terça-feira, julho 25, 2006

Chapéus na Praça

A vida na povoação circulava à volta do centro. A estrada nacional cortava-o em dois. No seu eixo, um polícia sinaleiro ordenava efusivamente o trânsito. Mandava parar os automóveis e demais trânsito da via principal, dava sinal aos das restantes ruas para avançar e pelo meio, tinha tempo para permitir o atravessamento pelos peões. Se fossem crianças em tempo escolar, colocava um sorriso simpático e tinha até uma palavra amiga. Depois, os carros forasteiros retomavam de novo a marcha e seguiam a caminho do Norte ou do Sul. Nesta vila, os táxis paravam no centro, numa meia-lua adequadamente utilizada para o efeito. Atrás, paravam os autocarros, junto a uma confeitaria. As carreiras que seguiam para as freguesias vizinhas, ou para o Porto. À frente, do outro lado da rua, um edifício já degradado albergava no rés de chão um par de cafés, um salão de jogos com um nome vanguardista e por cima tinha as inscrições de “Pensão”.
O progresso trouxe os semáforos, uma sequência deles. Retirou os autocarros um pouco mais para baixo, para junto do Cinema. O trânsito continuava imenso. Por detrás da decadente construção, anunciava-se um novo e moderno edifício, enorme, como resultado da evolução que a povoação tinha sofrido. Um centro comercial, bem no centro, com uma série de equipamentos que nunca viriam a funcionar. Entretanto, a necessidade de reduzir o tempo de viagem entre as principais cidades do país, obrigava a rasgar novas estradas, variantes às localidades mais problemáticas em termos de tráfego.
Da Praça saía o principal trânsito. Para longe, parecia. O centro ficava apenas com o trânsito local. Ainda ali estavam os táxis, os semáforos, os demais edifícios e começava a aparecer o gigante edifício. A vila entretanto passara a cidade. O edil local de então optou por transformar o centro numa zona pedonal. Seguiram-se obras na Praça e nalgumas ruas adjacentes, retirando-se os velhos paralelos de granito e o alcatrão das vias principais. Em seu lugar surgiram pedras de calçada, canteiros com flores e a própria iluminação era substituída por uns bizarros candeeiros de duas esferas. Os automóveis e os táxis foram retirados da zona pedonal, que agora se pretendia livre de trânsito. A meia lua e o seu arvoredo foram preservados.
O centro passava a ter no Verão uma intensidade de actividades culturais fora do normal para a região. Concertos e mais concertos para todos os gostos, atraíam centenas de pessoas. As esplanadas inicialmente montadas e lotadas apenas no Verão, permaneciam ao longo de todo o ano, como as folhas perenes.
Rapidamente, o novo estado da Praça era bem assimilado por todos. Não só a Praça como as artérias adjacentes passaram, ao longo destes últimos vinte anos, a ser um local de encontro dos habitantes da cidade. Antes dos telemóveis, dos pc’s portáteis com wi-fi, as pessoas deslocavam-se à Praça, sem encontro marcado com alguém em particular, sabendo que iriam encontrar pessoas das suas relações.
Com o passar do tempo a programação de Verão deixou de ser novidade, perdeu qualidade, as esplanadas foram ficando vazias e as noites no centro perderam interesse. O mesmo aconteceu de dia, devido ao encerramento de lojas de comércio, cafés e restaurantes, balcões de instituições bancárias e seguradoras, entre outras. O parque habitacional envelhecia, não se renovando face a novas e apelativas habitações que se iam construindo em outras zonas da cidade.
Para agravar a situação, uma remodelação da zona central mal concebida, com a incompreensível transformação de mais ruas em zona pedonal, a colocação de umas coberturas de vidro no centro das vias, que além do duvidoso aspecto estético, não serviam para o efeito pretendido, retirando-se arvores e demais vegetação do centro, permitiu chegar-se ao estado a que hoje se encontra a Praça Luís Ribeiro.
Longe da ribalta, como o demonstram os comerciantes ouvidos a propósito da anunciada nova remodelação. Os problemas por eles levantados como a insegurança, o tráfico de droga, o novo centro comercial, etc. não serão resolvidos pelas anunciadas obras, de retirada de chapéus e abertura ao trânsito de algumas artérias.
É urgente atrair de novo as pessoas ao centro. Sem carros, de preferência. Sem se cair no exagero de abrir muitas ruas ao trânsito, cometendo-se um erro igual ao efectuado no passado quando se fecharam ruas em demasia. Um meio termo.
Como está não pode ficar. Ao ler os depoimentos de vários munícipes verifico que a questão está bem analisada, é preciso mudar. As sugestões parecem-me exactas: com regulamentos de carga e descarga adequados e bem divulgados, para os comerciantes informarem os seus fornecedores; sem chapéus de ferro que não permitem vislumbrar a totalidade de uma rua; com garantia de segurança. Ao que acrescento: com vontade de atrair novos comerciantes para o centro, incentivando-os a procurar as áreas disponíveis; promovendo actividades atractivas em horários complementares aos do comércio e serviços; criando espaços públicos para usufruto das famílias; com mais iluminação nocturna, de preferência, de cima para baixo.
Este é o momento para recordar que a última remodelação da zona pedonal, foi o ponto da viragem política do município. Se no final, se verificar que as obras programadas e efectuadas serviram apenas para aproximar carros de algumas artérias, continuando-se com a anarquia generalizada, na qual se inclui o estacionamento desordenado, os munícipes ficarão de novo desiludidos. O desafio é grande.

terça-feira, julho 18, 2006

Escrita Irregular

1. Os dedos carregam nas teclas, decididos a formar palavras. No écran surgem frases, de linguagem simples e objectiva, sem grande valor literário. Temas diversos, títulos ousados, textos englobados nas páginas editadas pelo jornal. A escrita como acto social é preparada e executada na solidão. Pode não ser totalmente mas, os avanços, os recuos, os bloqueios ao longo da realização de um texto, mesmo a auto correcção, são momentos passados em isolamento, aguardando-se com a devida expectativa qual será a recepção.
A opinião, irregular e ocasionalmente. Um exercício de escrita a que me propus voluntariamente e sem encomenda, não colocando grande esperança na sua continuidade. Alguma aceitação e um forte incentivo caseiro, fizeram-me discorrer por vários assuntos, visando é certo algumas das opções estratégicas da política local. Ideias próprias expostas, que, por certo, coincidem e sintetizam a opinião de muitos outros.
Crónicas, cujo resultado físico - após a sua primeira leitura - atinge um novo estatuto, reutilizando-se como rascunho para novos textos, apontamentos futuros. As mais resistentes, nem sempre as mais antigas, por outro lado, são cortadas em rectângulos de papel, formando-se pequenos blocos, onde agora se escrevem os recados domésticos, pendurados no frigorífico. Palavras soltas, com as ideias partilhadas e expostas aos leitores.
Ao verificar que na última Ficha Técnica deste jornal, o meu nome surgia como colaborador, senti o peso da responsabilidade. Ao fim praticamente de um ano de escrita, com mais de duas dezenas textos de publicados, o Jornal Labor entendeu considerar-me seu colaborador. Um reconhecimento que muito prezo e que espero não defraudar.
Independentemente do tratamento futuro em termos de paginação, continuarei por estas páginas com a escrita conciliadora ou mordaz, conforme a circunstância. Por princípio, sem entrar em ofensas pessoais e distante das pequenas questões do quotidiano.
2. Cowpyright é o nome de uma das vacas concorrente ao Cowparade Lisboa 2006. Teve o seu momento de fama por ter sido roubada, no inicio da exposição ao público, no Campo Pequeno. Apesar dessa projecção a Cowpyright não tem obtido votos suficientes para se destacar da restante manada. No dia em que escrevi estas linhas, tinha apenas dois votos, sendo um meu.
O autor do projecto, o conterrâneo Paulo Marcelo, nem deve sonhar que estou a apelar ao voto na sua vaca. Parece-me a atitude mais sensata, num claro apoio ao trabalho deste multi-facetado artista local. Basta aceder ao site, via portal Sapo e enviar um SMS, com o código da Cowpyright (024), para o número 4040.
Mais do que esperar uma votação maciça, apelo a que no final, a vaca contabilize votos suficientes para deixar o artista contente com a sua participação.

terça-feira, julho 11, 2006

Dizer não

Raimundo Silva ficou conhecido na literatura portuguesa pela introdução de um erro nas provas de um livro, negando a ajuda dos cruzados aos portugueses na conquista de Lisboa. O “não” voluntário do revisor de livros, alterou a frase, mudando a história com a simples força de uma negação. Assim o escreveu José Saramago, na sua “História do Cerco de Lisboa”.
Muitas vezes os revisores de texto num jornal, ao lerem algumas notícias ficam com um sentimento de ambiguidade. Devem verificar apenas o relato de acontecimentos, exercendo o seu o papel de revisor ou pelo contrário alterar o texto e o sucedido, de modo a que os factos fiquem com outra lógica e mais de acordo com a sua opinião pessoal.
Raimundo Silva caso fosse o revisor das páginas deste Jornal, ao ler o texto do jornalista a propósito da posição de abandono de um dos partidos da Assembleia Municipal, aquando da votação da moção final sobre a requalificação da linha do Vouga ficaria pensativo. Tornaria a ler. Exclamaria: “Isto não faz sentido”. Pegaria no texto e teria coragem para escrever que esse partido “Votou contra a moção, apesar dos apelos feitos pelo Presidente da Câmara Municipal”. O revisor de texto alteraria novamente a história. Na sua perspectiva fictícia, adiantaria que tal partido havia referido que apenas votaria favoravelmente a moção apresentada, caso o actual executivo retirasse o projecto do transporte tipo vai-e-vém. Como o Presidente quis fazer prevalecer a sua maioria, aos deputados municipais desse partido não restava outra solução, justificar-se-ia. Apesar de não lhe competir essa tarefa, Raimundo não estava descansado, o corpo da notícia não correspondia ao sub-título da primeira página do jornal. Recatadamente e sem alguém da redacção dar por isso, o revisor alterou-o para: “PS votou contra”.
Com a sensação de dever cumprido, Raimundo iria descansar e preparar-se para o dia seguinte, o da edição do Jornal. As justificações perante o Director do Jornal e o jornalista, autor do texto, iriam começar cedo. A contradição com a edição do outro semanário local, daria logo alarme e uma valente confusão.
No silêncio nocturno de uma cidade movimentada, pensou que o acto de rebeldia seria apreciado pelos leitores, poucos ou muitos, não interessava. A cidade ficaria dividida e talvez assim a tão desejada participação cívica fosse de novo uma realidade.
Estaria preparado, para enfrentar tudo e todos: os elementos do partido em causa, os dos restantes partidos, o Presidente da Assembleia e até os membros do Executivo, se fosse caso disso.
O problema era dele mas, Raimundo sabia como responder. Começaria por afirmar que há muito tempo tinha aprendido a dizer não. Enquanto adolescente soube muito cedo como era importante saber dizer não, até por necessidade de afirmação. Tinha lido que, hoje em dia, textos de gestão de empresas ensinam como é importante saber dizer não. Com fundamento, é certo. Nunca aprofundou a matéria, de tão envolvido nos textos dos outros.
As notícias que tinha corrigido sobre política local, davam-lhe preparação suficiente para argumentar politicamente com qualquer um. Um partido político pode colocar-se numa oposição construtiva, sem unanimidade em torno do programa eleitoral do vencedor de eleições. Indignava-o como tinha sido colocado o argumento da apresentação do projecto à Secretária de Estado dos Transportes. Para concluir, puxaria do “trunfo” sempre usado pelos políticos, da desilusão do eleitorado afecto à cor do partido em causa.
Antes de adormecer o telefone tocou. Era do Jornal. Engoliu em seco e logo se tranquilizou... um vírus tinha eliminado alguns ficheiros no computador da gráfica, seria necessário enviar novamente “provas”. O director estava a comandar as operações, pediam a sua ajuda para recompor toda a edição. Acedeu.
Pelo caminho, resignou-se. Não valia a pena tentar novamente. “Afinal”, pensou, “será preciso ajuda dos cruzados”.

quarta-feira, julho 05, 2006

Fases do Projecto

A ligação por auto – estrada entre S. João da Madeira e o Porto suscitou-me alguma curiosidade sobre a sua data de conclusão. As informações sucessivas sobre o seu estado aparentavam algo de errado. Primeiro o estudo do traçado e agora o de impacto ambiental, foram até hoje as fases anunciadas do projecto. Pelo meio ficou o silêncio sobre a divulgação das propostas do traçado final.
Desde sempre fiquei com a ideia de que esta auto – estrada terminaria em S. João da Madeira e tal como eu, a maioria dos seus habitantes, por certo pensam o mesmo. Com a ajuda de um motor de busca, procurei mais informação na internet, esperando encontrar o que por certo me tem escapado ao longo destes meses.
Em primeiro lugar apurei que a auto – estrada a construir dos Carvalhos para Sul terá a designação de A32. Inicialmente o seu traçado estava apenas previsto até Argoncilhe, no norte do concelho de Santa Maria da Feira. Em 2002, uma petição propondo a sua extensão até Arrifana foi entregue na Assembleia da República por cidadãos do concelho da Feira e elogiada por vários deputados do circulo de Aveiro. A ideia era criar uma variante à EN1 e desta forma descongestionar o trânsito que passa no centro de várias localidades, evitando a ocorrência de alguns acidentes com os seus cidadãos.
De S. João da Madeira veio a reclamação de alargar um pouco mais a extensão do traçado e dotar esta cidade com o nó de saída da A32. Factos do conhecimento da generalidade das pessoas, devido à informação até hoje recebida e assimilada.
Entretanto em 2005, apesar de ser anunciado que seria o ano de lançamento a concurso da A32, é iniciado o estudo do traçado. No presente ano, no dia 29 de Abril – um sábado, é anunciado num noticiário televisivo que o traçado da futura auto-estrada A32, será a ligação entre Coimbra e Porto. Onde encontrei esta informação, não especificava se apareceu em reportagem, se em rodapé informativo. Ao ler isto as minhas certezas transformaram-se em dúvidas. Porto – Coimbra, em traçado paralelo ao actual da A1, em parte como a A29 (Porto – Angeja), devia ser engano, certamente.
Mais umas horas de busca e a auto-estrada fica reduzida a Porto – Oliveira de Azeméis, com o anúncio do estudo de impacto ambiental, que está previsto terminar em Outubro do presente ano. No dia 11 de Maio, o Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas, Paulo Campos, anunciou em Arouca a propósito do lançamento a concurso da construção do troço Feira – Mansores da variante da EN 326, que seria construído um nó precisamente em Milheirós de Poiares, na confluência desta estrada com a A32, que segundo o governante seria entre Oliveira de Azeméis e Carvalhos.
Contudo, com o anúncio do traçado surgem as primeiras reclamações. No relato do JN de 12 de Junho, a A32 ligará Porto a Coimbra ou mais concretamente, Carvalhos a Souselas. Com as dúvidas desfeitas, li que a população de Milheirós de Poiares “manifestou publicamente o seu descontentamento em relação a um dos traçados previstos, que implicará a demolição de algumas habitações” e em Argoncilhe “alerta-se para a necessidade de se procederem a alguns reajustamentos, para evitar que o centro daquela freguesia fique prejudicado”, pois a A32 "vai passar mesmo no centro da freguesia", segundo o JN. Um túnel com 100 metros não é suficiente para “minimizar os impactos negativos que possam ser causados”, exigindo-se pelo menos uma extensão de 500 metros para o projectado túnel. Mais segundo o JN, “o presidente da Junta diz que tudo fará para que esta pretensão possa vir a ser uma realidade e aconselha os responsáveis pela construção da via a ouvirem as reivindicações das populações para que o processo decorra de forma serena".
Segundo mais um “resultado”, a população de Pindelo e Nogueira de Cravo, ambas do concelho de Oliveira de Azeméis também se pronunciou contra o traçado previsto da A32, no dia 23 de Junho.
Caso não haja mais contratempos, será desenvolvido o projecto da totalidade da obra e só então, será posta a concurso a empreitada, certamente por fases de sucessivos troços. No entanto, pelo exposto passados três meses do anúncio do traçado a contestação é já elevada, pelo que, a construção desta via rodoviária não será fácil: a Norte haverá problemas, logo no início do traçado; a sul de S. João da Madeira haverá complicações bem perto; e a nascente, no nó que, deduzo, servirá esta cidade, em Milheirós de Poiares, o processo não está à feição de se resolver.
A variante da EN326, Feira – Arouca, começou a ser pensada há mais de 16 anos. Está concluída entre Mansores e Arouca, faltando o troço do concelho da Feira. Segundo o autarca de Argoncilhe “nos últimos 20 anos ninguém podia construir nestas zonas", à espera do traçado final da A32. Sem desesperar é caso para perguntar, existe vontade de todos políticos locais para construir a A32? Valerá a pena esperar ou será melhor procurar o desenvolvimento da outra ligação à auto - estrada, via Ovar?