo campo, dizia-lhe o engenheiro simpaticamente, quando lhe anunciou o propósito. Aceitou, ficando apreensivo. Brevemente seria cessado o contrato, bem indemnizado evidentemente e poderia inscrever-se no fundo de desemprego, até passar a receber a merecida reforma.
Mais de quarenta anos de trabalho naquela empresa. Apagou a luz do balneário. Saiu e encostou a porta. Era noite como sempre. Cá fora o silêncio já dominava. Os aceleras já tinham arrancado rumo a casa. Apareceu um vigia para se despedir. “Passe por cá para nos visitar!”.
Surpresa, o engenheiro também ali estava! Não se esquecera que era o seu último dia. Vinha dar-lhe um abraço e acompanhá-lo ao carro. “Sai o senhor e passo eu a ser um dos mais antigos”, dizia bem disposto. O gesto do director era simpático e ele estava-lhe reconhecidamente grato. Emocionou-se. Os olhos lacrimejaram. Aguentou a torrente, disfarçou a voz e disse: “Muito obrigado pela atenção. Não é um momento fácil, como deve compreender.” O engenheiro pôs-lhe a mão no ombro e recordou-lhe: “Esta empresa sempre teve um rosto humano, desde a sua fundação. Cabe-me agora pela antiguidade, continuar a manter viva essa tradição.”
Enquanto caminhavam o engenheiro puxou de um cigarro, ofereceu outro, o que foi recusado. “O importante é o senhor saber ocupar-se nos próximos tempos”, recomendava-lhe. Pensou não dizer nada, mas a sinceridade do interlocutor mudou-lhe as ideias: “Como sabe, senhor engenheiro, tenho netos pequenos, os filhos longe e formados. Fiz a minha vida dedicada ao trabalho, aqui na fábrica e no campo herdado dos meus pais. Dia após dia naqueles campos enquanto os outros colegas descansavam. Férias só as tive quando os filhos começaram a pedir praia. Uns dias ali no Furadouro, no Parque de Campismo e ainda assim, vinha muitas vezes ver o estado das terras. Já pensei dedicar-me a elas outra vez. Mas o dinheiro que vou ganhar e a minha idade não me permitem ter muitas esperanças. Agora, pensando bem, gostava de as vender. Os meus filhos, atempadamente disseram-mo. Cometi a asneira de as manter. Sempre deu para poupar na mercearia, ou no hipermercado. Quero vender as terras para desta forma ajudar os meus filhos e netos a terem uma vida melhor. Estou a ficar cansado e queria ficar somente com a pequena horta lá da casa. Chega bem para mim e para a minha esposa. O problema é que o campo está inserido na Reserva Agrícola Nacional, o que é um disparate numa terra urbana como esta”. O engenheiro seguiu atentamente, sem ousar interrompe-lo. “Estive-me a informar acerca de como alterar estas leis. Existe um regulamento de urbanismo, chama-se PDM, como deve saber. Pois, esse regulamento teria que ser alterado e aprovado pela autarquia. Depois é enviado para Lisboa, para o Governo por sua vez, o aprovar. Tudo isto demora anos. Vai ser a minha longa ocupação, nos próximos tempos“. O cigarro acabava, mas o monólogo prosseguia. “Bem sei que não passo de um operário sexagenário, com poucos estudos, no entanto, convencendo o Presidente da Câmara do erro cometido no passado, é possível conseguir alguma mudança. Onde é que já se viu numa cidade moderna, manter uma zona agrícola, quando já ninguém cultiva? É um absurdo! Que vantagens trouxe para a cidade? Algum bem estar? Nada disso. Manteve-se isto verde, é certo. Não se pode construir é a única conclusão...”
A narrativa é aqui interrompida, por se duvidar da autoria do transcrito. Apesar de atribuir todas estas frases ao emissor, parece-me que o receptor as assimilou e transmitiu por suas próprias palavras, acrescentando um ponto, como qualquer contador.
Ao autor mais do que esclarecer este assunto com os leitores, gostaria, se lhe é permitido, de evidenciar a sua disponibilidade para ajudar o nosso operário, pré – reformado (fictício é claro), em qualquer acção por ele desencadeada no sentido de alterar o Plano Director Municipal, atrás apresentado pela sigla PDM. Claro está, caso sejam verdadeiras as afirmações proferidas e desde que a tão desejada modernidade da cidade seja conseguida.

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Extinção da Junta de Freguesia

No passado fim de semana, um jornal nacional destacava na primeira página a intenção do Governo de fundir Juntas de Freguesia. No texto, que tinha como base informações concedidas pelo Secretário de Estado adjunto para a Administração Local, Eduardo Cabrita, era explicado que a Lei-Quadro de Criação de Autarquias Locais, passará a chamar-se Lei-Quadro de Criação, Fusão e Extinção de Autarquias Locais.
Um assunto que é do interesse local, pois há muito tempo S. João da Madeira reclama uma redefinição do limite geográfico do município.
Pelo artigo percebemos que a estratégia inicial do actual governo é fundir freguesias. Inicialmente, o processo incidirá nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, tendo como objectivo melhorar a actividade administrativa, procurando-se correspondência na “qualidade do serviço público". Numa segunda fase, será definida a diferenciação de competências entre freguesias. No exemplo dado pelo governante ficamos a saber que “São Bento de Ana Loura [Estremoz] tem 38 eleitores recenseados”. Obviamente que a respectiva junta de freguesia não pode ter as mesmas competências que uma inserida num contexto mais populacional. Esperava-se assim que o exemplo servisse para demonstrar uma freguesia a extinguir. Mas não. Prudente, o Governo pretende “pôr em marcha a fusão de freguesias com dimensões mínimas”. A noção de “dimensão” é curiosa. A populacional é uma nova.
Desta forma, passamos ao tema que nos interessa, o anúncio que não será extinto nenhum concelho. "Não está a ser estudada a extinção dos concelhos", afirmou o secretário de Estado. “O que está a ser estudado é a extinção de freguesias cuja circunscrição corresponda à do município”. Assim, ficamos a saber que a junta de freguesia de S. João da Madeira, de São Brás de Alportel, de Alpiarça e de Barrancos têm os dias contados. Ou seja, estes concelhos de freguesia única vão passar a ser concelhos de nenhuma freguesia. O conjunto vazio, como se estuda na matemática.
Poderá o Governo estar correcto, evitando-se a atribuição de competências às juntas de freguesia, que podem muito bem ser exercidas pelas respectivas Câmaras Municipais. Poderia o Governo ir mais longe, ser mais ambicioso e reduzir o número de concelhos drasticamente. Reformular concelhos desertificados, criar e ampliar outros mais populacionais. Sinceramente penso que não o fará.
Não querendo ser pretensioso, nem muito menos “guardião do templo” veja-se os dados dos concelhos de freguesia única, atrás mencionados, segundo o CENSOS 2001: 21.102 habitantes para 8,2 kms2 em S. João da Madeira, 7.500 para 150,1 kms2 em São Brás de Alportel, 1.924 para 150,1 kms2 em Barrancos e 8024 para 96,5 kms2 para Alpiarça. A densidade populacional de S. João da Madeira (2646 habitantes / km2) é de longe superior à dos restantes municípios. Se analisarmos no contexto da Área Metropolitana do Porto, este valor é superior à média dos concelhos envolvidos (1531), ficando apenas atrás de Porto (6300) e Matosinhos (2698).
Extinguir uma freguesia, inserida em contexto urbano e com uma densidade populacional tão elevada, é um erro. Haverá certamente alguma confusão na apreciação da realidade deste concelho.
A fusão com outras freguesias vizinhas poderá ser o caminho correcto a reivindicar, até porque numa primeira fase será esta a acção no contexto das Áreas Metropolitanas, onde S. João da Madeira atempadamente se colocou.
Os próximos tempos, parece-me, serão conturbados para o Piso Zero do Fórum Municipal.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Manto Branco

Os preparativos foram rápidos. A roupa já era quentinha, foi só enfiar um bom casaco de agasalho, um gorro, o cachecol, uma luvas e as inevitáveis galochas preparadas para o frio. O pai prometera uma viagem à neve, ali perto de casa, na Serra. Assim, quando a mãe chegou para o almoço, o programa para a tarde já estava traçado. “Vamos ver a neve!”, “Está tanto frio! Onde?”, “ À Serra da Freita” sem uma letra trocada e com grande convicção.
O dia amanhecera sem nuvens, gelado. Na hora de almoço o céu encobria e tornava-se cinzento, com um tom bonito. O pai disse que já nevava na Serra e a expectativa aumentou. O caminho era sinuoso e o conforto do carro levou ao sono. A voz do pai anunciando a descida de temperatura serviu para embalar. Ainda ouviram zero e menos qualquer coisa, mas aos olhos tudo aparecia cinza, verde e castanho. Mais valia ficarem fechados.
O pai escolhera o trajecto no qual lhes tinha mostrado neve pela primeira vez. No parque de Campismo junto ao Merujal, rumar à esquerda e apanhar a estrada para uma aldeia que tinha o nome dos pastores de cabras, Cabreiros. No cimo da serra, antes de cortar para a estrada da aldeia, apareciam umas gigantes ”ventoinhas”. Estava nevoeiro e não era possível perspectivar a quantidade de torres, com as respectivas pás, que iam aparecer à frente dos olhos. Ora do lado esquerdo, ora à direita, um pouco afastadas, mesmo ali ao lado, umas mais baixas, outras enormes. O forte vento da encosta da serra jamais será desperdiçado. Aquela paisagem ficará para sempre ventilada. Mas, parafraseando o poeta, “primeiro estranha-se, depois entranha-se”.
O frio era intenso, mas neve nem vê-la. Nem no horizonte, olhando para S. Macário, onde apareciam mais uns aerogeradores (que é o nome correcto das ventoinhas) e foram elas que acalmaram o choro da Luisinha, que escolhera acordar ali. Chegados a Cabreiros a desilusão aumentava, nem uma ponta da fofa neve.
Aqui não se vê ninguém, só no final da jorna é que o café da esquina recebe gente, aquecendo a garganta e derretendo o fígado, “o cálice da cirrose”, como diria Lobo Antunes.
O pai opta por seguir pela estrada em direcção ao outro parque de campismo. Mal desfez a curva, exclamou “está a nevar!”. Flocos minúsculos a baterem no vidro do carro. Certinha. À medida que o carro foi subindo, os flocos engrossavam.. Os animais recolhiam. Primeiros as vacas, longe da transumância. Depois as ovelhas, uma delas negra, já com o dorso todo branco e por fim, as cabras. “Quero ver porcos!” disse a Luisinha, sempre fascinada pelo cor-de-rosa, como se estivesse numa quinta ou em qualquer página virtual, com opção de escolha. O que se viu foram uns corajosos ciclistas, com carro de apoio, é certo, fazendo lembrar uma caminhada dos pais dali até à mina Chã, com a neve pelas costas.
Rumámos a Manhouce pela Coelheira, aldeia rodeada de “gigantes”, sempre com a neve a cair. A vegetação rasteira já começa a aparecer branca. O alcatrão ainda se desvia para Vilarinho, deixando em terra batida uma curiosa picada feita em tempos idos, em sentido contrário, num carro citadino. Um dos residentes certamente agradaria a Torga, ao explicar-me a eleição, pelos pastores, do javali como animal selvagem daqueles lugares, por não temerem e expulsarem os lobos, o que de certa forma protegia os rebanhos. Não sabia ao certo o que eram, mas indicou-nos o lugar de umas antas, já submersas nas raízes de pinheiros, o que me fez entender a “revolta” do escritor transmontano, falecido uns anos antes.
De volta à realidade, com a voz acordada e entusiasmada do Manel a perguntar pela neve, chegámos à aldeia da dinâmica professora, que com a pronuncia do Norte deu alento ao interior serrano. A tradição ficou nos teres, haveres e nos nomes das casas, pois um reclame em tons de azul e laranja e o neon do Dancing, demonstram que o progresso já por aqui passou.
A neve aqui é menos intensa, pequenos flocos novamente. Pequena foi também a paragem para sentir o frio na cara. É tempo de subir novamente à Freita, para ver o manto branco. A nuvem está parada no cimo da serra. Só a estrada é que não ficou branca, por agora. As placas começam a ficar sem letras, o alcatrão ainda resiste. Bons tempos os da terra batida, com o Rali a aquecer a noite e os pilotos Finlandeses a pedirem neve, para tentar vencer os Lancia.
Das pedras parideiras até Albergaria, todo o percurso tem neve. É tempo de parar e desfrutar. “Este tempo cura”. Um ou outro mais urbano, como nós, felicita-se pela opção serrana, daquela tarde de sábado, sai do carro e grita. A neve cai e cobre os telhados coloridos de Albergaria, a das Cabras. As margens do rio estão lindas, vazias, sem lixo à vista que deve ter ficado por baixo da neve. Não adianta espreitar a frecha, pois a nuvem não deixa. Será que nevava quando Aquilino descreveu no Volfrâmio a queda por descuido dos pendurados garimpeiros, ao cortar com a picareta a corda que os sustentava?
Fechar a volta. Neve e mais neve, a noite não tarda a chegar. O dia seguinte vai ser encantador e concorrido. “Pai, amanhã vimos outra vez”. Não fomos. Outros interesses, leia-se compromissos.
Todo o sul do país acordou com neve.
Afinal enganei-me.
Devíamos ter ido esperar a neve à praia.

terça-feira, janeiro 24, 2006

Outdoors Obsoletos

Quem entra na cidade pelo IC2, vindo do Norte, depara-se com um out-door de divulgação municipal, terrível para a cidade. Simplesmente anuncia o Piquenique de 18 de Setembro de 2005. Os mais atentos verificam que, já no passado recente, alguns eventos como as jornadas do UEFA futsal de há dois anos e a chegada da Volta a Portugal em Ciclismo de 2003 foram anunciadas durante vários meses, após se terem realizado.
Esta tendência revela algum marasmo sazonal na promoção de eventos, o que é grave. Sabe-se que a partir desta data, o Carnaval das Escolas, o Dia da Poesia, a Semana da Juventude, a Festa do Parque, a festa do Jardim, o S. João da Ponte e mais alguma organização de Verão irão suceder-se na divulgação. Depois chegará o Outono e lá ficará mais um out-door, ao tempo, anunciando o que aconteceu há meses. Tudo isto poderia ser evitado, colocando a branco (ou a negro) o referido espaço. Penso ser preferível nada informar, do que anunciar organizações passadas e portanto, obsoletas. No entanto, a solução mais cómoda é a praticada em S. João da Madeira.
A inauguração dos Paços da Cultura antevia uma mudança na programação Cultural da Cidade. Passados 7 meses verificamos o contrário. Apesar de uma série de eventos já promovidos, segundo a crítica e as crónicas, com qualidade e alguma adesão, esperava-se uma dinâmica diferente. Pelo menos, que conseguisse alterar os hábitos culturais da cidade. O desejado seria garantir a assiduidade do público nos eventos, organizando-se para isso, regularmente, actividades que proporcionassem vontade de trocar o lar pelo auditório dos referidos Paços.
A programação cultural é segundo vários entendidos, composta por três vertentes: divulgação, acolhimento e espectáculo. Se a primeira e última são de fácil compreensão, convém explicar que por acolhimento se entende a recepção, a qualidade e o conforto da sala que acolherá o espectáculo. O facto de existir em SJM um novo auditório, não evita que se esteja atento às restantes componentes da programação. Falhando a divulgação, faltará público e perderá o espectáculo. É tempo de alterar este estado de coisas. Promover concertos, bailados, peças de teatro ocasionais em actos isolados já não se usa. Para um auditório com capacidade para 200 pessoas é necessário uma programação especial, sobretudo enquadrada e em sucessivas datas, de forma a que o conjunto criado seja forte e apetecível para o público. Aqui a divulgação poderá tomar várias formas, podendo-se publicitar em out-doors, tanto ao gosto dos políticos e das autarquias.
Nos Paços da Cultura o que realmente se verifica é estranho. Existe algum desnorte na programação. No inicio do presente mês foi distribuída a Agenda Municipal de Actividades. Para o dia 20 de Janeiro, sexta-feira passada, não era mencionado qualquer evento, para os Paços da Cultura. Passado quinze dias, em cima do acontecimento surge a divulgação do espectáculo “Encores”.
A ideia que se transmite é que a programação daquele espaço é feita a curto prazo, não parecendo haver uma orientação estratégica, o que dificulta a divulgação de eventos e também a fidelização da assistência. Até porque tendo um público fiel e interessado pode-se divulgar atempadamente, toda a programação através de e-mail, o que hoje em dia é perfeitamente habitual nos modernos espaços culturais.
É necessário impor mais energia na programação cultural, procurando organizar interessantes e apelativos eventos de forma a atrair público à Cidade. Só com esta dinâmica é que o desafio da Casa das Artes e do Espectáculo, que é afirmar e promover culturalmente SJM, será atingido. Caso contrário, estaremos a hipotecar o futuro na construção de um “elefante branco”.