Cruzo-me com pessoas, sem nome conhecido. Trocamos olhares, pequenos cumprimentos em forma de tímidos sorrisos, de iguais acenos de cabeça ou com um pequeno erguer das mãos, em dias mais alegres.
Muitos, não sei quem são, qual o nome próprio, alcunha, apelido ou sequer a morada, apenas um rosto circulante nas ruas da cidade, que com o aumento populacional tornou-se impessoal. Ironicamente são apelidados de “ilustres desconhecidos”, ou “povo anónimo”.
Sinto a passagem do tempo, ao ver os seus corpos transformarem-se: as caras a envelhecerem, os troncos a encolherem e a arquearem. Os cumprimentos trocam-se por silêncios, que não ouso interromper.
Depois... desaparecem.
Por uma longa temporada não os vejo, até um dia.
Nesse dia, as suas fotografias são expostas num poste, numa qualquer parede ou página de necrologia, com os dados que não conhecíamos e jamais perguntámos.
Com vergonha verificamos a sua morte e pensativos, soletramos o nome que ignorávamos.
Lentamente a cidade, apesar de todo o ruído inerente, fica mais silenciosa.
Tendo a afastar-me dela. As incursões são diárias, por necessidade, ou esporádicas, em resposta a algum convite de amigos ou para compromissos associativos.
A escrita, em colaboração com o Jornal, repousa à espera de vez. O blog ocupa-me os tempos livres e mesmo a divagação pelos temas da cidade, não são particularmente motivadores.
Percorro as ruas do centro da cidade, a minha memória colectiva.
A preparação para o Natal não esconde o estado decrépito a que estas ruas chegaram.
Cumprimentam-me os comerciantes de sempre, amáveis quando me reconhecem.
Outras lojas da minha infância fecharam. Em seu lugar surgiu o vazio, com um letreiro, propondo uma solução comercial.
A cidade vive num impasse. Político é certo. As pessoas esperam respostas aos assuntos que foram manchete dos jornais, nos últimos meses. Dúvidas para serem resolvidas por Ministérios.
A cidade já não se resolve, aguenta.
Espera a sua vez, paciente, como estando numa qualquer fila.
Entretanto, na idealizada nova “urbe”, com os seus novos pontos de interesse, edifícios ou serviços, a cidade projecta-se sobretudo para o exterior.
Nesse novo contexto, o “espaço” destinado para as suas gentes, para a sua expressão, para a sua susceptibilidade é curto e a memória tenderá a apagar-se.
Esta inquietação ocupa-me.
Isso é bom.