quarta-feira, novembro 23, 2011

Prestar contas

Prestar Contas

                A ausência de reacções à provocação expressa pelo director do labor, acerca do abandono de funções do presidente da Câmara de S. João da Madeira para ingressar na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN), é curiosa.

Há alguns meses, neste jornal, Castro Almeida foi apresentado como possível candidato a autarca do concelho de Santa Maria da Feira. O silêncio sobre o assunto foi esclarecedor.

O limite do número de mandatos, imposto pela actual lei eleitoral, permite entrar-se em especulação sobre o futuro dos vários autarcas. Aceitando-se que a interpretação da nova lei, contrariando o jeito português, manterá o limite de mandatos dos presidentes das autarquias, haverá vários que pretendem conservar a sua actividade política em outros concelhos. É perfeitamente conhecida, a intenção do presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia em atravessar a margem do Douro, por exemplo. A tentação de copiar este figurino, provável vencedor, deve ser obsessão de várias concelhias dos partidos políticos.

  A outra variável política é a suspensão de mandato. Em Cascais e em Coimbra, os presidentes eleitos suspenderam funções, para darem oportunidade aos seus vereadores de “mostrarem” serviço e potenciarem-se como candidatos a autarcas nas respectivas eleições de 2013.

Estas tácticas políticas, ao serem equacionadas para S. João da Madeira, merecem da população uma resignação surpreendente. A suspensão de mandato é a única que pode merecer o meu comentário. O actual presidente da Câmara não o deve fazer. Pode mas, não deve. A lei permite. A ambição política de exercer um cargo de dimensão regional é tentadora, só que existe um balanço a apresentar aos seus actuais eleitores.

Neste momento a convulsão vivida na cidade, motivada por obras municipais, é elevada:

a)      Dois palacetes restaurados sem destino à vista. A Quinta do Rei da Farinha continua sem o seu inquilino e terminadas as obras para o Palacete dos Condes, sem surpresa, anunciou-se uma intenção, que poderá acarretar empréstimos elevados numa conjuntura nada favorável, para o possível ocupante.     

b)      A reabilitação do cineteatro imperador e da academia de música. Empreiteiros falidos, ou a caminho. Empreitadas canceladas e abertura de novos concursos. Os contratempos e respectivos atrasos nas obras a adiarem a inauguração. Além disso, é importante garantir a futura sustentabilidade do projecto da Casa das Artes e do Espectáculo, incluindo a Criatividade.

c)       A ampliação da incubadora de empresas, entregue a empreiteiro mencionado, com a solvência incerta.

d)      A nova piscina a precisar de financiamento em 2013. Ou na ausência deste, de um projecto realista.

e)      A Oliva CF a ser atraiçoada pelo seu co-criador. À espera do estudo de viabilidade económica ou do desastre completo?

Além destas obras municipais (deve haver mais), a preocupação com o futuro do hospital e da linha do Vouga, cujos encerramentos prejudicarão a qualidade de vida dos habitantes locais, não permite saídas airosas a quem quer que seja.

O sentido de responsabilidade vingará, estou certo.

 

(a publicar dia 24/11/11)

quarta-feira, novembro 16, 2011

Guarda-roupa

                Comecei por ler banda – desenhada na revista Tintim. Semanalmente, acompanhava as histórias publicadas, ao ritmo de duas páginas por edição e aguardava pacientemente pela semana seguinte. Com o desfecho de cada aventura, havia a incerteza de qual seria o herói a preencher aquelas páginas e a ocupar as horas de leitura. Este contacto intermitente, deu-me a conhecer a maioria dos autores e respectivos bonecos da banda-desenhada franco-belga.

                Os livros adquiridos, para a família, completavam a edição em revista. Às colecções por herói e muito posteriormente as de autor, só em adulto é que passei à aquisição. Vários são os títulos a preencher a estante, dedicada ao tema. Colecções completas, só as de Tintim, Corto Maltese e Calvin. A rendição ao miúdo das tiras dos jornais, não é o único sacrilégio cometido, contudo, não existe espaço em casa para "mangas" e "comics" (bandas desenhadas japonesas e norte-americanas, aqui mencionadas apenas para justificar o meu puritanismo em matéria de preferências).

                Na adaptação para animação das aventuras dos heróis europeus, o repórter belga ficou a ganhar. Fiel ao original, a emoção das vinhetas excedeu-se em acção, ritmo, suspense e claro, nos momentos de humor. A música da introdução e a apresentação do episódio em francês são marcas para os seguidores do Tintim.

                O filme de Steven Spielberg, num cinema perto de si, consegue criar um impacto positivo junto dos fãs do herói de BD. O juntar três livros – "O segredo do Licorne"; "O Tesouro de Rackham, o terrível"; "O caranguejo das tenazes de ouro" - numa só história está bem conseguido. A narrativa flui perfeitamente, apesar das três aventuras aparecerem baralhadas, sem respeitar a cronologia do autor, Hergé.

O argumento percorre em detalhe as páginas dos livros. O vilão do filme é o simples coleccionador de antiguidades, um personagem secundário. Os irmãos Pardal, os verdadeiros vilões no livro, aparecem retratados no início do filme, quando Tintim está a posar para um desenhador de rua. Outros pormenores, distinguidos por quem tem horas e horas de leitura da obra de Hergé, permitem apreciar a passagem subtil por outros dois álbuns. O jipe vermelho da perseguição nas ruas da cidade marroquina é o mesmo do livro "O País do Ouro Negro" e a corrida para chegar ao destino do navio "Karaboudjan" faz recordar o episódio de "A estrela Misteriosa". Existem ainda outras minúcias no argumento do filme: o nome da porteira – sinceramente não me recordava de alguma vez ter sido mencionado – e a opção de excluir o Professor Girassol, que em livro surgiu precisamente na procura do mencionado Tesouro.

                A técnica utilizada pelo realizador permitiu dotar os personagens com as suas melhores virtudes. Tintim apenas perde por não falar francês, conseguindo-se através da sua imagem cinematográfica ultrapassar aquele lado de escuteiro. A sua imaturidade, sempre apta para o desafio que a aventura lhe proporciona, está sempre presente em todo o filme.

                Onde se esperava um pouco mais do filme, era em matéria de guarda-roupa. A opção em dotar Tintim com a sua camisola azul-turquesa e a camisa branca por baixo, não é discutível. A gabardine de cor bege escuro, muito menos. Acontece que Hergé, sempre fez por variar a indumentária do seu personagem e nas histórias que o guião do filme segue, o pequeno repórter sempre apareceu com roupas diferentes. O minimalismo do filme, obriga Tintim em pleno deserto a carregar a sua camisola numa mão e praticamente a utilizar os mesmos sapatos em toda a aventura.

                Estas considerações não retiram qualquer mérito ao filme, antes pelo contrário. A sequela, obrigatória pelo final, permite que os aficionados calculem quais os livros a adaptar, os personagens a figurar, ficando-se a aguardar se Tintim continuará a manter junto de si, mesmos nas situações mais adversas, toda a sua roupa.

 

(a publicar dia 17/11/11)

terça-feira, novembro 08, 2011

As pontes do rio Uíma

Minho, Lima, Cávado, Ave, Douro, Vouga, Mondego, Tejo, Sado, Mira e Guadiana. Os principais rios de Portugal, caracterizados por desaguarem no Oceano Atlântico. Na instrução primária ou para cultura geral memorizava-se o nome destes onze cursos de água, apresentando-os pela sua disposição geográfica. Em matéria de nomes de rios, aprendia-se os principais afluentes do rio Douro, o Tâmega (e vá lá o Paiva) e dos afluentes do Tejo, restava o Zêzere.

Todos os outros eram desconsiderados.

Abria-se raras excepções: rio Leça, pelo aproveitamento portuário e rio Liz pela passagem pela cidade de Leiria. Os demais, jamais eram referenciados pelo comprimento ou distância entre margens, a bem dizer, apenas em épocas de forte precipitação, com o galgar do leito, inundavam os noticiários e as margens envolventes ganhavam importância, sobretudo, se havia estradas cortadas, com a água a atingir os tabuleiros das respectivas pontes. Nestes rios secundários, a maioria das ligações rodoviárias era estreita – previa-se sempre pouco tráfego - e sobretudo, curta, por tão reduzida ser a largura do curso de água. Era frequente atravessar-se pontes, sem se perceber que rio corria por baixo.

As necessidades eléctricas implicaram a construção de barragens. Em geral, os leitos dos rios principais alteraram-se, subindo a cota das águas. O conceito de passagem entre margens repensou-se. O aumento do trânsito rodoviário e os novos itinerários completaram a reformulação na configuração de pontes. Ainda assim, comedidas em comprimento e ajustada em largura.

Viajar, pelo país, passou a ser enriquecedor em termos geográficos, no meio do vão de qualquer ponte, uma indicação do nome desse rio, apesar de na maioria das vezes, não se deslumbrar qualquer água por baixo do tabuleiro.

Com a proliferação de auto-estradas, os conceitos de construção alteraram-se. Partindo para o exemplo concreto, na A41, a sul do Porto, entre Espinho e Crestuma surge a ponte sobre o Rio Uíma. Leia-se os dados técnicos: "uma extensão aproximada de 670 metros e é composta por dois tabuleiros paralelos que se estendem ao longo de 12 vãos de comprimentos diferentes, tendo o maior dos vãos uma distancia de 110 metros entre pilares. Os pilares mais altos têm uma altura de 42 metros aproximadamente (…)". Seguindo-se pela A41 para Norte atravessa-se o rio Douro, por uma ponte de características semelhantes – extensão 760 metros e altura de pilares 45 metros, que permite observar-se a central termo eléctrica da Tapada do Outeiro, sobranceira na margem norte.

Não duvide dos seus conhecimentos sobre os rios de Portugal. O rio Uíma nasce em Romariz e corre para norte, atravessando várias freguesias do concelho de Santa Maria da Feira e Vila Nova de Gaia até desaguar no rio Douro, junto a Crestuma, ou seja, perto de 20 quilómetros de extensão e poucos metros de largura ao longo do seu percurso.

Comparar o rio Uíma com o rio Douro é um exercício inútil. Só está ao alcance de alguns.

Na nova auto-estrada A32 surge um viaduto sobre o rio Uíma. Não consegui encontrar os dados técnicos dessa ponte. Empiricamente pareceu-me mais curta, embora, com altura de pilares excessiva, pois tal como na A41, não tive qualquer hipótese de espiar o rio.

No espaço de três quilómetros, duas pontes sobre o rio Uíma. Dois exemplos do exagero vivido em Portugal na última década. Auto-estradas de utilidade reduzida, construídas com custos excessivos e com poucos utilizadores.

É novidade?

Só para os distraídos.

(a publicar dia 10/11/11)