domingo, outubro 16, 2011

As botas de Pacheco

Em pequeno, às 16h45m de domingo descia à rua e averiguava os resultados da jornada futebolística. À porta da garagem LM, os funcionários informavam-me das principais novidades. Aproveitavam o momento, para tecer as suas considerações de adeptos antagónicos à minha simpatia clubista, com umas graçolas rápidas sobre os resultados. Entretanto, eu subia à Praça para verificar a chave do totobola. Completa, com todos os jogos terminados naquela hora. Procurava saber os autores dos golos e a seguir, divertia-me a ouvir a conversa frustrada dos apostadores, empunhando o transístor com antena ainda esticada: a justificação de menos resultados certos devido às surpresas da jornada (a antena abanava pouco); as previsões falhadas por um golo a terminar um dos encontros ou por um penalty defendido (a ponteira passava rente à cara do ouvinte); uma bola ao poste (era a minha favorita) e um treze a voar; ou um perdulário jogador, apelidado de nomes inarráveis, cujo inacreditável falhanço retirava as hipóteses de escrutínio aos mal afortunados apostadores (a oscilação da antena atingia frequência máxima).

Raramente encontrei naqueles duelos um totalista.

Regressava a casa com o resumo da jornada. À noite comprovava os tais momentos do jogo, visualizava as alterações na previsão fracassada dos apostadores e se os falhanços fossem mesmo disparatados, já tinha motivo para risota no dia seguinte.

Por essa época, como adepto coleccionava uns "frangos" do guarda-redes de serviço. Mal habituado com a eficácia do Nené, ou de outro marcador de serviço, esperava sempre que esse mau momento fosse ultrapassado.

Nem sempre aconteceu.

Numa final em dois actos, da antiga "taça Uefa", Diamantino remata para uma baliza sem guardião e a dois metros do objectivo, a bola bate na barra. Derrota e na segunda mão, não foi possível compensar o estrondo.

Quase trinta anos depois, os insucessos de jogadores vestidos de encarnado são banais.

A lista é exaustiva, apenas mais três exemplos. Sem cronologia, embora os apresente por ordem crescente de disparate.

Em Barcelona, Simão falha a oportunidade de empatar o jogo, estando isolado e a poucos minutos do final. Num jogo com o Espanhol, em cima da linha de golo, Nuno Gomes encostou-se à bola e nada. Numa final da antiga taça dos campeões Europeus, os jogadores do Benfica estrearam umas meias novas, defenderam bem, não sofreram golos, só que sempre que tentavam correr, as chuteiras saíam dos pés. A imagem de Pacheco descalço, a atirar desesperado as botas ao chão, ficou para a história.

A minha perspectiva de adepto permite-me ter sentido de humor para relatar estes factos.

Relativizo os maus resultados, demonstrando a ineficiência dos jogadores, ou por vezes, do homem da táctica. Tudo o resto é acessório.

Não consigo é compreender como é possível manter na televisão, a cansativa fórmula de análise da jornada com adeptos afectos aos vários clubes!? Em especial, na televisão pública, numa época de orçamento reduzido.

O nível de argumentação utilizada é francamente mau.

A apreciação da chave do totobola, à porta da tabacaria Glória, teria sido uma boa escola para os comentadores residentes. Sem esquecer, o complementar esgrimir de antenas.
(publicado dia 27/10/11)