quarta-feira, março 29, 2017

Beber uma "dijssel-bock"

No rescaldo das eleições holandesas, realizadas no passado dia 15 de Março, importa relembrar dois factos:

a)      o empolamento do resultado eleitoral partido nacionalista;

b)      o apagamento do partido social democrata.

Analisemos o primeiro facto.

Já tinha acontecido nas eleições presidenciais Austríacas, nas quais a comunicação social praticamente só destacou o resultado do candidato do partido perdedor, relegando para segundo plano, o vencedor – Alexander Van der Bellen, afeto ao partido ecologista. De tal forma que passado três meses, mesmo depois das eleições Austríacas terem sido repetidas, tendo o resultado final confirmado o primeiro escrutínio, ainda surgem referências aos 44% dos votos do partido de extrema-direita, como se tivesse sido uma vitória eleitoral.

O mesmo aconteceu na Holanda.

Apesar de várias sondagens preverem um resultado favorável ao partido nacionalista (PVV liderado por Geert Wilders), mesmo com a interferência exacerbada da Turquia na campanha eleitoral, o vencedor foi o partido conservador (VVD), liderado pelo primeiro-ministro Mark Rutte. Na divulgação dos resultados na imprensa Portuguesa, em muitos casos, a imagem que acompanhava o texto era a fotografia de Geert Wilders. Estranho no mínimo, não é?

E apesar do PVV ter conseguido apenas 13% dos votos, tal como mais outros dois partidos, elegendo exatamente o mesmo número de deputados, foi-se analisar o resultado à décima, para divulgar que afinal este partido tinha ficado em segundo. A coligação governamental ainda não está formada, havendo apenas uma certeza, o PVV não será governo, pois todos os outros partidos declararam-se indisponíveis para fazer acordos com o partido nacionalista.

O efeito prático do empolamento dos resultados eleitorais na Europa central não é claro. Não se percebe se o objetivo é minimizar o populismo para eleições em países como a França ou a Alemanha, ou se pelo contrário, a intenção é enaltecer o crescimento destes partidos. Contudo, como verificado nas urnas, os resultados demonstram que a vontade popular europeia não se modificou assim tanto.

Relativamente ao PvdA (partido de inspiração social democracia), inscrito na Internacional Socialista como o PS Português, foi o maior derrotado das eleições Holandesas. A coligação governamental, nos últimos anos, com o partido conservador, promovendo políticas de austeridade foi extremamente penalizadora para o PvdA, desmobilizando os seus eleitores habituais. Apesar desta evidência, tentou abafar-se o mais possível o resultado Holandês, sobretudo, entre os detratores do Governo de António Costa, que colocou o seu partido noutro caminho da social-democracia.

Acontece que o líder do PvdA, Jeroen Dijsselbloem, resolveu mostrar o seu caráter. Nem uma semana tinha passado do escrutínio eleitoral e soltou uma série de insultos aos povos do Sul da Europa.

Muito se escreveu a este propósito.

Retirando toda a carga sexista associada ao discurso do Holandês, temos a oportunidade provar que os portugueses são iguais aos restantes povos europeus. Sabem distinguir momentos de trabalho, de momentos de confraternização e diversão.

        Este fim-de-semana, aproveitando o Oliva Beer Mind, festival de cervejeiros que reúne 20 produtores nacionais e 5 espanhóis, S. João da Madeira tem a hipótese de provar uma variedade de sabores, com nomes com os quais não estamos familiarizados. Com um pouco de sorte, haverá algum com a designação semelhante ao do futuro ex-ministro Holandês. Ou a certo momento da noite, no calor da animação, a articulação verbal daqueles paladares poderá soar a qualquer coisa parecido.  

De qualquer modo, brindemos a quem demonstrou conhecer-nos tal mal.

                              

(a publicar no dia 30/03/17)

quarta-feira, março 15, 2017

Portas e janelas

                Na década de 40 do século XX, em período da 2ª Guerra Mundial, a professora da Escola Primária deu como trabalho de casa, aos seus alunos, contarem as portas e as janelas de casa. Entusiasmado, o meu tio Joaquim chegou a sua casa e pôs mão à obra. Primeiro nas traseiras, no piso térreo e no primeiro andar, depois na frente da casa. Tirou o apontamento e no dia seguinte mostrou o resultado: 10 portas exteriores e 15 janelas. Ao ouvir isto a professora não acreditou. Considerou ser fantasia infantil e para demonstrar ao meu tio o seu erro, pediu aos outros miúdos que apresentassem os seus resultados. Escusado será dizer que não havia valores que se aproximassem, pelo que o meu tio foi corrigido pela professora, com a explicação que cada casa tinha duas portas exteriores no máximo e igual número de janelas, ou quanto muito, mais uma ou outra janela. 
                A indignação, por não acreditarem nele, fez com que o meu tio Joaquim adquirisse sensibilidade social desde muito cedo, pois para perceber a diferença na contagem, passou a observar a casa dos colegas com outros olhos. E dentro dos princípios cristãos, que o orientaram ao longo de toda a sua vida, este ensinamento acompanhou-o sempre e manteve-o simples.
O meu tio Joaquim contava o seu episódio sem mencionar as portas interiores. A este propósito, é bom recordar um ritual curioso, diário, de à noite, fechar todas as portas exteriores e portadas das janelas, com trincos e trancas. O mesmo acontecendo à sucessão de portas de compartimentos inferiores de modo a impedir o acesso pelo interior ao piso de cima. De tal forma, que a minha falecida avó Florinda dizia, com a sua graça, que qualquer ladrão noturno teria que abrir tanta porta, que só chegaria junto a ela de manhã, com toda a casa acordada.
Cada fechadura tinha um segredo. O meu tio António conhecia todos os truques daquelas portas. Foi com ele que aprendi a ser persistente para vencer uma fechadura. Um encosto, para folgar o mecanismo, noutros casos puxava-se a porta para cima, ou então para junto de nós. Ainda há, por lá, vestígios da sua numeração das portas e respetivas chaves. Embora haja outros motivos para recordar o meu tio António: a sua persistência em ensinar-me o hino do Futebol Clube do Porto, mesmo sendo eu já em tenra idade adepto do Benfica, ou até, pela sua disponibilidade em assumir os defeitos dos sobrinhos, ou mesmo, pela sua faceta mais liberal nos costumes.
A este propósito foi o meu tio Henrique, bastante mais velho que os restantes irmãos, que me ensinou como conquistar a liberdade noturna. Contou-me ele um dia como em jovem esticava a hora marcada, embora soubesse que à porta de casa o pai estaria à espera. Se foi assim, pelos anos 30 do século passado, haveria de resultar comigo, cinquenta anos depois. Este meu tio era mais aventureiro. Aos 75 anos, já viúvo, anunciou uma ida a França, sozinho num Fiat 127. Chegado a Lourdes, apontou para Berlim para ver o muro acabado de cair e ali chegado, ainda prosseguiu no seu pequeno automóvel até à Polónia para conhecer a terra do Papa – João Paulo II. Escusado será dizer que não sabia falar Alemão, nem muito menos Polaco. Regressou com pedras do muro e com uma grande aventura para contar. Quando, em 2016, anunciaram o centenário de Kirk Douglas, um dos atores preferidos do meu tio Henrique, adepto das fantasias de Hollywood, emocionei-me, pela carga familiar associada.
Só me apercebi da importância que aquela casa teve para os meus tios, quando há alguns anos, uma das irmãs do meu pai, a minha tia Josefina, já idosa e com graves problemas de memória, em que não reconhecia os seus familiares, ao passar em frente à fachada da casa, ao avistar aquela sequência de portas e janelas, exclamou “Olha a minha casa!”, isto depois de ter construído casa própria, onde habitou durante muitos anos.
As outras duas irmãs do meu pai, Rosa e Mariíta, felizmente ainda estão vivas e partilham certamente o mesmo sentimento dos seus irmãos.
O meu pai herdou a casa. Conservou-lhe a fachada, manteve as janelas e basicamente existe o mesmo número de portas, com pequenas alterações relativamente à contagem mencionada no primeiro parágrafo.
Como Domingo é dia do Pai, decidi partilhar com os leitores esta pequena homenagem familiar.
 
(a publicar no dia 16/03/17)

quarta-feira, março 08, 2017

Evolução do poder local

Nas comemorações dos 40 anos do poder local democrático, o atual Governo anunciou a sua intenção de transferir mais competências para as autarquias. Uma reforma descentralizadora, dotando os municípios de outra capacidade de gestão em áreas da educação, saúde e ambiente. Uma alteração que implicará um maior Orçamento Municipal, como prontamente reclamaram os Autarcas, exigindo uma maior cativação de verbas provenientes do Estado.

Uma reforma a ser desenhada em ano de eleições autárquicas e que nos remete para o ano de 2013, quando em véspera das eleições desse ano, foi apresentada a lei “Relvas”, com a fusão de freguesias, em união das mesmas e a possibilidade de transferência de mais competências para as mesmas freguesias, por parte das autarquias. Deixando o decreto de lei uma zona sombria, pois as competências das autarquias e das freguesias eram, em algumas áreas, as mesmas, o que permitiu que algumas Câmaras Municipais não delegassem.

Se as competências motivaram uma disputa entre autarcas, já a união de várias freguesias foi ficando assimilada ao longo dos últimos quatro anos. Em 2013, nas eleições ainda havia promessas de repor o mapa autárquico. Nos anos anteriores à união, aquando do estudo prévio e na iminência de perder a junta de freguesia, pelo processo de fusão ser desfavorável a determinado partido, houve vários presidentes de freguesia que anunciaram a hipótese de mudança de concelho.

Hoje está tudo mais estável.

A reversão, que caraterizou o ano de 2016, passou ao lado da lei “Relvas”, o que se compreende, pois esta inspirou-se no processo de redução de freguesias do concelho de Lisboa, implementado em 2012 por António Costa, atual Primeiro-ministro, enquanto autarca da capital. A racionalização do poder local, reduzindo o número de freguesias, embora com várias lacunas, foi conseguida e quatro anos depois, nas próximas eleições, soará a retrocesso ouvir-se falar em alteração do mapa das freguesias, especialmente porque a descentralização em curso implicará uma maior atenção dos autarcas e de todos os candidatos. E a descentralização passará pela municipalização e não pela regionalização, o que é uma novidade política.

Houve outro fator a condicionar o poder local e em particular, as eleições de 2013, o limite de mandatos para autarcas há vários anos no poder. A proibição de se candidatarem permitiu uma renovação em várias autarquias. Só que em 2017, feito o “reset” a muitos Presidentes de Câmara, começam a ser anunciados vários regressos e ainda estamos a 6 meses das eleições. Portanto, poderá haver ainda muitas surpresas. Ficará em jogo a capacidade democrática da inovação partidária, em contrapartida ao apego ao poder de alguns autarcas, contrariada pela limitação de mandatos.

Tudo dependerá dos próximos resultados eleitorais.

A este propósito, um parágrafo final, para a importância das eleições no concelho do Porto. Se em 2013, Rui Moreira, candidato independente, foi eleito com apoio claro do CDS/PP e camuflado por uma boa parte do PPD/PSD, em 2017, o carisma do candidato aumentou e aos anteriores, acrescenta-se o apoio claro do PS. Ora, neste período de quatro anos, houve um recrutamento para o atual governo na vereação da Câmara Municipal do Porto, por isso, não é estranho o apoio declarado. Ficando a dúvida, atendendo à previsível vitória de Rui Moreira, se esta coligação representa o futuro do PS, contrariando a tendência obtida na Assembleia da República, que se converteu na maioria parlamentar conhecida como “geringonça”. Teremos assim, no concelho do Porto, um laboratório político ou, pelo contrário, apenas o reconhecimento do trabalho autárquico realizado por Rui Moreira? O futuro dará a resposta.        

 

(a publicar no dia 9/3/17)