terça-feira, outubro 31, 2017

E a Carta Educativa?

A dois meses do fim do ano, o Orçamento de Estado de 2018 (OE18) passou a ser o tema dominante da política nacional. Será certamente um ano histórico, com a possibilidade da diferença entre as despesas e as receitas do Estado ser menor a 1%, o que poderá significar que durante uns trimestres, essa diferença seja nula.

A “receita” será a mesma, controlo da despesa, com as cativações por Ministério a terem direito a indicador e controlo mensal pela Assembleia da República. Por outro lado, o investimento público continuará reduzido, não provocando alterações no crescimento do Produto Interno Bruto, antes pelo contrário.

Uma das certezas do próximo ano é que os manuais escolares para os alunos do 1º ciclo, continuarão a ser gratuitos. O sistema de reutilização desses manuais será melhorado, aperfeiçoando-se uma medida, que não é apenas simbólica, já utilizada em muitos países europeus. A incerteza que perdura, relativamente aos manuais escolares, prende-se com o alargamento da gratuitidade até ao 9º ano.

Enquanto isto não fica decidido é importante verificarmos como deve ficar o apoio autárquico ao ensino.

Durante anos, várias autarquias consagraram a oferta de manuais escolares aos alunos do 1º ciclo do ensino básico. Algumas optavam também por oferecer material escolar. Os destinatários dessa medida alteravam conforme o concelho e a sua disponibilidade financeira. Por cá, em S. João da Madeira, os mais necessitados eram os visados, recebendo apenas manuais. Houve um ano de interregno nesta política de apoio familiar, consagrando-se todas as famílias, independentemente do seu rendimento. A experiência autárquica do atual Primeiro – Ministro permitiu prever um programa nacional de oferta de manuais e atendendo às restrições orçamentais, implementou-se o tal sistema de reutilização, para alunos de anos futuros.

Com esta medida do Estado central, as autarquias ficaram órfãs da sua generosidade. Ficou patente nas últimas eleições para o poder local, em alguns programas eleitorais, a oferta de manuais escolares. Uma duplicação ou um complemento é a dúvida que subsiste. A confusão nas propostas poderia ser entre manuais escolares e livros de atividades, o que permitirá sustentar a tese de suplemento, caso o objetivo fosse a oferta destes últimos.

A questão que importa aprofundar é se é necessário tanto altruísmo para com a generalidade das famílias dos alunos do 1º ciclo.

Os indicadores educativos do concelho estão desatualizados. A Carta Educativa limitou-se a consagrar os agrupamentos escolares. Estes reportando ao Ministério de Educação estão preocupados com os rankings impostos por Lisboa. Os indicadores que demonstram a realidade educativa do concelho, como o abandono escolar, não são aprofundados, nem publicados anualmente.

Os dados nacionais recentemente divulgados demonstram duas situações. Em primeiro lugar, o tradicional abandono escolar precoce, foi diminuindo ao longo dos últimos dez anos, no entanto, em 2016 teve um pequeno aumento, fixando-se nos 14% de jovens que não completam o 9º ano. Em segundo lugar, atendendo às novas metas da escolaridade obrigatória até ao 12º ano, os números são demolidores. Pelo estudo divulgado em Setembro passado, 36% dos jovens portugueses abandonam os seus estudos no ensino secundário. Esta realidade coloca Portugal na cauda dos países desenvolvidos.

A situação de S. João da Madeira não deve diferir muito da realidade nacional. Neste sentido, caso os indicadores concelhios assim o demonstrem, é importante traçar políticas municipais de apoio aos jovens e suas famílias, para contrariar o abandono escolar.

Mais do que “chover no molhado” e estar a apoiar quem já é contemplado pela gratuitidade (sem necessidade real), importa definir novas metas no Orçamento Municipal e lançar um programa que permita aumentar a qualificação da população jovem do concelho, extrapolando apoios quer ao nível de manuais, quer de livros de atividades, ou mesmo de material escolar, adequado aos alunos do ensino secundário, seguindo o princípio nacional da reutilização, atendendo às restrições orçamentais.

Um desafio para os novos autarcas.

 

(a publicar no dia 02/11/17)

quarta-feira, outubro 25, 2017

Valorizar o meio multicultural da cidade

Carlota Amado teve honra de primeira página na edição do jornal labor de 12/10. A manchete da entrevista da pianista radicada em Munique não passou despercebida: “Adoro o meio multicultural em que vivo”, foram as palavras destacadas.

Uma frase sintomática para quem escolhe a arte como profissão e tem a oportunidade de viver em cidades com apetência para desenvolver a carreira artística.

Uma frase igualmente exemplificativa da ambição da nova geração de músicos, para quem não chega a oferta de Porto ou de Lisboa, cidades portuguesas com reais possibilidades de um artista exercer a sua atividade de forma mais reconhecida.

Uma frase que pode servir de mote para um programa autárquico, atendendo ao novo ciclo que agora se inicia.

“Valorizar o meio multicultural da cidade”, é um imperativo para dar consequência aos investimentos municipais dos últimos dez anos, em equipamentos culturais.  

Os programas eleitorais, dos partidos representados no novo executivo municipal, focaram-se na difusão de agentes culturais, quer através da expansão do festival de teatro a outras empresas em laboração em S. João da Madeira, quer alargando a participação a várias iniciativas aos moradores dos bairros sociais da cidade, no sentido de promover a inclusão social através de atividades culturais. A ampliação previa-se numa determinada proposta eleitoral, na qual participei na elaboração, passaria também por envolver os artistas individuais da comunidade, integrando-os nas várias iniciativas culturais, existentes no calendário da cidade.

Independentemente da boa vontade das propostas eleitorais, existe uma realidade educativa que não mereceu a devida atenção por parte dos proponentes políticos.

Trata-se do ensino articulado de música ou de dança, que funciona até ao 9º ano e não tem algum tipo de consequência na comunidade. Ou pelo menos, não é visível.

Existem duas fases. Uma primeira agrega os jovens estudantes do 5º ao 9º ano. Havendo jovens de concelhos vizinhos que optam por fazer os seus estudos de primeiro contacto com estas artes na cidade. No final do ciclo de ensino, a tal segunda fase, apenas uma minoria prossegue com o estudo artístico. Alguns como complemento aos estudos curriculares, permanecem ligados às instituições de ensino artístico da cidade e outros que pretendem o estudo de artes de forma mais intensa recorrem a escolas profissionais, ou a escolas com ensino integrado, em outras localidades. Pode-se dar como exemplo, a nível de música escolas da Branca, Espinho, Paços de Brandão, Aveiro e Porto e a nível de dança, Branca e Vila Nova de Gaia.

Existem duas constatações perante estes movimentos: quem é de fora do concelho, raramente fica com ligação a S. João da Madeira e por outro lado, quem sai para prosseguir os seus estudos artísticos, fica apenas com uma ligação afetiva à cidade, o que não sendo pouco, não é suficiente.

Contrariar isto não é fácil.

Não estando eu ligado a qualquer estabelecimento de ensino, nem instituição cultural, nem associação cultural, posso apenas iniciar um debate, escrevendo a minha perspetiva sobre o assunto, baseando-me na minha experiência de encarregado de educação, tendo precisamente dois educandos relacionados com artes.

No meu ponto de vista, uma forma de manter o contacto dos jovens artistas com a cidade é dar-lhes a oportunidade de continuar a praticar a sua arte em S. João da Madeira. Através da constituição de orquestras, companhias de dança e até de teatro, consegue-se agarrar os jovens à cidade, melhorando o nível qualitativo das propostas culturais. Obviamente que o modelo de Associação é meu preferido, tendo sempre como referência o Coro de Câmara de S. João da Madeira. (Para não confundir ninguém, a ideia é direcionada para jovens, para fazer a captação de talentos em anos de ensino obrigatório, ou nos anos seguintes e não para criar companhias profissionais.)

Por outro lado, o ensino artístico no secundário devia ser uma realidade. Aproveitando-se todo o potencial da cidade com salas de espetáculo, museus, incubadoras de criatividade, pode ser um argumento competitivo para fixar temporariamente jovens estudantes na cidade, trazendo dos concelhos vizinhos outros interessados. A solução podem ser cursos profissionais, não esquecendo que existem escolas devolutas no concelho, caso o argumento das infraestruturas venha a debate.

É uma perspetiva que faz a ligação da educação com a cultura, servindo como fator dinamizador na melhoria das competências da população.

Esta valorização do meio multicultural, alicerçada em jovens, não evitará a saída dos mesmos para os grandes centros culturais nacionais, nem muito menos para qualquer cidade do estrangeiro. Mas, deixará marcas, mantendo os jovens ligados por muitos bons anos ao concelho, colocando-os como fundamentais em toda uma política cultural que, atendendo ao potencial físico, precisa de ser diferenciadora.

 

(a publicar no dia 26/10/17)

quarta-feira, outubro 18, 2017

Coincidências

Nota prévia: Os feriados de Outubro anteciparam a publicação semanal do jornal labor, nas edições das duas últimas semanas. Como habitualmente escrevo à terça-feira à noite, ou seja, depois do fecho editorial, não coincidi, por isso, no envio de artigos.

1700: A nota prévia fará mais sentido para os leitores, atendendo a que só nesta edição, passado quinze dias das eleições autárquicas, é que irei fazer um comentário sobre o assunto. A passagem deste período de tempo permite analisar de forma mais racional e menos emotiva (ver nota final), o resultado eleitoral.

A vitória do PS foi esmagadora.

A comparação de resultados tem que ser feita com os das eleições de 2016. As intercalares, portanto. Nestas circunstâncias há um dado curioso: o PS conseguiu uma melhoria de cerca de 1.700 votos, passando dos 4.400 para 6.100. Este ganho correspondeu a um decréscimo de igual valor da coligação PSD / CDS, ou seja, dos 5.200, do escrutínio das intercalares, a “maioria por S. João” desceu para 3.500 votos. Os valores apresentados não são rigorosos, não entrando na minúcia dos números, na ordem das dezenas e unidades, o que será facilmente entendível. No fundo, o que importa realçar é grandeza da movimentação dos votos e não a singularidade dos mesmos.

Convém igualmente evidenciar, antes de prosseguir com qualquer tipo de análise à alteração do sentido do voto dos eleitores, com outros dados: o aumento da abstenção em 400 eleitores, coincidindo este número com a votação do Movimento Independente “S. João da Madeira Sempre”, nas intercalares de 2016. Outra coincidência é o número de votos obtidos pelo PAN ser idêntico à perda relativa da CDU, do BE e do outro partido concorrente nas eleições do ano passado.

Não é linear que os votos tenham migrado conforme as coincidências numéricas, no entanto, esta evidência ajudaria mais facilmente a explicar os resultados das eleições autárquicas de 2017.

Existem várias explicações para a vitória do PS. Muitos procuraram atenuar o feito de Jorge Sequeira, tentando encontrar explicações nas desavenças do PSD ou na rotura de Ricardo Figueiredo com a concelhia do mesmo partido. Com o devido respeito pelos visados, julgo que a vitória é conseguida por mérito do próprio Jorge Sequeira.

Quais as razões para defender esta tese?

Reveja-se o processo eleitoral.

Em Abril, depois de meses de muita pressão da opinião pública, a concelhia do PS anunciou o seu candidato. Jorge Sequeira foi bem aceite e começou a trabalhar numa nova imagem do partido – menos populista, mais conciliador, mais próximo das associações locais. No mês de Junho ficava a saber-se que Ricardo Figueiredo não seria candidato pela coligação PSD / CDS. A menos de quatro meses das eleições, Paulo Cavaleiro, como líder da concelhia, assume a sua candidatura, arriscando o seu futuro político. O parceiro da coligação aceitou tal facto.

Em Julho são conhecidos a totalidade dos candidatos do PS. Só em Agosto é que são conhecidos os candidatos da coligação. Antes disso, o executivo municipal derruba o elemento arquitetónico da Praça (com contestação) e o jornal “O Regional” publica uma primeira sondagem, com um elevado número de indecisos, apontando para uma diferença de 10% de intenções de votos, favorecendo o candidato Paulo Cavaleiro.

Em Setembro a menos de um mês das eleições, ambas as forças partidárias apostaram forte, com a vinda de políticos nacionais a S. João da Madeira. O PS apresentou o seu secretário-geral, António Costa e ainda traria mais tarde o atual ministro da Cultura. Pelo lado da coligação, houve uma aposta clara numa ala política do PSD, com a vinda de Paulo Rangel, Rui Rio e Luís Montenegro, todos figuras de referência para a sucessão do ex-presidente do partido Passos Coelho. A balança pendeu para o lado do PS, apesar do apoio do CDS, através de João Almeida, ele próprio candidato e da presença de Pedro Mota Soares.

Entretanto, o programa eleitoral de ambos era divulgado e curiosamente, poucas, ou quase nenhumas, diferenças eram apresentadas. O PS prometia construir uma Piscina Municipal, fazendo “mea culpa” sobre o seu passado recente, o que não deixava de surpreender, ou mesmo de tranquilizar, alguns dos eleitores. Além disso corrigia alguns erros de campanha, deixando de atacar pessoalmente o adversário, passando a explorar as desavenças partidárias, surgidas na elaboração das listas eleitorais.

Chegava-se à última semana. Depois da mobilização de jantares e almoços ter evidenciado um empate de comensais, a rua haveria de clarificar a diferença. Uma arruada, impressionante para domingo à tarde, ficou na retina de quem viu passar a comitiva do PS pela Rua Oliveira Júnior em direção à Praça Luís Ribeiro. Dias depois, a arruada da coligação trazia pouca gente, não entusiasmando quem observava.

Até que surgiu o confronto direto. Numa semana, dois debates. Com poucos dias de diferença (o que não dá hipótese de corrigir algo que tivesse corrido mal no primeiro, a qualquer dos candidatos), a capacidade oratória de Jorge Sequeira sobressaiu. Tranquilo, expôs o seu programa e transmitiu uma imagem de confiança e de preparação política. Os indecisos, que seguiram o debate, devem ter retirado as suas conclusões, podendo depois ao ler as últimas entrevistas publicadas na imprensa local, ter decidido o seu voto.

A poucos dias das eleições, assistiu-se à habitual publicação de sondagens. O jornal “O Regional” publicava a sua terceira projeção, sempre com vitória para Paulo Cavaleiro, embora na última, a diferença fosse menor e indicava claramente o número de indecisos. O jornal labor, por seu lado, publicava uma sondagem apresentando empate técnico, embora com ligeira vantagem para Jorge Sequeira. Ambas as sondagens falharam claramente. 

No final do dia 1 de Outubro, já vencedor, Jorge Sequeira foi extremamente sensato nas suas declarações de vitória. Nos dias seguintes à eleição, tive oportunidade de seguir uma entrevista sua ao Porto Canal e não vi alteração nenhuma relativamente ao seu desempenho enquanto candidato.

Reduzir a vitória do PS a outras questões menores, é não reconhecer talento a quem fez melhor campanha, quem beneficiou do apoio da estrutura nacional e distrital do partido, quem controlou os ímpetos excessivos dos seus apoiantes e sobretudo, quem se preparou melhor politicamente. Penso que terá sido isto que terá motivado perto de 1700 eleitores a alterar o seu sentido de voto, dando uma maioria expressiva a Jorge Sequeira.

Nota final: essencialmente, em questões políticas, sou democrata e plural. Estou bastante longe da militância partidária. Em 2013, apoiei incondicionalmente a candidatura de Ricardo Figueiredo. Passei a ver os meus argumentos em sua defesa, expressos nas páginas deste jornal, a ser partilhados por muitos dos seus apoiantes. Em 2016, fiz parte da Comissão de Honra da sua candidatura. Por estes factos, encetei uma maior proximidade aos partidos que o apoiavam. Neste contexto, apareci, este ano, como membro da Comissão de Apoio de Paulo Cavaleiro, tendo igualmente contribuído para a elaboração do programa eleitoral. Contributo que exerci de forma desinteressada, sempre com a dedicação apropriada. Feito o esclarecimento aos leitores, não nego que no meu passado político, apoiei há vinte anos o candidato do PS, Josias Gil, por simpatia partidária. Mas, entre simpatias e relações afetivas, prefiro as últimas.

 

(a publicar no dia 19/10/17)