quarta-feira, dezembro 28, 2016

Para acabar o ano

A vontade dos habitantes de Milheirós de Poiares, em pertencer ao concelho de S. João da Madeira, conheceu novos episódios.

                A contra argumentação do Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, Emídio Sousa, compôs-se em termos fortes, com acusações de traição, além de outras deslealdades entendidas por aquele autarca, por parte da edilidade sanjoanense.

                Há alguma trapalhada nestas acusações, que convém evidenciar. Em primeiro lugar, não existiu uma palavra simpática para com os munícipes da atual freguesia do concelho vizinho. A petição já entregue na Assembleia da República é desvalorizada, pois apesar do elevado número de signatários, aparecem alguns nomes de eleitores de S. João da Madeira. Mesmo que seja verdade e até poderá ser, a grande maioria é moradora em Milheirós de Poiares e expressou a sua vontade, tal como anteriormente, já o tinham feito em referendo. É claro que este mecanismo de participação da população na democracia foi igualmente ridiculizado, pois tentou-se evidenciar que a adesão foi baixa, isto é, houve uma elevada abstenção da população, por isso, os autarcas do concelho da Feira consideraram o referendo não vinculativo.

                Um parêntesis sobre este assunto, num país em que os atos eleitorais têm participação inferior a 50%, mesmo em eleições locais, significando com isto, que a maioria dos eleitos consegue a sua vitória, em condições idênticas ao do referendo de 2012 do Milheirós de Poiares, seria interessante a qualquer população rejeitar os resultados eleitorais, quando a abstenção fosse superior a 50%, impondo nova eleição até a participação eleitoral ser satisfatória.

                Voltando ao tema do momento, ficando evidenciada a forma pouco simpática como a população de Milheirós de Poiares tem sido tratada, veja-se o resto do discurso do Presidente da Câmara de Santa Maria da Feira.

Pela reportagem dos jornais locais, verificamos que os diferentes partidos estão divididos. Em S. João da Madeira, houve unanimidade na aceitação da pretensão de mudança da freguesia vizinha, pelo menos, no executivo municipal. Em Santa Maria da Feira, há duas posições opostas. De um lado, o PSD e o CDS-PP contra a vontade expressa pela população de Milheirós de Poiares e apoiando esta pretensão o PS e o BE. Nos grupos parlamentares, há igualmente deputados, eleitos pelo distrito de Aveiro, que apoiam a mudança. E mesmo não tendo sido referenciados na reportagem, haverá certamente deputados, com origem em determinados concelhos, que são contra qualquer mudança.

                Não sendo um choque de partidos políticos, nem de blocos ideológicos, temos então uma divisão nos partidos de direita. Perante esta desavença partidária, surgiu a acusação de traição.

Estamos perante uma?

Pode-se colocar a questão como sendo um ataque de militantes do PSD a independentes eleitos pelo partido, só que o Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira fez questão de frisar que separa a população da nossa cidade dos seus eleitos, referindo-se ao coletivo da Câmara Municipal e não ao seu Presidente e portanto, homólogo.           

                Este vincar de posição de Emídio Sousa, toda a sua acusação, poderia demonstrar que haveria manobras partidárias, à primeira vista impercetíveis. A presença de Hermínio Loureiro na apresentação da petição, serviu para atenuar a ideia conspirativa, já que nas eleições partidárias do início do ano, a concelhia da Feira apoiou outro candidato. Perante isto, qualquer teoria de intriga, de desavenças das várias correntes partidárias, em torno de uma candidatura para renovação do PSD e que Emídio Sousa estaria a atacar alguém indiretamente, através da Câmara Municipal de S. João da Madeira, parece não fazer sentido.

                Não havendo justificação para a acusação do Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, parece-me que o edil, não tendo percebido o interesse popular de Milheirós de Poiares, não valorizando a opinião da sua população, nem muito menos, a sua vontade expressa na petição e já anteriormente em referendo no ano de 2012, quis sacudir a “água do capote”, retirando sobre si a responsabilidade por ter mediado mal este processo, parecendo-me por isso, extremamente preocupado com o desfecho de uma hipotética mudança de concelho de uma das suas freguesias.

                Espero, por tudo isto, que em breve seja debatido o assunto em Assembleia da República e que a vontade popular seja atendida.   

                Votos de um bom ano de 2017.

 

(a publicar no dia 29/12/16)

terça-feira, novembro 29, 2016

As primeiras linhas sobre as eleições autárquicas 2017

                As eleições autárquicas para 2017 já mexem. Há dias, Jerónimo de Sousa informou que a CDU concorrerá sozinha, às mencionadas eleições. Por seu lado, numa entrevista concedida ao jornal labor no mês de Outubro, Moisés Ferreira já tinha avançando que o Bloco de Esquerda iria apresentar-se com listas próprias em S. João da Madeira.

Perante este cenário, com a esquerda fragmentada no período pré-eleitoral, começam-se a definir os concorrentes para as próximas eleições. Haverá alguma semelhança com as intercalares de 24 de Janeiro de 2016, caso haja coligação entre o PSD e o CDS-PP. Desconhecendo-se ainda se o movimento de cidadãos “SJM Sempre” continuará a apresentar-se a sufrágio, necessitando para isso de voltar a reunir as assinaturas para ser aceite a sua candidatura.

É bom recordar que, das eleições autárquicas de 2013 para as eleições do início do presente ano, o voto concentrou-se em duas forças concorrentes. A bipolarização PSD / CDS-PP versus PS foi retomada, pois tal não acontecia desde 1982. Embora haja registo de período de 4 anos (1985 a 1989), com os mesmos partidos com vereadores eleitos, contudo a coligação foi entre PS e PSD, tendo ficado o CDS, vencedor, isolado. Nos 20 anos seguintes, os executivos municipais foram formados por, pelo menos, três partidos políticos, que se apresentaram a eleições municipais não coligados. Até que em 2009, pela primeira vez, o executivo se reduziu a apenas dois partidos.

Em números de votos, a coligação de direita obteve em 2016, mais de 5.200 votos, ou seja, um acréscimo de 1.100 face aos resultados individuais dos dois partidos em 2013. Por seu turno, o PS também teve um acréscimo de votos, entre as duas eleições, 800 votos, que foram insuficientes para vencer as eleições.

Se analisarmos o número de dias entre estas duas eleições, que tenho vindo a reportar, chegamos a 840 dias. Significando com isto que o PS conquistou em média um apoiante por dia. Este aproximar de eleitores num período conturbado, de permanente campanha eleitoral, criou a ilusão ao PS local de não temer umas eleições intercalares. Só que em igual período, foi maior o número de eleitores que não se reviram nesta política de oposição do PS e preferiram reconduzir Ricardo Figueiredo à presidência da Câmara Municipal de S. João da Madeira, com maioria absoluta.

     Para 2017, na entrevista publicada na semana passada neste jornal, Pedro Nuno Santos defendeu que o projeto do PSD está terminado e por isso, atendendo à evolução das maiorias autárquicas neste concelho, será tempo do PS vencer. Para isso, conta com as políticas do Governo (reversão do acordo do Hospital com a Santa Casa de Misericórdia de S. João da Madeira) e com a apresentação de um “candidato forte”. 

Obviamente que a questão das políticas de Estado para benefício da cidade não é nova. No passado houve a apresentação de argumentos de melhorias introduzidas na cidade por Governos do PS. Os leitores devem estar recordados da comparação da construção da Escola João da Silva Correia com a remodelação da Escola Oliveira Júnior, entre outras polémicas, que teve o ponto alto na racionalização dos serviços de urgência dos Hospitais.

Esta argumentação, meramente partidária, é distante da população, por não haver proximidade entre os agentes políticos ao serviço do Estado e a campanha eleitoral para as autarquias. Sobretudo, em localidades com um forte conceito bairrista e um espírito comunitário enraizado.

Perante estes factos, só mesmo com a apresentação de um “candidato forte” - ou seja, de alguém inserido na comunidade local, com boas relações com os movimentos associativos, com reconhecimento profissional, conhecedor da vida partidária, com experiência autárquica e dos meandros da política - é que levará o PS a poder ambicionar, inverter o ciclo político iniciado em 2001. 

 

(a publicar no dia 01/12/2016)

quarta-feira, novembro 23, 2016

Algumas linhas sobre sons estranhos, recusa, esquecimento, ideologias perdidas e feitos históricos.

                A periocidade da escrita tem sido irregular e os temas a desenvolver sobrepõem-se, por isso, para não adiar por mais tempo a minha opinião, apresento um resumo de vários assuntos, que deveriam ter merecido outro fôlego.

                Sem cronograma, aqui fica um resumo dos apontamentos, que me acompanharam nas últimas cinco semanas, equivalente ao período em que não consegui o desenvolvimento ideal dos temas e por isso, optei por não publicar os assuntos em texto longo e apropriado.

1)      Leonard Cohen era um dos meus músicos favoritos. Herdei-o dos anos 60, por ser referência de vários artistas que eu apreciava e quando optou pela eletrização das suas músicas, durante a minha adolescência, todo o som pareceu estranho, quanto mais não seja, por o último dos bardos aderir ao som elétrico. Os longos poemas, a forma de os cantar, alongando ou entrecortando sílabas, promovendo arranjos musicais simples, com coros femininos, alguns com registos demasiadamente agudos foram a sua imagem de marca durante 20 anos. Anteriormente ao início de carreira de músico, Leonard Cohen escreveu poesia e prosa. Um dos seus livros acompanhou-me numas férias. Depois de ler o Ulisses de James Joyce, o livro “Belos Vencidos” era similar na provocação e experimentação sexual. Valia pelo significado da publicação na década de 60, reconhecida pelo seu carater de libertação. No entanto, a contínua comparação com a obra mencionada, retirou encanto à leitura. A edição de discos recentemente retirou aos seus primeiros trabalhos o estatuto de melhores da sua discografia. É curioso isto ter acontecido a um músico quando tinha perto de 80 anos, provando que a longevidade não é sinónimo de decrepitude. Nos últimos 30 anos, o músico recentemente falecido publicou imensos discos e fez vários concertos, em virtude da sua falência, após ter sido lesado por um contrato ruinoso promovido pela sua agente. Bob Dylan indicou como melhor álbum de Leonard Cohen, o editado em 2012 “Old Ideas”, o que consagrou a segunda etapa da sua vida artística, como divinal. Por mim, ouvirei eternamente “Dance me to the end of love” como se fosse a primeira vez, ou mesmo “The Stranger Song”, que continuarei a idolatrar como reconhecimento da tenacidade criadora de um artista que sempre soou como estranho.

2)      Aproveitando a deixa do ponto anterior, uma menção a Bob Dylan e ao seu Nobel. Se a Academia Sueca surpreendeu, por premiar formas diferentes de expressão literária, consagrando as letras das músicas do cantor norte-americano, como exemplo da sua influência na música popular, já Bob Dylan manteve-se fiel a si próprio, pela indiferença com que reagiu à notícia da nomeação e não desiludiu os seus fãs, ao recusar estar presente na cerimónia de entrega no Nobel. Não retirando mérito ao Nobel da literatura e apesar do prémio ser também o reconhecimento para outros escritores de canções, a atitude de Bob Dylan mostra que ele continua igual a si próprio, indiferente aos holofotes e recusando a exposição da sua vida pessoal.

3)      Umas pequenas linhas para mencionar o falecimento de António Manuel Relva, conhecido como Relvas. Era conhecida a sua ideia de viver à margem. Contou-me várias das suas histórias, uma passada em Lisboa, era representativa da sua opção de vida: estando ele no metro, verificou estar apenas na companhia de mais outro sujeito, de ar suspeito. Este começou a aproximar-se e Relvas pressentiu que ia ser assaltado, pelo que teve uma ideia salvadora, dirigiu-se ao desconhecido e pediu-lhe 100 escudos. Perante tal pedido, o outro não teve coragem de exigir nada. Relvas morreu esquecido, ficam as suas aventuras para o recordar.

4)      Há entrevistas que projetam o futuro. Pedro Nuno Santos concedeu uma ao jornal Público sintomática. Primeiro pela sua projeção pessoal, não será difícil adivinhar o seu futuro, como Ministro num próximo Governo do Partido Socialista. Mas, da entrevista ressaltou um facto ideológico: Pedro Nuno defende que esta solução governativa é o garante da social-democracia. Acredito mais depressa nele do que nas intenções do atual Presidente do PSD, em colocar este partido de novo nesta ideologia, com a sua liderança. A social-democracia à portuguesa é um caso curioso da política: dois partidos pretendem ser os seus defensores, um pelo nome que ostenta, com práticas liberais e outro pela prática política e com nome de esquerda democrática. O que fica demonstrado na entrevista de Pedro Nuno Santos, é que a corrida ao centro político já começou e a sua afirmação não foi gratuita, tem um significado político importante, pois definirá muita estratégia para os próximos meses.

5)      O último apontamento para o feito do futebol da ADS. A história vai-se escrevendo. Foi reconfortante ler as capas dos jornais no Domingo e ver as notícias da secção de desporto. É importante inverter a tendência das últimas cinco décadas: desempenhos individuais com maior projeção do que os feitos do clube. É bom saber do atual sucesso desportivo de antigos atletas da ADS, ou de outro clube local. Do mesmo modo, outros agentes desportivos também me despertam a mesma satisfação. Mas, quando recentemente li, superficialmente, que havia polémica entre um antigo treinador e os atuais dirigentes do clube, percebi que era bom que, nos próximos anos, a história fosse diferente. Pois apesar de desejar a maior sorte a todos os antigos jogadores, treinadores e até dirigentes, penso que é tempo de a ADS voltar a obter feitos históricos. Sem pressas, com ponderação, com o objetivo do reconhecimento coletivo. Para que, daqui a uns anos, ao comemorar o centenário do clube, a projeção do clube e seus agentes esteja em alta e se procure não noticiar o percurso de outros que por cá passaram.

 

(a publicar no dia 24/11/16)

 

quarta-feira, novembro 09, 2016

Assim vai o mundo

                A pacatez à beira mar foi interrompida, durante o pretérito mês, pela passagem da frota naval Russa. Nada de assinalável a registar, julgando que o itinerário previamente definido, foi cumprido na integra. Contudo, o invulgar movimento marítimo, fez acionar os mecanismos de vigilância da NATO. Durante uns dias, na base aérea de Maceda a movimentação provocou uma inquietação na área envolvente, com a constante descolagem e aterragem de várias aviões.

                Não é a primeira vez que naquela base houve um movimento inusual. Há alguns anos o a sucessão de revoluções nos países mediterrâneos, que ficariam na História como a Primavera Árabe, implicou um procedimento de prevenção militar da NATO, obrigando a uma certa alteração do quotidiano da base aérea.

                As precauções causadas por manobras da NATO são antigas. A primeira recordação que tenho está relacionada com uns elementos, a cumprir serviço militar obrigatório, de um grupo musical, dos anos 1980, Radar Kadhafi, que devia o seu nome precisamente a umas escaramuças na Líbia, quando o ditador ainda não tinha sido deposto e era ameaça pública para o mundo ocidental. Ora, alguns dos músicos ficaram retidos umas noites, no respetivo quartel, por prevenção militar, enquanto as manobras militares decorriam perto de Tripoli. Por essa razão, foram os concertos anulados e a banda adotou um novo nome.

                Apesar desta longevidade de ações militares, a diferença para contemporaneidade destaca-se pela aproximação da frota naval Russa à nossa costa. A anunciada deslocação de uma armada do mar Báltico para o mar Mediterrâneo, com o propósito de reforçar e intensificar os ataques no processo de paz da Síria, colocaram a Europa em alerta.

                Todos estão recordados da recente invasão da Crimeia na Ucrânia e na incapacidade Europeia de contrariar as tropas Russas. A pressão crescente na fronteira Russa com a Europa, desde o Norte até ao Sul, atemoriza os Europeus Orientais. Apesar dos boicotes económicos de retaliação, a ameaça bélica é intimidante para os povos transfronteiriços.

                Numa época que o conceito de Europa se desintegra – posições diferenciadas a leste e no ocidente, o Brexit e a incógnita das próximas eleições presidenciais francesas, é importante percebermos como funcionará a segurança Europeia nos tempos futuros.

                Neste capítulo é importante perceber que sempre houve diferenças históricas entre os povos europeus. O império romano conseguiu “impor” a paz na fronteira germânica, através de acordos com os Visigodos, que mantinham afastados de Roma os povos bárbaros. Até um dia… Mais tarde, o Sacro Império Romano Germânico impôs-se e acentuou a diferença entre as partes extremas da Europa. A modernização da Rússia, por Pedro o Grande, pressupôs a europeização do povo Russo. Os anos de invasões, guerra mundiais e revoluções colocaram em choque as diferenças entre os povos europeus. Na segunda metade do século XX, na “guerra fria”, a cortina de ferro foi a linha de fronteira entre as diferentes civilizações. A queda do muro de Berlim e o desagregar da União Soviética deveriam atenuar essas diferenças.

Seria bom que a História terminasse assim.

Os últimos meses inspiram cuidados.

A segurança Europeia baseia-se na força bélica transatlântica. A colocação de tropas da NATO na Polónia e nos países bálticos são sinais para o lado Russo, ou se quisermos, a transposição para Este da cortina de ferro.

Por estes dias, as eleições nos Estados Unidos na América evidenciaram alguma falta de solidariedade para com os povos Europeus. Os elogios a Putin e a suposta a interferência de piratas internautas russos podem ser interpretados de várias formas mas, no fundo, aproxima Europeus ao projeto do Partido Democrata.

Escrevo este texto, na noite das eleições Norte Americanas. Não sabendo, por isso, quem será o vencedor das eleições.

Espero que o bom senso prevaleça e que nos próximos anos não venha a dormir sobressaltado, pelas manobras noturnas das forças militares da NATO.

 

(a publicar no dia 10/11/16)

 

quarta-feira, outubro 26, 2016

O som do silêncio

                Uma homenagem requer as palavras certas. Fugir dos lugares comuns, dos elogios póstumos e dos padrões da solenidade é o propósito destas linhas, que serão o meu tributo à minha amiga Paula Pinto, recentemente falecida.

                Encontrar as palavras certas foi difícil, surgiram a custo e inicialmente sem sequência. O silêncio das condolências não era suficiente para o momento cerimonioso. Perante este dilema, pesaroso, sem muita inspiração, recebi o alento necessário para a escrita, ao escutar uma singela música. Uma versão de Nina Simone, ao piano e sem qualquer palavra, do êxito The Sound of Silence, permitiu-me recordar os momentos que se seguem.

Paula foi minha colega de turma, no equivalente ao atual sexto ano, na Escola EB 2/3, na época chamada Escola Preparatória Alão de Morais. Não me recordo se a conheci nesse momento. Isto porque nas férias anteriores ao ano letivo, participei no primeiro Campo de Férias Estamos Juntos, que se realizava na Escola do Parque, ou seja, nas imediações da casa da sua família e é natural que o conhecimento tivesse sido travado por ali.

                O início do sexto ano foi para mim traumático. A minha turma do ano anterior tinha sido dividida. Dos vinte e muitos elementos daquele quinto ano, decidiu a escola, colocar quatro ou cinco alunos por outras turmas que transitavam unidas do ano anterior. O choque foi grande. Para abreviar, lembro-me de passar as tardes livres pela escola, assistindo às aulas dos meus colegas do ano anterior, para assim, me manter ligado aos amigos de infância. Pela minha nova turma, a integração dos novos colegas foi assegurada pela Paula Pinto. Ela fez a ponte, atenuou as desconfianças e permitiu que os receios de quatro indefesos alunos, não se transformasse em algo mais complicado.

                Por aqui, tenho que acrescentar que a simpatia da Paula, sempre de sorriso na cara, modificou o meu conceito de beleza. A minha infantil imagem, narcísica – olhos claros e cabelos aloirados – esbatia-se e comecei a olhar com outro interesse para outras cores de olhos e mesmo para tonalidades de cabelos mais escuros. Embora, o tom claro de pele, que também a caraterizava, se tivesse mantido nas preferências.

                Depois desse ano, como colegas, nunca mais estudamos juntos. Eu continuei a dirigir-me para a piscina da Escola do Parque durante muitos anos, sobretudo, no mês de Julho e lembro-me de a ver, junto com os seus irmãos, alguns bem mais novos, em alegres brincadeiras, na varanda do apartamento, ou mesmo no final de tarde na estrada pouco movimentada, quando passávamos em grupo junto à oficina de pneus, que ficava no rés-do-chão do edifício. Também recordo, jogos de futebol nas traseiras da referida Escola, em que seu irmão Miguel nos deixava de olhos torcidos, devido à sua técnica e lembro-me de ter a Paula, em parceria familiar, como adversária nesses encontros. Acompanhei, pelo passar dos anos, o crescimento de suas irmãs e irmãos. Penso que ficou daí a cordialidade no trato com todos e a aproximação à sua irmã Lígia.

Os anos foram passando e os encontros alternavam entre o pontual e o frequente, pelos espaços de lazer da cidade. Mais pelas imediações da Praça. Ambos adolescentes à procura de algo novo e diferente, embora por caminhos alternativos. 

Mais tarde, ambos jovens adultos procurando um rumo para a vida. Neste capítulo, surgiu o reencontro, como colegas de trabalho. Lembro-me de entrar cheio de receio, numa área da fábrica onde iria começar a trabalhar, num final de tarde do dia 2 de Janeiro de 1996 e quando julgava que todos os olhares seriam duvidosos ou críticos, apareceu à minha frente a Paula, colocando-me à vontade no ambiente fabril, tal como catorze anos antes o tinha feito na escola.

Durante três anos, partilhamos gabinetes, reuniões, chefias, problemas a resolver, imprevistos surgidos, formações, etc.. Nesse tempo ficamos mais próximos. Dava-lhe boleia à hora de almoço, interrompendo esse bom hábito, durante uns meses em que laborei em regime de turno. Antes de ambos sairmos da empresa, procurando outros desafios profissionais, consegui retribuir as atenções que teve comigo ao longo da sua vida.

Cada um seguiu o seu destino. Paula encontrou o seu porto seguro. O meu afastou-me da cidade. Por isso, não acompanhei a sua chegada à maternidade. Só conheci os seus filhos alguns anos depois, encontrando-os acompanhados pelo Sebastião, o seu companheiro.

Nina Simone termina. No silêncio que permanece, as minhas memórias fixam-se na imagem de um final de tarde a regressar do tanque piscina do Parque e cruzar-me com a Paula, o Miguel, a Lígia, a Rita, a Ana, o Pedro e muito provavelmente acompanhados pelo Sérgio, seguiam juntos, irradiando alegria, prevendo-se uma grande noite de brincadeira familiar.

 

(a publicar no dia 27/10/2016)

 

quarta-feira, outubro 12, 2016

Depois da emancipação

Na continuação do artigo publicado na semana passada, sobre o significado da emancipação concelhia e a evolução comunitária nos 90 anos da sua história, importa, na presente edição, referir outros dados que permitirão entender a transformação operada na povoação ao longo das nove décadas.

Pode-se identificar três fases distintas nesta transfiguração quase secular.

A enorme vontade de afirmação perante os seus vizinhos, nos primeiros anos do concelho, fez de S. João da Madeira uma comunidade percussora.

Exemplo disso foram as  angariações de fundos, enquadradas pelo envio de remessas de grandes empresários brasileiros que marcariam as primeiras décadas do século passado. Só assim, se compreende a construção do hospital, por iniciativa da Santa Casa da Misericórdia, entre outros equipamentos. Sintomático, por ser ilustrativo, é a construção do pavilhão da ADS, antes de qualquer um das Escolas Secundárias, ou mesmo de iniciativa municipal.

Existe uma segunda fase de desenvolvimento, com a continuidade do forte investimento industrial, com a construção de imensas fábricas e instalação de lojas comerciais, a que se sobrepõe temporalmente o conceito de estrutura urbana do concelho, com a definição de zonas industriais, a abertura de arruamentos, o saneamento básico, entre outra infraestruturas essenciais, para a povoação adquirir níveis de qualidade de vida de primeiro plano.

                Em complemento deste desenvolvimento surgem as políticas do Estado de investimento em habitação social, entre outras ténues melhorias de descentralização implementadas.

Numa terceira fase, a atual, em que a economia local quebrou, não colapsando, mantendo empregos mas, sem a vitalidade e sobretudo, sem a visibilidade de outrora, a que não será estranho a aquisição de algumas empresas por capital estrangeiro, a autarquia adquiriu um papel preponderante no desenvolvimento da cidade.

Para retratar melhor a última fase, a contemporânea, verifique-se o grande investimento da Sonae no Centro Comercial, canalizado pela venda de terrenos da autarquia. Veja-se a ideia da incubadora de empresas, condicionando a opção empresarial a indústrias tecnológicas, quando no passado uma unidade industrial devoluta, permitia a instalação de micro empresas em fase embrionária, com o mais diversificado ramo de atividade.

                Três fases, não indexadas a anos certos, nem a regimes políticos distintos como os que o País viveu. Sendo certo, que a partir de meados dos anos 80, com as verbas atribuídas pelo Estado às autarquias locais, houve um desenvolvimento descentralizado, ainda assim em velocidade menor, quando comparado com a capital do País. Logicamente, que os fundos comunitários permitiram acelerar o progresso dos concelhos e S. João da Madeira não foi exceção. Assim, como as políticas de evolução dos vários Governos que permitiram a construção da rede escolar, de valências da Justiça, da Saúde, da Segurança Pública, incrementando a habitação social, entre outros investimentos públicos, a que não se pode esquecer a rede de estradas e autoestradas nacionais.

O perigo desta exposição ao serviço público ficou patente na última década, quando a necessidade de racionalizar os meios de Estado, colocou em xeque as repartições abertas pelo País e S. João da Madeira não tem uma história diferente, neste capítulo, dos restantes concelhos fustigados.

O ADN da população local é a conjugação das duas vertentes: a iniciativa privada e o investimento autárquico. Ponderado em doses apropriadas. Pensar que só com a última componente é que se promove o espírito comunitário é um grande erro.

Por aqui, pode-se explicar os resultados eleitorais dos anos da democracia, com o escrutínio das eleições autárquicas a ser, a mais das vezes, diferente da tendência das eleições nacionais.

A História por vezes é muito elucidativa.

 

(a publicar no dia 13/10/16)

terça-feira, outubro 04, 2016

A emancipação

A proximidade, da presente edição do jornal labor, ao dia 11 de Outubro, obriga à referência deste texto à emancipação concelhia de S. João da Madeira.

A sequência cronológica, frenética, de elevação a vila em 1924 e posterior passagem a concelho de freguesia única em 1926, não deixa muito fôlego para olhar para os anos anteriores.

É sabido que desde 1514, concedido foral por D. Manuel, foi constituído o concelho da Feira. Desaparecia o domínio feudal, iniciando-se uma regular aproximação do povo com o seu Rei. S. João da Madeira era uma das suas inúmeras freguesias. A maioria, ou a mesmo a totalidade, começavam o seu nome pelo devotado orago, fazendo-se a analogia das paróquias existentes, para se estabelecer a subdivisão territorial do concelho.

Em 1799, ainda em regime absolutista, surge o concelho de Oliveira de Azeméis. Das várias freguesias que o compunham duas delas, Arrifana e S. João da Madeira, viriam a desempenhar, nos anos seguintes, histórias diferentes e muito provavelmente interligadas. Com a redefinição liberal dos concelhos, por Mouzinho da Silveira, Oliveira de Azeméis agregou o extinto concelho do Pinheiro da Bemposta e, em contrapartida, perdeu Arrifana para a Vila da Feira. Ou seja, em pouco mais de 30 anos. É muito provável que este seja o momento decisivo para a futura emancipação de S. João da Madeira. O mal-estar da população de Arrifana - e do próprio concelho Feirense, pela sua amputação a Sul -, devia ser idêntico à da população de S. João da Madeira, que não devia ver com bons olhos a sua indexação a um novo concelho, que durante anos foi uma freguesia de igual calibre. Uma justificação para a latente animosidade entre populações.

É curiosa a relação das populações com as festas ancestrais. A venda de fogaças por toda a cidade de S. João da Madeira, no dia 20 de Janeiro, sempre me surpreendeu. Com o avançar da idade, apercebi-me de uma simpatia da população local e das freguesias vizinhas, algumas do concelho de Oliveira de Azeméis, com a festa das fogaceiras e o seu cortejo etnográfico. Para cimentar a minha posição, testemunhei a presença de um antigo Presidente da Câmara Municipal de S. João da Madeira, integrando o referido cortejo, e a forma como os populares se relacionavam com ele, permitia verificar a forte inclusão da população desta cidade na assistência. 

A emancipação de Espinho, saindo do concelho da Feira, no final do século XIX, permitiu entrar-se no século anterior com a ambição de tornar S. João da Madeira concelho. As pretensões dos sanjoanenses intensificam-se com a construção de edifícios icónicos e a constituição de associações. O progresso industrial, a melhoria económica da população, as boas acessibilidades, por estar inserida na estrada nacional Porto – Lisboa e servida de linha de caminho-de-ferro, incentivou a emancipação. Historicamente, tal facto devia ter acontecido na Primeira República, ou seja, na mudança de um regime para outro, ficando a criação do concelho como uma marca dessa alteração regimentar. Tal não aconteceu. Só com a revolução de 28 de Maio e pela mão do Almirante Jaime Afreixo, é que S. João da Madeira atingiu o seu objetivo.

Existe outra curiosidade associada à emancipação. Precisamente a sua comemoração como feriado municipal. Apesar da referência ao orago no seu topónimo e da identificação da população,  precisamente com o nome do santo, não foi escolhido o dia 24 de Junho para feriado local. Uma exceção regional, com laivos da moderna laicidade.

Esta segunda curiosidade permite refletir sobre a relação da população com a povoação. É conhecida e tem sido estudada, a ligação do homem com a terra. O sentimento de posse, tão útil na economia de subsistência, é transferido, com a mudança para a economia de produção, para outros valores. O conceito de comunidade modifica-se por conseguinte e a ligação ao território passa a ter outra importância. O bairrismo é a consequência desta modificação económica e social. E neste sentido, festejar o território como feriado municipal em detrimento de valores religiosos, acentuou a componente moderna da povoação, durante o século XX.

É certo que no século XXI, a agora cidade, já não pode viver isolada sobre ela mesma. Os tempos alteram-se de novo, as fronteiras territoriais “desapareceram” e a relação com as povoações vizinhas passaram a ser de parceria, sem prejuízo para qualquer das partes. A circulação dos habitantes desta região pelos vários concelhos, em função da oferta económica, residencial, social, cultural e mesmo turística, não esquecendo a prática desportiva, é, nos dias de hoje, o principal factor a caraterizar este vasto território, inserido no extremo sul da área metropolitana do Porto.

A diferenciação nos equipamentos poderá ajudar a fomentar a atratividade da cidade, mas tudo só estará completo se houver ajustamento social e recetividade à mudança, tal como foi evidenciado durante o século passado.   

         

(a publicar no dia 06/10/16)

quarta-feira, setembro 28, 2016

"Setubro" ou "Outembro"?

A disputa partidária, em torno da reabertura da urgência no hospital de S. João da Madeira, não permitiu o melhor esclarecimento à população local.

               Compreende-se o regozijo de quem defende o Serviço Nacional de Saúde, por se ter obtido uma valência que imprime um carater de maior proximidade à população, após meses de luta, incluindo a organização de petição, que poderá ter culminado com a reversão do anterior acordo entre o Estado e a Santa Casa da Misericórdia de S. João da Madeira (SCM).

Sendo certo que existe uma data prevista para o Hospital albergar de novo o serviço de urgência, aberto 24 horas por dia, será necessário perguntar se este desfecho é suficiente para melhorar a oferta de cuidados de saúde da população de S. João da Madeira?

               Há um exercício imediato que devia ser feito, comparar o que está previsto ficar disponível em Janeiro de 2017, com o acordo revertido com a SCM, que deveria ter entrado em vigor no princípio deste ano. O jornal labor, por ocasião da divulgação das intenções Ministeriais, publicou a comparação do atual estado do Hospital com os ganhos associados, tendo-o efetuado de forma factual.

Atendendo à recente divulgação do decreto de lei no mês de Agosto, seria um trabalho jornalístico consequente fazer a publicação da referida comparação, para permitir aos leitores tirar as devidas conclusões. A sugestão não pretende ser uma interferência na linha editorial do labor. Sendo estes artigos, apenas de opinião, ser eu próprio a divulgar esse estudo, seria maior a ingerência. Além disso, já manifestei anteriormente a defesa da entrega da gestão do hospital de S. João da Madeira à SCM, pela sua história na criação do mesmo e pela competência que tem demonstrado ao longo dos vários anos na gestão das suas valências, muitas delas em parceria com o Estado Português. Por isso, ser eu a dinamizar a comparação, ficaria sempre a ideia de que não seria isento, independentemente do resultado obtido.

Antes de avançar, recordo que o acordo com a SCM, mantinha o Hospital no Serviço Nacional de Saúde, com a gestão a ser assegurada pela entidade sanjoanense, à semelhança de outros acordos que o Estado fez com a União das Misericórdias.

Dentro do princípio da incerteza da data para abertura das urgências, surgiu o anúncio de obras no Hospital para acolher a nova valência. Mesmo os mais otimistas ficaram receosos, prevendo um adiamento para data dúbia – o título deste texto pretende exemplificar isso mesmo.

Espera-se um cumprimento do prazo e que a população da cidade e dos arredores possa rapidamente ver melhorada o seu acesso aos cuidados hospitalares.

Os acontecimentos do último ano na maioria dos Hospitais nacionais, com tempos de espera híper elevados e sem camas para internar doentes, terão pesado de que maneira para a reabilitação da rede de urgência nacional.

É importante, contudo, deixar um alerta.

Mais do que motivos partidários, o que levou no passado ao encerramento das urgências em S. João da Madeira, foram as estatísticas da adesão de utentes aos serviços. A reduzida frequência da população durante o período noturno, culminou com o seu fecho. Para evitar um desfecho idêntico no futuro é imprescindível informar a população da abertura da urgência, evitando-se a procura do Hospital S. Sebastião como primeiro acesso ao atendimento público. Do mesmo modo, dispersar durante o dia, a urgência por Centros de Saúde, dará um mau resultado estatístico, com consequências imprevisíveis dentro da dinâmica do Centro Hospitalar do Entre Douro e Vouga.

Estou convicto que o verdadeiro balanço sobre o estado do Hospital será feito em Janeiro de 2018. Confiando que à época, a vida hospitalar não se resumirá a um ou dois pisos ocupados e a uma urgência com pouca frequência. Se assim acontecer, de pouco serviu a reversão.

 

(a publicar no dia 29/10/16)

quarta-feira, setembro 21, 2016

O fim do verão

                A época estival, marcadamente quente e seca, está a terminar.

O bom clima e os fogos florestais, relativamente distantes, permitiram à piscina municipal de S. João da Madeira acolher um número considerável de visitantes, durante os últimos três meses. O novo mini parque aquático, consequência de investimento autárquico, incrementou a condição de espaço de lazer da piscina pública, todavia continuando a diferencia-la dos equipamentos semelhantes da região.

Por outro lado, as condições climatéricas permitiram uma boa adesão de público aos eventos organizados no centro da cidade - com a Câmara Municipal a assumir um maior protagonismo.

A animação em Junho, com a ocupação do Jardim, obedeceu à lógica partilhada de organização conjunta entre a autarquia e as várias associações locais. Uma prática comum, durante os meses mais frios em inúmeros acontecimentos, que tem o seu apogeu na instalação das barraquinhas associativas, pelo jardim fora, nos derradeiros dias da Primavera.

Para os meses de verão, a Câmara Municipal arriscou regressar sozinha à animação da Praça. Com festas temáticas, trazendo para o efeito grupos musicais, com boa capacidade de puxar o público para a dança, tal o ritmo rápido que imprimem aos seus concertos.  

De realçar o risco, ao promover eventos no último fim-de-semana de Julho e mesmo durante o mês de Agosto, em plena época de debandada dos habitantes locais para zonas balneares. Pelos relatos da imprensa, acompanhados de fotografias demonstrativas, permitiu verificar-se a boa participação da população.

Pode-se fazer a analogia com a conclusão do segundo parágrafo deste texto, ajudando o leitor a perceber melhor a referência à piscina municipal: com produtos diferenciadores há público, logo a população permanece em S. João da Madeira, recebendo alguns forasteiros e em alguns espaços municipais pode-se ter enchentes, beneficiando com isso a cidade, os seus moradores e os agentes económicos das zonas envolvidas.

Não posso deixar de abrir um parêntesis para referir a capacidade de mobilização que a Festa Salsices Antigas imprimiu ao contexto local. Sendo certo que tenho que salvaguardar a minha declaração de interesses, por ter sido membro da organização da mesma, apenas para prestar homenagem a um malogrado amigo, não tendo qualquer interesse comercial com o evento. Independentemente de toda e qualquer interpretação que possa ser atribuída ao que vou de seguida escrever, o facto de o bar “Pé de Salsa” e a rua terem ficado repletos, inclusivamente beneficiando o negócio dos vizinhos, prova que é possível aos empresários captaram clientes.

Perante estes factos, existem quatro possibilidades para a autarquia promover a animação para as próximas estações, caraterizadas por eventos em locais protegidos do frio e sobretudo, da chuva. Ou continua a suportar-se nas Associações locais, esperando que o voluntariado seja capaz de agregar público em torno dos eventos. Ou permite que as Associações assumam a sua capacidade organizativa e demonstradora de magnetismo social, como é o caso do evento “Party Sleep Repeat”, promovido pela Associação Cultural Luís Lima. Ou assume o mesmo risco, como no verão e especialmente, na Poesia à Mesa, de continuar sozinha a promover os eventos. Ou, finalmente, permite a entrada em cena de agentes privados, numa parceria alargada visando o benefício da população da cidade.

Explicando melhor este último ponto. A parceria não deve resultar unicamente no aluguer de instalações, pode e deve ser inovadora e diferenciadora, pela introdução de novos conceitos, de novas dinâmicas, que poderiam dar bons resultados para o futuro, despertando essencialmente o interesse de outros agentes, em particular, culturais e com isto trazer mais-valias para o concelho, aproveitando as infra-estruturas que existem na cidade, criando-se uma forte agenda cultural, sem estar dependente do orçamento da autarquia.     

O Outono começa hoje.

 

(a publicar no dia 22/09/16)

quarta-feira, setembro 07, 2016

Salsices Antigas nos 30 anos do Pé de Salsa

                A penúltima transformação urbanística de S. João da Madeira ocorreu em 1986, com a criação da Zona Pedonal, na Praça Luís Ribeiro e ruas adjacentes.
                (a última está a decorrer na recuperação das instalações da antiga EIC e Oliva)
                Numa dessas ruas, mais precisamente na Padre Oliveira, surgiu um estabelecimento comercial que viria a alterar o conceito de diversão no centro da cidade, concretamente o Pé de Salsa bar, inaugurado a 9 de Setembro do ano atrás mencionado.
                Num espaço inicialmente destinado à instalação de uma casa de máquinas, o bar introduziu novidades no quotidiano local: as cadeiras de lona tipo cineasta, a pouca luz amarelada, a cerveja servida em canecas de cerâmica branca, as bases em cortiça para suportar os copos de vidro, o serviço de chá e as fatias de bolo caseiro a acompanhar, o tabuleiro de xadrez e música, a dar ambiente sonoro às conversas dos clientes. Pela época, eu ia entrando timidamente por lá e foram estas as recordações que ficaram. Lembro-me da lista telefónica registada num armário e de um horário mais noturno e só menciono isto, por ter ali passado um sábado à tarde, a ajudar um amigo a pendurar os seus quadros, com a grade, que funcionava como portão de acesso, fechada e sem mais ninguém dentro no bar.
Havia naquele ambiente de novidade um transportar para outras paisagens: atrás do balcão eram pendurados os bilhetes de concertos, visionados por algum dos clientes, ou mesmo pelos sócios do espaço, Pedro Marreiros e Hélder Cardoso. Prática comum em bares existentes no Algarve, geridos por estrangeiros residentes em Portugal. No meio daqueles ingressos estavam colocados os de acesso ao futebol, não havendo por ali espaço para desconsiderações intelectuais.
Quando a minha timidez foi vencida, no que fui ajudado pelas afinidades musicais com os outros clientes, mais assíduos, do Pé de Salsa, passei a frequentar mais o espaço, tornando-me igualmente habitual. Assisti a mudanças da sociedade comercial, ao alargamento do horário, à montagem de esplanada, à instalação da máquina de cerveja à pressão, à venda de gelados, à ampliação das instalações, com a aplicação de uns panos pretos provisórios a tapar as partes inacabadas, que foram retirados alguns anos depois, já coçados pelo fumo de cigarros, quando finalmente as obras terminaram. Vi a parte superior da Rua Padre Oliveira completamente cheia, o bar a abarrotar e também ali estive em noites desoladoras. Todos recordamos o primeiro Carnaval, em que não foi necessário ir para a diversão na vizinha Ovar, tal foi a folia vivida no bar sanjoanense, o que se repetiria nos anos seguintes.
O que tornou icónico o Pé de Salsa, fazendo do bar um símbolo dos anos 80 da década passada, foi a interação com os clientes, especialmente promovida pelo Joaquim Carvalho, falecido este ano. Várias eram as noites, em que clientes a certo momento passavam a estar a trabalhar atrás do balcão, ou no serviço de bar, ou a colocar música, ou mesmo a lavar copos à mão, antes de haver máquina apropriada. E o contrário também acontecia: assistir a concertos, a filmes, a jogos de futebol, participar em jantares, passeios, férias, além de outras atividades de grupo, incluía muitas vezes os donos do Pé de Salsa.
Nestes últimos meses assisti ao desfilar das memórias, expressa em homenagem ao Quim, por testemunhos individuais escritos no facebook. Dada a componente multimédia das redes sociais a indexação de músicas foi o fio condutor. Presentes estavam as palavras de gratidão e de reconhecimento da amizade, sobre o grande ser humano que foi o Joaquim Carvalho. Descobri, entretanto, que existem fiéis depositários da receita do molho de cachorro, por ele introduzida nos cardápios sanjoanenses. E lembrei-me que cheguei a exportar para a Bélgica, a ideia de fazer palavras cruzadas, ou atualmente o sudoku, utilizando o fino guardanapo de papel, possibilitando a posterior realização dos passatempos a outros interessados – uma prática de partilha das páginas do jornal, que caraterizava o Pé de Salsa.
Em Janeiro deste ano, no momento solene do funeral do Quim, o reencontro com o Pedro Marreiros deixou-me uma tarefa, de participar na organização dos 30 anos do bar por ele fundado, que serviria também para a respetiva homenagem póstuma. De nada serviria informar o Pedro que já não moro, nem trabalho, em S. João da Madeira. Fiquei com o encargo. Só depois de agendar a data com o bar, logo em Fevereiro, é que me apercebi que não tinha o contacto de nenhum dos restantes organizadores, todos eles residentes fora de S. João da Madeira. Os meses foram passando e em Junho era chegado o momento de arregaçar as mangas. Primeiro procurei os números de telefone dos restantes organizadores. Transmiti o meu plano a quem me tinha encomendado a tarefa, limaram-se arestas, batizou-se o evento e sem esforço e muitas vezes por acaso, encontrei quem tinha delineado envolver nesta organização. Curiosamente, a receção de todos foi fantástica o que facilitou a tarefa.
É pois neste misto de recordação, homenagem, encontro geracional, que se espera uma noite de comemoração, muito divertida, como outrora. Para isso, recriando o ambiente sonoro estarão 5 Djs e serão projetadas imagens com alguns anos.
Haveria mais para fazer?
Talvez haja oportunidade daqui a uns anos.
 
(a publicar no dia 08(09/16)

quarta-feira, agosto 31, 2016

Dias de Agosto

A 1 de Agosto sou informado do falecimento de Moniz Pereira. Com ele, aprendi a simpatizar com o adversário. Dele sorvi o conceito de desporto olímpico e claro, vibrei com os atletas treinados por ele e os seus feitos heróicos. Simpatizava bastante com o “senhor atletismo” e não tenho pejo em afirmar, que terá sido o melhor dirigente do seu clube.

De férias rumo a Santiago de Compostela. Com a família – esposa e filhos – arranco de Valença e pé ante pé, desço ao rio Minho no início de uma jornada que terminará 120 quilómetros depois. 5 dias com tempo ameno, chuva e calor abrasador. Paisagens deslumbrantes, a ouvir o som dos melros e dos corvos a acordar, encontrando os mais curiosos peregrinos e outros personagens bizarros à face do caminho. Trajetos vencidos. Descanso merecido ao cair do dia. Sem chamadas telefónicas constantes, sem jornais para ler, sem televisão para ver, despreocupado com a ocupação laboral, apenas o Caminho Português e a contagem decrescente de quilómetros para o final da etapa diária e claro, tendo como horizonte o chegar à Catedral. Jamais tinha efetuado várias jornadas seguidas a caminhar. No meu historial contavam-se os episódios isolados nas serras de Arouca e umas horas nos Pirenéus. Hei-de voltar. Olho para mapa de Espanha e os 30 dias do Caminho Francês ficam projetados para o futuro.

Regresso a casa com o país a arder. Três dias rodeado de fumo. A Norte, a Sul e a Este, nos nossos concelhos vizinhos, as notícias são preocupantes.

Em casa, concentro-me nos Jogos Olímpicos. 12 anos a acompanhar a performance de Telma Monteiro e no dia dos seus combates, estou a descansar em frente ao televisor, sofrendo e vibrando com o desenrolar dos acontecimentos. Grito a cada vitória, resigno-me com a derrota, acredito na repescagem e na conquista da medalha de bronze. Vejo o último combate de pé em frente ao televisor a incentivar a nossa atleta. Extravaso a emoção com a vantagem conquistada no tapete. Olho para o relógio, começo a pedir calma, concentração e defesa. Volto a olhar para o cronómetro e aqueles segundos demoram a passar. O meu monólogo está quase a acabar, emociono-me com a vitória e saio a correr da sala, berrando pelo bronze conquistado. Só mais tarde é que vi a euforia de Telma Monteiro no pavilhão. Percebi-a perfeitamente.

No dia seguinte, influenciado pela medalha portuguesa, deixo-me contagiar pela comunicação social e vejo em cada atleta a competir a possibilidade de conquistar medalhas. Paro para refletir. Ao atleta desconhecido de slalom da canoagem, repescado no apuramento para os Jogos, com performance mediana, com o 9º tempo na meia-final, fica o país à espera de um milagre e de mais uma medalha. A resposta de José Carvalho, no final da sua prestação foi lapidar, “a única coisa que peço é uma pista para poder treinar”. Não há nenhuma no país e recordo-me sempre da minha sugestão ao presidente de uma junta de freguesia do concelho vareiro, para criar equipamentos desportivos diferenciadores e não cair na tentação de repetir as soluções dos outros, deixando-lhe precisamente a sugestão de adaptação de um ribeiro para uma pista deste desporto aquático, aproveitando a mais-valia para atrair praticantes da modalidade de toda a Europa. Penso que até hoje ainda não percebeu a minha sugestão.

Ao dia 10, fujo outra vez do país.

À chegada ao país vizinho, recebemos um comentário jocoso do recepcionista hoteleiro sobre os fogos em Portugal: “Arde todos os anos”. Ao longe assim parece, para quem cá vive, percebe a diferença geográfica. Num ano arde mais num distrito, noutro ano é um pouco mais ao norte a incidência, no ano seguinte é mais ao centro, ou ao sul e por aí fora. Ano após ano, há décadas que é assim. Ao longo dos dias de descanso e de mergulhos em águas frias, leio os relatos, os comentários, a apresentação de soluções, o pedido de aumento da pena penal e de outras considerações. Reconheço em alguns pontos de vista o aproximar da racionalização dos meios de combate através da Força Aérea, que há anos defendo. Começa-se a escrever que o trabalho de sapadores deve ser efectuado pelas Forças Armadas, o que também é importante na defesa do património nacional. Só lamento que ninguém tenha escrito que a vigilância deva ser exercida precisamente pelas Forças Armadas. Não apenas como vigilantes passivos, instalados em torres altaneiras com binóculos, mas tendo como missão fazer o patrulhamento dos acessos às matas nos concelhos com maior área florestal. Com os meios ao dispor no Exército, muito dificilmente haveria corajosos para entrar numa escura mata da aldeia de Janarde, concelho de Arouca e incendiá-la numa frente de cinco quilómetros. Enquanto assim não for, vamos continuar a discutir o mesmo todos os anos. A verificar quanto custa apagar incêndios. Qual o desperdício do Estado ao entregar o dinheiro a autarquias para o trabalho de sapadores não ser efetuado. A constatar que uma das várias taxas sobre os combustíveis é precisamente para assegurar essa mesma verba e até que nos questionamos se não estamos perante uma situação de dolo e não deveria haver uma intenção por parte do Ministério Público para apurar responsabilidades.

Ainda nas férias, sigo à distância os dias dos Jogos Olímpicos. A perspetiva Espanhola é muito nacionalista. Qualquer jogo ou prova de qualquer competição na qual participem atletas Espanhóis tem preferência de transmissão televisiva, não se inibindo de interromper a emissão, remetendo o telespectador para a internet, se pretende continuar a visualizar uma prova, incluindo uma final. O ideal olímpico fica alterado.

Num dia de chuva, tréguas nos banhos, regresso a Bilbao 16 anos depois. Escrevi há dias neste jornal sobre o efeito Guggenheim na política portuguesa e a sua consequência na regeneração de várias cidades portuguesas, incluindo S. João da Madeira. Na cidade da Biscaia tudo se transformou. Não houve equívocos. Na continuidade do Museu, as margens da ria foram entregues à população. Grandes passeios a ladear o efluente, com pistas para a prática de actividade física. Equipamentos desportivos como tabelas de basquetebol, 15 num recinto de street basket, pista de patinagem inseridas sob um vão de uma ponte. Parques infantis com inúmeros aparelhos e boas áreas de piso apropriado, rodeados de bancos para os familiares vigiarem os mais novos e poderem conversar uns com os outros. As inevitáveis esplanadas para turistas e para os próprios habitantes da cidade. Se tudo isto já era bom, devo continuar a descrição, indicando que nas áreas onde havia contentores, há agora edifícios emblemáticos de grandes empresas, mais outros edifícios culturais e até centros comerciais. A regeneração de Bilbao impressionou-me pela positiva. Havia gente por todo o lado. Muitos turistas. E tudo começou pela aposta num edifício emblemático. 

Já em Portugal, numa chuvosa manhã tão carateristica do clima Nortenho de Agosto, sou surpreendido por uma notícia de última hora do jornal Público, o hospital de S. João da Madeira voltará a ter urgência aberta 24 horas. Adivinho as manchetes da primeira edição de Setembro dos Jornais locais.

É tempo de rumar ao sul. Ao sol, ao sal em águas quentes, ainda por cima com ondulação. Regresso aos dias de praia com mergulhos repetidos e com a vontade de sempre em fazer carreirinhas, em baixa-mar, tentando sempre alcançar o areal transportado pela onda, o que na minha idade seria um feito notável. 

O Senhor Palomar acompanha-me nos últimos dias de Agosto. O livro de Italo Calvino, simples, atira-me para a desconstrução da realidade.

A 30 de Agosto volto a escrever. O poder de síntese parece ter desaparecido.

 

 

terça-feira, julho 26, 2016

O ano ficou resolvido

                Em Dezembro, no último dia do mês, vaticinei que 2015 não tinha ficado resolvido. Havia alguns assuntos que tinham sido adiados para o presente ano.

As eleições intercalares locais, logo em Janeiro, trouxeram mais tranquilidade política à cidade, com a saída de cena de alguns instigadores de politiquice, tendo como lema opor-se a projetos municipais, apenas numa lógica partidária e pouco progressista.

Sensivelmente no mesmo mês, dentro da mesma desarmonia partidária - apesar do parecer, solicitado ao Tribunal de Contas, considerar no mínimo inócuo para o Estado, a devolução da gestão do Hospital à Santa Casa da Misericórdia de S. João da Madeira (SCM) – anunciou-se a reversão da restituição, sem se estudar a fundo as vantagens, ou desvantagens, de outros acordos de gestão hospitalar com outras Misericórdias do País.

De âmbito diferente, de carater mais desportivo, no mesmo texto, fazia votos para que em 2016, a ADS subisse de divisão em Basquetebol, o que veio a verificar-se.

Por fim, o outro assunto abordado, estava relacionado com a natação e com a hipótese de Ana Pinho Rodrigues voltar a ser atleta Olímpica, nos Jogos do Rio de Janeiro.  

A semana passada, no dia 20, ao anunciar os atletas participantes neste grande evento desportivo, que se inicia no próximo dia 5 de Agosto, no Brasil, a Federação Internacional de Natação deixou de fora a atleta sanjoanense, apesar de esta ter alcançado mínimos B. Refira-se que o tempo de prova alcançado abaixo de um determinado valor predefinido são considerados tempos de admissão às competições, designando-se na gíria deste desporto como, mínimos A, correspondendo à entrada imediata nas eliminatórias das provas de Natação dos Jogos Olímpicos. Para os atletas que ultrapassem aquele valor, existe uma segunda barreira de admissão, os mínimos B. Nestes casos, o número de vagas vai depender do número de atletas que tiverem obtido os mínimos A, ou de outros critérios da Federação Internacional, como, por exemplo, os convites para atletas de países emergentes na modalidade.

Sendo certo que Ana Rodrigues ficou de fora dos Jogos do Rio de 2016, é importante enaltecer que a sua performance no último fim-de-semana no Campeonato Nacional Absoluto / Open de Portugal não ficou minimamente afetada por tão má notícia. A atleta da AEJ conquistou três medalhas de ouro e duas de bronze. Subiu cinco vezes ao pódio nas cinco provas que disputou. Numa delas, 50 metros livres, bateu o recorde nacional e nos 100 metros livres obteve um tempo, 55 segundos, que lhe permitiria estar presente no Rio de Janeiro, caso este Campeonato ainda fosse considerado para o apuramento. Um final de época fantástico, com 3 títulos de Campeã Nacional, que não retiram a amargura por não se repetir a façanha de estar presente nos Jogos Olímpicos.  

Desta forma, ao encerrar o período de escrita para as merecidas férias, verifica-se que os assuntos do passado estão praticamente encerrados.

O pouco que se pode esperar deste ano de 2016, já terá um cheirinho a 2017.

Na política local o desenlace das eleições locais, legitimou o executivo a proceder aos investimentos necessários para a execução de obras e outras melhorias, algo que está já a decorrer e assim permanecerá, até ao próximo ano, que como se sabe, terá eleições autárquicas. Este processo ganhará a partir de Outubro uma enorme atenção, com a definição e apresentação dos candidatos e condicionará o quotidiano da imprensa local.

Relativamente ao hospital, nada está concluído. A transferência da sua gestão para a SCM recebe cada vez mais apelos, mesmo escritos, por os cidadãos não se reverem no modelo criado pelo Estado.

O investimento de um grupo económico numa clínica, acrescentando mais interesse privado na área da saúde em S. João da Madeira, retira argumentos aos detratores do acordo da SCM. Aliás contínua a ser redutor para esta instituição, que tem vários protocolos com o Estado, através dos seus Ministérios, julga-la apenas pelo serviço de assistencialismo, ou mesmo de Misericórdia. Relembre-se que a SCM iria fazer a gestão hospitalar de acordo com as exigências do Ministério da Saúde e com uma verba menor.

Convém recordar que o Estado, na assistência de saúde que garante aos seus funcionários, através da ADSE, tem acordos com vários hospitais privados e segundo vários especialistas na matéria, caso não existissem esses protocolos, muitos desses estabelecimentos não estariam a funcionar. O desmascarar desta hipocrisia poderá ser o caminho para inverter a reversão. Só que isso, já não será para este ano.

Para o regresso em Setembro, a cidade estará concentrada nas comemorações do nonagésimo aniversário da elevação a Concelho.

Até lá, votos de boas férias.

 

quarta-feira, julho 20, 2016

Do léxico da política

                Ao escrever o comentário político, dou por mim a utilizar várias vezes as palavras regeneração, requalificação, reabilitação e também, revitalização.

                Pensei tratar-se de alguma deformação pessoal, aplicada à escrita. Passei a estar mais atento aos textos dos outros. Verifiquei que ao ler a imprensa local, vejo várias vezes os agentes da política a pronunciarem aquelas palavras. O mesmo acontecendo com outros articulistas. Nas peças de jornalistas é também frequente a referência aos vocábulos.

Mesmo nas notícias da imprensa nacional sobre as mais variadas autarquias é usual aparecem aquelas quatro palavras, que pressupõem ação.

Ainda julguei tratar-se de um fenómeno da política local, no entanto, com maior atenção, verifiquei que a generalidade dos políticos utiliza verbos começados por “re”. Exemplo, o termo mais usado em 2016, na política nacional, tem sido “reverter”. Outro exemplo, a constante alusão à necessidade de “reformar” o Estado. Além destes exemplos mais comuns, utiliza-se circunstanciado os verbos repensar e recriar. Em matéria ambiental são usualmente referidos ações para reduzir, reutilizar e reciclar.

Existe, portanto, na generalidade da política nacional a propensão para a utilização de verbos com prefixo “re”. Há um léxico político, com o tal prefixo de origem latina. Ora, investigando o seu significado, chega-se ao seguinte resultado: “para trás”, ou seja, repetição. Esta evidência provaria que a linguagem política é tudo menos progressista, ou seja, está imbuída de uma tendência para a regressão.

Neste sentido ao analisar-se o vocábulo “revolução”, cuja origem está relacionada com a Astronomia, ou seja, com o tempo que um astro demora a percorrer a sua órbita, voltando, portanto, ao ponto de origem, verifica-se que o seu uso em ciências como a Geometria e a Física é semelhante, no entanto, em matéria política e social, tudo se altera. Neste último contexto, a revolução pressupõe uma mudança radical dentro de uma sociedade e em termos políticos é uma alteração violenta das instituições de um país.

A evolução do termo revolução, ou os seus diferentes significados, poderia traduzir-se em igual desenvolvimento nos usuais vocábulos da política. O prefixo latino “re” serviria como indutor de mudança. Não bastando qualificar, nem habilitar, nem vitalizar uma área, uma praça, uma rua. Ao introduzir-se o prefixo, está a transmitir-se a ideia de que algo de novo vai surgir, que tudo vai começar do zero – o tal inicio da órbita.

Em contrapartida, analise-se outro termo de origem latina: redundância. Repetições de ondas, no original. Nos dias de hoje pode ter vários significados: pleonasmo; repetição inútil, repetição desnecessária de termos para expressar a mesma ideia; vício de linguagem que consiste em dizer, por formas diversas, sempre a mesma coisa; insistência desnecessária nas mesmas ideias.

Neste sentido, muitas vezes uma reconstrução ou restauro, seja de um espaço ou de um edifício público não se traduz em mais do que isso. Admitir tal pressuposto é redutor, daí que qualquer anúncio de projeto de intervenção política, implica sempre a utilização de uma das quatro palavras mencionadas no primeiro parágrafo, para a ação a desencadear, quando na prática nada disso acontecerá. A redundância será evidente anos depois, pela inutilidade da intervenção.

O léxico da política anda em torno da repetição. A repetição pode estar associada ao começar de novo, ainda assim com tendência para manter trajetórias ou, por outro lado, ao insistir desnecessariamente nas mesmas ideias.

A melhor conclusão é que a política precisa de um dicionário novo.

 

(a publicar no dia 21/07/16)

quarta-feira, julho 13, 2016

O cisne negro

                Resisti durante um mês a escrever sobre o Campeonato Europeu de futebol. Semana após semana, desde 10 de Junho, fui adiando qualquer texto, sobre o desempenho das várias seleções, incluindo a de Portugal. Tento sempre escrever um artigo coincidente com estas provas desportivas de maior visibilidade. Falhei o Mundial de 2014, sobretudo, devido ao prematuro naufrágio Português mas, em compensação, a 10 Setembro de 2015, a propósito de um jogo França – Portugal, ainda que amigável, não tive problemas em evocar o direito de desforra, por todas as derrotas sofridas desde 1984, passando pelo ano 2000 e por 2006.

                Neste Euro fui-me segurando. Apesar das primeiras imagens de França serem semelhantes a episódios que antecederam a Primeira Guerra Mundial, com europeus orientais a atacarem europeus ocidentais e vice-versa, resisti a fazer qualquer analogia histórica, criticando os excessos nacionalistas, associados às claques de futebol. Apesar de a UEFA ter abandalhado o Campeonato, dando entrada a 24 seleções, quando há 20 anos, disputado por 8, era sem dúvida, o Campeonato mais competitivo do planeta, abstive-me de fazer comentário, até porque Portugal beneficiou com este sistema, devido ao apuramento com o 3º lugar na fase grupos. Ainda nesta fase, embora seja agora mais fácil escrevê-lo, tive o pressentimento que poderia haver um “outsider” a vencer o Campeonato, saindo esse hipotético vencedor de um lote de seleções em que incluía Croácia, Bélgica, Portugal e País de Gales - estes apenas pelo equipamento, claro… enfim, nem as cores galesas me convenceram a quebrar o silêncio.

                Com o apuramento garantido à Italiana, com um naipe de jogadores experientes, esqueci o desalento dos primeiros empates da seleção Portuguesa e passei a sentar-me em frente à televisão com outro espírito. Habituei-me a ver o cinismo transalpino, germânico (e mesmo o argentino) e fui defendendo em tertúlias de amigos, que só a defender bem é que Portugal teria hipóteses de vitória. Depois foi dada a oportunidade ao miúdo da Musgueira e a emoção superou a racionalidade, dando comigo a terminar os jogos de pé colado ao televisor, quer fosse em casa ou em estabelecimentos abertos ao público, recebendo conselhos de desconhecidos, para me acalmar.

                No dia da Final, durante o jogo, recebi um sms às 20h 52m, portanto, no intervalo do jogo, com o teor que me surpreendeu, “o Éder vai entrar nos últimos quinze minutos e vai marcar o golo da vitória. É a história do patinho feio”. Eu ainda estava preocupado com o meio-campo sem velocidade a defender, com as grandes defesas do Rui Patrício, sabia que ainda faltava uma bola no ferro e já tínhamos o Cristiano Ronaldo lesionado, contudo, achei que sim e partilhei a informação com quem assistia ao jogo comigo. Ouve quem se risse, quem não acreditasse e muitos disseram, “se calhar”. A fezada era igual à de muitos, sobretudo daqueles que, como eu, tinham defendido o rapaz da Adémia, de ataques tardios sobre a sua capacidade de ser selecionável, contra-argumentando com a boa época por si efetuada no campeonato nacional de França, com seis golos marcados, além de ter sido considerado a melhor aquisição no mercado de inverno pelo seu desempenho naquele campeonato.

                Tudo isto terá pesado a Fernando Santos. A partir da última substituição, o jogo de Portugal ficou mais estendido. A emoção redobrou e a querença, sempre que Ederzito tocava na bola, passou a dominar o momento. Todos queriam ver a sua metamorfose no belo cisne negro.

                Podemos argumentar sempre que o fado lusitano se repetiu: infortúnio – com a lesão de Ronaldo; sorte – com a bola no ferro no último minuto; e audácia – um remate inesperado a surpreender o adversário.

Com outra visão, podemos verificar outras qualidades nas nossas vitórias: excelente rigor táctico – 4-4-2, com dois avançados móveis, bem executado, não dando espaço ao adversário, evitando a aproximação à nossa baliza; grande união entre os jogadores – nunca se viu uma discussão em campo e qualquer golo era festejado efusivamente por toda a equipa; boa preparação física – 3 prolongamentos em quatro jogos, jogados em quinze dias; excelente liderança em campo – e até fora dele, como se viu no prolongamento da Final – pelo capitão; magnifica leitura do jogo do selecionador – substituições arriscadas e conseguidas, operando-se mudanças tácticas eficazes, confiando-se nas capacidades dos jogadores lançados.

                Portugal vingou o passado. Ao tornar-se Campeão Europeu de futebol, virou uma página do desporto nacional e a forma como foi conquistado o título, permite encarar as próximas competições com outra motivação e com expetativa elevada.

 

(a publicar no dia 14/07/16)

quarta-feira, junho 08, 2016

O Efeito da Rua das Flores

                No virar do século, após a EXPO 98 e o Porto Capital da Cultura 2001, surgiram pelo país, os programas Polis, tendo em vista a reabilitação de algumas cidades do país, mormente zonas ribeirinhas e frentes marítimas.

                Por essa época, a arquitetura andava fascinada com o efeito Guggenheim exercido sobre a cidade de Bilbau, no país basco, na vizinha Espanha.

                Neste contexto temporal, não podendo os concelhos candidatar-se aos fundos do programa Polis, foi perfeitamente natural, pensar-se em obras emblemáticas e muitos autarcas passaram a conceber reabilitações para instalações de Museus de Arte Moderna, ou em alternativa, a sua construção de raiz, tudo com projetos assinados por Arquitetos de renome internacional.

                O emblemático Museu de Bilbau provoca uma ofuscação no resto da paisagem. Nas margens do rio, todos os olhares se centram naquele edifício. Ninguém repara na linha de comboio na margem oposta, nem nos prédios em volta do Museu, nem nos contentores a ser movimentados para cargueiros, parados nas suas aproximações. O efeito do edifício é mesmo reabilitador. Eu próprio estive duas vezes no mesmo ano na cidade e só no terceiro dia é que me interessei por mais algum edifício, praça ou mesmo rua.

Expondo isto, percebe-se que enquanto autarca de Lisboa, Pedro Santana Lopes tenha convidado Frank Gehry, autor do projeto de Bilbau, para conceber um edifício para a capital. Não se pense que foi caso único, várias cidades na Europa e mesmo nos vários Estados do continente Norte-Americano, trataram de copiar a ideia da cidade Espanhola.

Em 2001, na preparação da campanha eleitoral, para as eleições autárquicas, Josias Gil exprimiu a sua vontade em prometer a construção de um espaço cultural em S. João da Madeira. Nessa sala onde se debatia as futuras promessas, além do autor destas linhas, estava José Lima, colecionador de arte. Entusiasmado com a vontade do político, José Lima, divulgou em primeira mão, a possibilidade de fazer uma parceria com a Câmara Municipal de S. João da Madeira, colocando o seu espólio à disposição da cidade para futuras exposições.

Nascia ali o futuro Núcleo de Arte de S. João da Madeira. Os passos seguintes são conhecidos. Enquanto vereador minoritário, Josias Gil conseguiu convencer os restantes elementos do executivo municipal das vantagens da reabilitação da Oliva e Castro Almeida liderou o processo de reconstrução e dotação do espaço como sala de exposições.

Criou-se uma simbiose entre o casal colecionador e a autarquia. Não sendo caso único em Portugal, já que Elvas criou o seu Museu de Arte Moderna, com a coleção de António Cachola. Citado apenas como exemplo, não pretendendo fazer qualquer comparação de qualquer espécie.

Não querendo alimentar polémicas, nem entrar nelas, não tecerei aqui qualquer consideração sobre arte moderna, nem sobre a sua notoriedade, nem visibilidade em regiões periféricas. Tudo leva o seu tempo e faz-se o caminho, corrigindo-se o que está menos bem, ou mesmo, mal. Só assim, poderá ser consolidada a coleção Norlinda e José Lima, como um importante fator diferenciador do município, sendo uma mais-valia para a futura regeneração a que o centro da cidade vai ser sujeito.

E aqui chegamos ao título do texto. No tempo atual o desenvolvimento turístico da cidade do Porto tem sido amplamente debatido. A revitalização de algumas zonas da baixa da cidade tem permitido um movimento económico alavancado, concretizando-se na abertura de novos e diversificados estabelecimentos comerciais, completando-se na reabilitação de vários edifícios. A Rua das Flores é um exemplo desse paradigma. A tudo isto, acrescente-se a arte urbana, visível na intervenção nas várias caixas de eletricidade, nas quais ficaram estampadas as frases típicas da cidade. Outros exemplos de arte urbana estão espalhados na mesma cidade. São famosos os murais do quarteirão da Rua Miguel Bombarda.

Se tomarmos o Porto como referência para a regeneração do centro da cidade, é importante enquadrar a arte urbana neste contexto. Não podemos esquecer o que já existe: a intervenção do artista Vhils nas paredes da fundição Oliva, em frente à entrada da Oliva Creative Factory; alguns murais na zona da praça Luís Ribeiro e mesmo uma caixa elétrica no acesso da Rua da Liberdade à Praceta Júlio Dinis, em que os avisos sobre os perigos do tabaco, ficaram retratados por um “Pensar Mata”, enquadrados pelas cores de uma conhecida marca de cigarros.

Como se pode constatar existe algo mais de arte urbana, em S. João da Madeira, do que uns sempre criticados graffitis, sobretudo, quando são executados por atos de pouca clareza artística, resumindo-se muitas vezes a atitudes de baixo esclarecimento público.

Apesar disso, considero que a manifestação pela arte, em contexto urbano, deve ser contemplada em qualquer intervenção de regeneração dos degradados centros urbanos e só assim se consegue evitar a praga das pinturas por spray.

 

(a publicar no dia 9/6/16)

quarta-feira, junho 01, 2016

Epopeia Industrial

               O livro “Manoel Vieira Araújo, a sua vida, a sua obra, a sua terra” não me deixou indiferente.

                Ao receber um exemplar, enviado pelo autor José António Araújo Pais Vieira, depois de ter lido as reportagens sobre o seu lançamento na imprensa local, saciei a minha curiosidade percorrendo, naquele modo idêntico ao de folhear, a totalidade do livro. Retive-me nas primeiras páginas, avancei observando as fotografias e respetivas legendas e fui lendo um ou outro excerto, para entender melhor o enquadramento de algum dos tópicos.

                Fiquei com vontade de ler o livro, para conhecer melhor o biografado, a sua família, a sua faceta industrial e mesmo o seu envolvimento comunitário.

                São precisamente sobre estas três perspetivas em que me irei debruçar.

                Conheço desde tenra idade alguns dos descendentes de Manoel Vieira Araújo. Netos e bisnetos, estes mais próximos da minha idade e portanto, da minha geração. Lidei de perto com alguns deles e ao ver as fotografias do livro, reconheci em algumas dessas imagens sorrisos, posições corporais, tipo e corte de cabelo, ou seja, os trejeitos familiares, que perduraram por gerações. Tendo a possibilidade de ainda contactar com trinetos, jovens estudantes em Santa Maria da Feira, identifico-lhes essas mesmas características físicas, o que é uma inconveniência de relatar, pondo-me em xeque perante todas as senhoras das sucessivas gerações.

                No livro, o autor define o comportamento dos filhos de Manoel Vieira Araújo, seus tios e tias portanto, sendo um mais recatado, tímido é a palavra utilizada. Isto ajudou-me a perceber o acanhamento de alguns dos seus descendentes e o contraste que a extroversão que a outros caracterizada e pelo que li, ao biografado também.   

                Neste capítulo, o livro foi importante para conhecer melhor esta família sanjoanense: o patriarca Manoel Vieira Araújo, os seus seis filhos, quinze netos, havendo ainda referência a dois bisnetos. Teria sido um bom complemento ao trabalho do autor, a elaboração de uma árvore genealógica, com a ascendência do casal e com todos os seus descendentes, acrescentando-se os demais bisnetos e trinetos, se for esta a última geração.

               A faceta industrial de Vieira Araújo é sem desassombro a sua grande obra. De moço, aprendiz de ofício a pequeno industrial de chapelaria, é uma história comum em S. João da Madeira. A esta, devemos acrescentar a diversificação de investimentos: o calçado, a camisaria - que podiam entroncar numa perspetiva de aproveitamento da rede de distribuição comercial - e os lápis. Algo simples, esta apresentação, se não referirmos a marca dos lápis, Viarco, que perdura nos dias de hoje como referência nacional. A toda esta capacidade de empreendedor, Vieira Araújo teve visão suficiente para perceber o futuro da indústria de chapelaria. Primeiro como exportador, em anos de guerra na Europa. Depois como concentrador de recursos, apesar de não ter sido ouvido pelos responsáveis dos Ministérios tutelares, no entanto, ainda liderou, em 1969, o nascimento da FEPSA, cuja singular existência no nosso país, nos dias de hoje, provam que Manoel Vieira Araújo esteve muitos anos à frente do seu tempo. O episódio relatado por José António Pais Vieira, sobre o vencimento pago a um trabalhador incapacitado durante dezenas de anos, justificam a admiração pela grandeza da sua obra e também pela forma como reconhecia, nas dificuldades dos outros, as suas origens.

A capacidade de envolvimento de Manoel Vieira Araújo na comunidade, retratada no livro pelo autor, surpreende. O complemento à jornada de trabalho, com a promoção de teatro na ainda aldeia de S. João da Madeira; a presença assídua e descomprometida na primeira comunhão dos seus conterrâneos; as ligações, amizade e o respeito mútuo com João da Silva Correia e Durbalino Laranjeira, nomes referenciados da história local, associado à participação ativa na vida política, primeiro como liberal até ao golpe militar de 28 de Maio e depois como político do regime, incluindo a sua nomeação para Presidente da Câmara, fazem do biografado um dos grandes sanjoanenses.

Apesar das divergências com o vizinho, António Henriques, bastante mencionadas na biografia publicada, Manoel Vieira Araújo soube ultrapassá-las, homenageando o seu conterrâneo na toponímia da localidade e finalizou a reconciliação erguendo-lhe um busto em espaço público.

É aqui que se verifica a importância do minucioso trabalho de José António Araújo Pais Vieira. A recordação do seu avô, da sua vida, da sua obra, do seu contributo para o crescimento da sua terra e no final, fica a sensação que a homenagem de S. João da Madeira a este grande homem, ainda não foi feita.  

 

(a publicar no dia 02/06/16)