quarta-feira, janeiro 25, 2012

Funplex

                Um quarto de século tem esta Praça. Sem semáforos, nem passadeiras, nem alcatrão. E sem trânsito, só ocasionais automóveis e pessoas a circular, em ruas calçadas à portuguesa. Lojas, cargas e descargas, clientes, mais os esquecidos moradores fizeram o seu dia-a-dia.

Local de encontros diurnos.

E noturnos.

No espaço pedonal, sem consumo obrigatório, ou nas inúmeras cadeiras envolvendo as mesas das esplanadas. Sessões de horário alargado, com música de fundo. Colunas debitando sons para o momento. Diversão democrática. Para todos, eles e elas. Conversas, gritinhos e gargalhadas sobrepondo-se a tudo. As ruas animadas em frente a bares. E dentro destes, o ambiente igual.

Tem sido assim durante estes últimos vinte e cinco anos. Provavelmente, a noite é o único elemento diferenciador para a Praça. A partir de certa hora, não tem concorrência dentro da cidade.

Estes hábitos de convívio, descontraídos e de procura de diversão, alteraram o modo de estar dos cidadãos.  

Um dado relacionado e curioso é apreciar a notoriedade na sociedade portuguesa dos habitantes locais. Reduzida há vinte e cinco anos, limitava-se à enumeração de dois ou três jogadores de futebol. Hoje, tudo é diferente. Apresentadoras de televisão, jornalistas, estilista e músicos surgem como os mais destacados. Profissões ligadas a áreas de entretenimento, lazer, cultura e criatividade, demonstrando opções diferentes perante o mercado de trabalho. Uma coincidência geracional, podendo-se enquadrar, sem muito esforço, como consequência na alteração de mentalidades desenvolvida na sociedade local no último quarto de século.

Esta mudança, na visibilidade dos nossos cidadãos, ganha contornos distintos, ao mencionarmos uma nadadora como a desportista no ativo com melhores resultados. Além de ser uma prova inequívoca da igualdade de género, já implícita nas menções por profissão do parágrafo anterior, significa uma melhoria técnica no desporto praticado na cidade, o que é outro dado curioso em termos de evolução social. 

Regressando à Praça.

Não se fez nada para incentivar a fixação de população nas ruas centrais. Hoje há menos moradores no centro. A equação fica reduzida a partir daqui. Regresse à última linha do primeiro parágrafo. Coloque menos antes de todas as palavras aí encontradas. Menos população, menos clientes. Menos comércio. Menos serviços. Tudo menos.

O que sobra, a marginalidade.

                Curiosamente mais visível durante o dia, enquanto a Praça está meia vazia, do que durante a noite.

 

(a publicar no dia 26/01/2012)

terça-feira, janeiro 17, 2012

Ascarigo

                A História baseia-se em documentos. Complementa-se com monumentos e achados arqueológicos. Sem isto, apenas existem deduções hipotéticas, ou “fantasias”, acrescentavam os historiadores antigos.

                A equipa de José Mattoso, auxiliado por Luís Krus e Amélia Andrade, tem estudado a época medieval, procurando evidenciar a existência de sociedade civil, além dos senhores feudais e da poderosa igreja católica. Neste sentido, o papel desempenhado pelos vários Monarcas, em especial, D. Afonso Henriques, no desenvolvimento de centros populacionais tem sido objeto de variadas interpretações, encontrando-se nos documentos da época justificativas para esta arrojada tese.

                Este trabalho científico de partir da observação, para apurar, ordenar e aproximar factos, procurando tirar daí um nexo explicativo e construir um relato coerente, tem sido colocado em livro. Em vários.

                Ao descrever a “Terra de Santa Maria entre os séculos XI e XIII”, José Mattoso serve-se da toponímia local para sustentar as suas ideias. Desta forma exemplifica a expansão demográfica, com a existência de artesãos agrupados em aldeias e surge assim a justificação de nomes, aqui apresentados ainda sem orago: Marinha, Oleiros e Madeira. Este último é o que interessa expandir.

                As palavras do historiador são: “Contudo, a exploração do bosque não se esgotava no fornecimento de pastagens e matos. A madeira era, sem dúvida, o principal produto que deles se extraía, chegando a referenciar toponimicamente uma das freguesias da Terra de Santa Maria, a de S. João da Madeira. Para além da lenha utilizada na produção de energia, construíam-se com ela as habitações e um sem número de utensílios domésticos e rurais, dos quais os inquéritos régios do século XIII enfatizam as cubas destinadas ao armazenamento do vinho nos lagares régios (…)”. Esta ideia contraria a proveniência toponímica devido à forte existência de mato ou bosque, antecipando em vários séculos a instalação de indústrias em S. João da Madeira. Estará mais perto dessa arcaica ideia, ventilada durante anos, S. Miguel do Mato freguesia do concelho de Arouca.

                A origem de S. João da Madeira é anterior à nacionalidade. Em 1088 aparece mencionada num documento, segundo Arlindo de Sousa em “Toponímia Arqueológica de Entre Douro e Vouga” de 1961.

Em mais documentos dos séculos seguintes, é mencionada esta freguesia de Terras de Santa Maria. Um dos quais, Inquirições de 1251, no reinado de D. Afonso III, refere a existência de uma ponte terrenha em Ascarigo, aqui em S. João da Madeira. Um lugar cujo nome se perdeu com o tempo. “Asks” refere José Mattoso, remetendo para um estudo etimológico, é um prefixo bélico – heroico de origem germânica, significando lança de freixo. Uma possível forma de evolução de Ascarigo, seria Escarigo e ainda existem duas freguesias em Portugal com esse nome. Uma delas igualmente habitada no século XIII.

Por cá, o nome do lugar pode ter evoluído para qualquer um dos atuais, ou ter-se abreviado. A sua origem remete-nos para o século V a VIII, só que não existe qualquer documento a comprová-lo e afirmar isto, é uma hipotética fantasia.    

 

(a publicar dia 19/01/2012)