terça-feira, fevereiro 14, 2006

Extinção da Junta de Freguesia

No passado fim de semana, um jornal nacional destacava na primeira página a intenção do Governo de fundir Juntas de Freguesia. No texto, que tinha como base informações concedidas pelo Secretário de Estado adjunto para a Administração Local, Eduardo Cabrita, era explicado que a Lei-Quadro de Criação de Autarquias Locais, passará a chamar-se Lei-Quadro de Criação, Fusão e Extinção de Autarquias Locais.
Um assunto que é do interesse local, pois há muito tempo S. João da Madeira reclama uma redefinição do limite geográfico do município.
Pelo artigo percebemos que a estratégia inicial do actual governo é fundir freguesias. Inicialmente, o processo incidirá nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, tendo como objectivo melhorar a actividade administrativa, procurando-se correspondência na “qualidade do serviço público". Numa segunda fase, será definida a diferenciação de competências entre freguesias. No exemplo dado pelo governante ficamos a saber que “São Bento de Ana Loura [Estremoz] tem 38 eleitores recenseados”. Obviamente que a respectiva junta de freguesia não pode ter as mesmas competências que uma inserida num contexto mais populacional. Esperava-se assim que o exemplo servisse para demonstrar uma freguesia a extinguir. Mas não. Prudente, o Governo pretende “pôr em marcha a fusão de freguesias com dimensões mínimas”. A noção de “dimensão” é curiosa. A populacional é uma nova.
Desta forma, passamos ao tema que nos interessa, o anúncio que não será extinto nenhum concelho. "Não está a ser estudada a extinção dos concelhos", afirmou o secretário de Estado. “O que está a ser estudado é a extinção de freguesias cuja circunscrição corresponda à do município”. Assim, ficamos a saber que a junta de freguesia de S. João da Madeira, de São Brás de Alportel, de Alpiarça e de Barrancos têm os dias contados. Ou seja, estes concelhos de freguesia única vão passar a ser concelhos de nenhuma freguesia. O conjunto vazio, como se estuda na matemática.
Poderá o Governo estar correcto, evitando-se a atribuição de competências às juntas de freguesia, que podem muito bem ser exercidas pelas respectivas Câmaras Municipais. Poderia o Governo ir mais longe, ser mais ambicioso e reduzir o número de concelhos drasticamente. Reformular concelhos desertificados, criar e ampliar outros mais populacionais. Sinceramente penso que não o fará.
Não querendo ser pretensioso, nem muito menos “guardião do templo” veja-se os dados dos concelhos de freguesia única, atrás mencionados, segundo o CENSOS 2001: 21.102 habitantes para 8,2 kms2 em S. João da Madeira, 7.500 para 150,1 kms2 em São Brás de Alportel, 1.924 para 150,1 kms2 em Barrancos e 8024 para 96,5 kms2 para Alpiarça. A densidade populacional de S. João da Madeira (2646 habitantes / km2) é de longe superior à dos restantes municípios. Se analisarmos no contexto da Área Metropolitana do Porto, este valor é superior à média dos concelhos envolvidos (1531), ficando apenas atrás de Porto (6300) e Matosinhos (2698).
Extinguir uma freguesia, inserida em contexto urbano e com uma densidade populacional tão elevada, é um erro. Haverá certamente alguma confusão na apreciação da realidade deste concelho.
A fusão com outras freguesias vizinhas poderá ser o caminho correcto a reivindicar, até porque numa primeira fase será esta a acção no contexto das Áreas Metropolitanas, onde S. João da Madeira atempadamente se colocou.
Os próximos tempos, parece-me, serão conturbados para o Piso Zero do Fórum Municipal.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Manto Branco

Os preparativos foram rápidos. A roupa já era quentinha, foi só enfiar um bom casaco de agasalho, um gorro, o cachecol, uma luvas e as inevitáveis galochas preparadas para o frio. O pai prometera uma viagem à neve, ali perto de casa, na Serra. Assim, quando a mãe chegou para o almoço, o programa para a tarde já estava traçado. “Vamos ver a neve!”, “Está tanto frio! Onde?”, “ À Serra da Freita” sem uma letra trocada e com grande convicção.
O dia amanhecera sem nuvens, gelado. Na hora de almoço o céu encobria e tornava-se cinzento, com um tom bonito. O pai disse que já nevava na Serra e a expectativa aumentou. O caminho era sinuoso e o conforto do carro levou ao sono. A voz do pai anunciando a descida de temperatura serviu para embalar. Ainda ouviram zero e menos qualquer coisa, mas aos olhos tudo aparecia cinza, verde e castanho. Mais valia ficarem fechados.
O pai escolhera o trajecto no qual lhes tinha mostrado neve pela primeira vez. No parque de Campismo junto ao Merujal, rumar à esquerda e apanhar a estrada para uma aldeia que tinha o nome dos pastores de cabras, Cabreiros. No cimo da serra, antes de cortar para a estrada da aldeia, apareciam umas gigantes ”ventoinhas”. Estava nevoeiro e não era possível perspectivar a quantidade de torres, com as respectivas pás, que iam aparecer à frente dos olhos. Ora do lado esquerdo, ora à direita, um pouco afastadas, mesmo ali ao lado, umas mais baixas, outras enormes. O forte vento da encosta da serra jamais será desperdiçado. Aquela paisagem ficará para sempre ventilada. Mas, parafraseando o poeta, “primeiro estranha-se, depois entranha-se”.
O frio era intenso, mas neve nem vê-la. Nem no horizonte, olhando para S. Macário, onde apareciam mais uns aerogeradores (que é o nome correcto das ventoinhas) e foram elas que acalmaram o choro da Luisinha, que escolhera acordar ali. Chegados a Cabreiros a desilusão aumentava, nem uma ponta da fofa neve.
Aqui não se vê ninguém, só no final da jorna é que o café da esquina recebe gente, aquecendo a garganta e derretendo o fígado, “o cálice da cirrose”, como diria Lobo Antunes.
O pai opta por seguir pela estrada em direcção ao outro parque de campismo. Mal desfez a curva, exclamou “está a nevar!”. Flocos minúsculos a baterem no vidro do carro. Certinha. À medida que o carro foi subindo, os flocos engrossavam.. Os animais recolhiam. Primeiros as vacas, longe da transumância. Depois as ovelhas, uma delas negra, já com o dorso todo branco e por fim, as cabras. “Quero ver porcos!” disse a Luisinha, sempre fascinada pelo cor-de-rosa, como se estivesse numa quinta ou em qualquer página virtual, com opção de escolha. O que se viu foram uns corajosos ciclistas, com carro de apoio, é certo, fazendo lembrar uma caminhada dos pais dali até à mina Chã, com a neve pelas costas.
Rumámos a Manhouce pela Coelheira, aldeia rodeada de “gigantes”, sempre com a neve a cair. A vegetação rasteira já começa a aparecer branca. O alcatrão ainda se desvia para Vilarinho, deixando em terra batida uma curiosa picada feita em tempos idos, em sentido contrário, num carro citadino. Um dos residentes certamente agradaria a Torga, ao explicar-me a eleição, pelos pastores, do javali como animal selvagem daqueles lugares, por não temerem e expulsarem os lobos, o que de certa forma protegia os rebanhos. Não sabia ao certo o que eram, mas indicou-nos o lugar de umas antas, já submersas nas raízes de pinheiros, o que me fez entender a “revolta” do escritor transmontano, falecido uns anos antes.
De volta à realidade, com a voz acordada e entusiasmada do Manel a perguntar pela neve, chegámos à aldeia da dinâmica professora, que com a pronuncia do Norte deu alento ao interior serrano. A tradição ficou nos teres, haveres e nos nomes das casas, pois um reclame em tons de azul e laranja e o neon do Dancing, demonstram que o progresso já por aqui passou.
A neve aqui é menos intensa, pequenos flocos novamente. Pequena foi também a paragem para sentir o frio na cara. É tempo de subir novamente à Freita, para ver o manto branco. A nuvem está parada no cimo da serra. Só a estrada é que não ficou branca, por agora. As placas começam a ficar sem letras, o alcatrão ainda resiste. Bons tempos os da terra batida, com o Rali a aquecer a noite e os pilotos Finlandeses a pedirem neve, para tentar vencer os Lancia.
Das pedras parideiras até Albergaria, todo o percurso tem neve. É tempo de parar e desfrutar. “Este tempo cura”. Um ou outro mais urbano, como nós, felicita-se pela opção serrana, daquela tarde de sábado, sai do carro e grita. A neve cai e cobre os telhados coloridos de Albergaria, a das Cabras. As margens do rio estão lindas, vazias, sem lixo à vista que deve ter ficado por baixo da neve. Não adianta espreitar a frecha, pois a nuvem não deixa. Será que nevava quando Aquilino descreveu no Volfrâmio a queda por descuido dos pendurados garimpeiros, ao cortar com a picareta a corda que os sustentava?
Fechar a volta. Neve e mais neve, a noite não tarda a chegar. O dia seguinte vai ser encantador e concorrido. “Pai, amanhã vimos outra vez”. Não fomos. Outros interesses, leia-se compromissos.
Todo o sul do país acordou com neve.
Afinal enganei-me.
Devíamos ter ido esperar a neve à praia.