quarta-feira, maio 13, 2015

E porque não?

 

                A evolução dos argumentos, na discussão sobre o Hospital de S. João da Madeira, criou uma cisão ideológica em torno da pretensão da Santa Casa da Misericórdia, em recuperar a gestão daquele edifício.

                Para entender melhor todo o processo do Hospital, dediquei-me à leitura dos dois volumes dos “Subsídios para a História da Santa Casa da Misericórdia de S. João da Madeira”, magnificamente compilados por Manuel Pais Vieira Júnior, no final do século passado.

                Pelas suas páginas, consegue-se perceber a evolução da cidade, da Misericórdia, do Hospital local, além das políticas nacionais de Solidariedade Social e também as de Saúde.

                Compreende-se quem foi quem na história da localidade. A toponímia fica mais perceptível. Os nomes das ruas em dedicatória a pessoas beneméritas, ou a figuras gradas das instituições locais. Entende-se porque alguns têm busto alusivo e nome de rua, enquanto outros ficaram apenas por metade dessas homenagens, embora nem todos sejam constantemente recordados. Ou pelo menos, espontaneamente, precisando de memórias encomendadas.

                Os primeiros anos da história da Misericórdia são um hino à generosidade. Concentram-se na sua atividade a maioria dos ilustres sanjoanenses. As preocupações sociais dos irmãos beneméritos foram compartilhadas por João da Silva Correia. O escritor inspira-se na vida e obra de Durbalino Laranjeira, doador de terras e bens em testamento à Santa Casa da Misericórdia, para criar no seu livro “Unhas Negras”, o generoso personagem e igualmente farmacêutico – Camilo Palmeira.

                É com base no reconhecimento da ação desinteressada da Santa Casa da Misericórdia, que a população se une e os demais desafogados acedem à angariação de fundos para comparticipar na edificação do Hospital de S. João da Madeira, no edifício que hoje conhecemos. Para trás ficava o velho hospital, construído na Rua do Visconde, nos anos 20 do século passado e que com o evoluir da povoação, cedo se demonstrou ser exíguo para satisfazer as necessidades da então vila e as pequenas terras dos arredores.

                Mesmo com a vertente hospitalar, a Santa Casa continuou a dedicar-se ao apoio a idosos e a crianças menos afortunadas, tal como havia feito durante os demais anos, desde a sua fundação.

                Em 1974 surge o ano de viragem. O Hospital de S. João da Madeira é “estatizado” e o Estado Português, através de Maria de Lourdes Pintassilgo, aconselha a Santa Casa da Misericórdia a dedicar-se ao assistencialismo durante os anos seguintes, já que o processo de saúde estaria condenado a permanecer num impasse durante os anos seguintes.

                Sugestão aceite. A Santa Casa da Misericórdia voltou a edificar, reinstalando o Lar de idosos e o Centro infantil das Laranjeiras (o pronome devia ser masculino atendendo à referência ao benemérito Durbalino, atrás citado).

                Nos anos seguintes, isto é, na década de 80 e 90, o desenvolvimento da Santa Casa da Misericórdia é feito em parceria com vários Ministérios, incluindo o da Saúde. Aliás, é o próprio Estado que lhe propõe a gestão de algumas valências (IOS e Centro de Acolhimento de Menores). Ora, por todo este período, a instituição local nunca desistiu de recuperar a gestão do hospital. Procurou inclusivamente, recuperar a maternidade para S. João da Madeira. Nos anos difíceis do Hospital Distrital, com incapacidade de infra-estruturas para responder a todas as solicitações da população abrangida, a Santa Casa proponha-se a aumentar as instalações e fazia pressão sobre o Estado, para isso acontecer em tempo útil.

                Para contextualizar o processo do hospital, relato em seguida alguns dados dos últimos dezassete anos. No final da década de 90 é inaugurado o Hospital S. Sebastião em S. Maria da Feira. É necessário esperar-se por 2005 e pelo ministro Correia Campos para haver uma racionalização dos recursos nacionais de saúde, com resultados financeiros evidentes, embora com resistência de algumas autarquias de cor contrária. Entretanto, dentro da mesma lógica, desde 2011, o Estado tem procurado devolver às várias Santas Casas da Misericórdia, alguns dos Hospitais estatizados no passado. Dessa data até hoje, é encerrado o Serviço de Urgência do Hospital de S. João da Madeira, segundo o Governo atual por pouca procura de utentes.

                É neste contexto que surge uma petição pública, pedindo a reabertura do Serviço de Urgências no Hospital local. Sendo legítima, face aos acontecimentos desastrosos do último inverno, constata-se a pouca adesão da população local.

                Existe uma guerra de números, devido a outras igualmente pouco sucedidas, efetuadas no passado, que vou contornar.

                Na conjetura atual, ignorar as pretensões da Santa Casa da Misericórdia de S. João da Madeira é uma prova de ingratidão.

                É importante recordar que, ao longo dos anos, face às solicitações de assistencialismo da cidade e da região, muitas vezes, por pressão do próprio Estado, a Santa Casa da Misericórdia recrutou técnicos e pessoal competente para ser capaz de responder capazmente. Nada garante, a não ser suposições ideológicas, ou outros interesses obscuros, que essa competência não prevaleça. Sendo um parceiro de ação social reconhecido, é confrangedor verificar a clivagem em torno da sua pretensão, com mais de 40 anos, de recuperar a gestão do Hospital. 

Talvez por isso, a maioria dos sanjoanenses não assine as petições.

 

(a publicar no dia 14/05/15)