terça-feira, julho 21, 2020

Página em branco

Ao exercício semanal de escrever uma crónica ponderei algumas vezes seguir João César Monteiro, modificando a cor das letras em certas sílabas ou palavras por inteiro, colocando-as a branco, assim com letras a branco. Ou seguir a tendência de James Joyce e introduzir sonoridade monocórdica em algumas palavras, esticar com brrrrrio. Já para não referir o estilo português sem pontuação de José Saramago ou as palavras interrompidas a mei

com uma frase inteira, esta pequena para exemplificar

o, utilizada por António Lobo Antunes.

- O que é para ti uma página em branco?

Simplesmente respondi, um desafio. Esquecendo os estilos, as sílabas quer ocultas, quer esticadas, ou interrompidas, ou outra manifestação pontual, para atingir o número de carateres necessários para a edição.

Foram anos desafiantes, com superação das minhas lacunas na escrita, contadas as horas passadas em frente ao teclado à espera da inspiração. Para iniciar um texto, para avançar no conteúdo, ou mesmo para rematar uma crónica.

As primeiras impressões vinham dos meus pais. Nem imaginam a emoção que lhes provoquei ao escrever sobre as suas origens, as suas casas maternas: fotografias nas paredes de Pombal e as portas e janelas de Gaia.

Eu recatado e numa assembleia geral:

- Começo por procurar a tua crónica e só depois leio o resto do jornal.

Eu desarmado, não esperando a relevância. Sempre sem saber o que responder.

Na zona desportiva municipal, sem no fundo da piscina a minha sombra:

- O rapaz tem um dom.

Em discurso direto e eu atrapalhado, habituado à indiferença dos amigos, à ausência de leitores no meio fabril, à educada

- Costumo ler-te.

Ou o reencontro

- A ti, ainda te vejo no jornal.

Longe da página de necrologia, respondia eu com humor negro.

Sem mais argumentos e com ausência de contraditório.

Não alimentei polémicas, preferi não comentar as respostas dos partidos do espectro político, sobretudo, da esquerda.

Uma colaboração no labor colada pelos anos, a Hora do Ardina referenciou-me na primeira página, repetindo-se a faceta quando assumi a defesa de uma instituição de São João da Madeira. Optei pela cidadania, em detrimento da independência com proximidade partidária.

Seguiu-se o reconhecimento, os amigos não indiferentes, telefonemas agradecendo menção, deixei de escutar 

- Costumo ler-te.

Nunca mais ouvi

- A ti, ainda te vejo no jornal.

Ainda a mesma atrapalhação pessoal.

Se voltar à piscina municipal, sem no fundo a minha sombra, vou explicar que escolhi escrever para comunicar com todos, para compensar a ausência, por raramente ir de dia à Praça, ou a qualquer café, nem frequentar a piscina, nem sair à noite na cidade, entre outros hábitos comunitários. Um gesto anacrónico, que foi acolhido por simpatia pelos leitores e que me permitiu estar presente na cidade em que nasci, vivendo afastado. Foi apenas isso, um contributo cívico. Nenhum atributo, Luísa.

O desafio desta semana está terminado. Espero que o leitor referenciado, prossiga na leitura do jornal labor com um sorriso nos lábios.

Assim me despeço destas páginas, agradecendo a todos a atenção dispensada, em especial, aos leitores que com os seus comentários me permitiram ter força para escrever e em particular, à direção e demais elementos da redação, pela paciência demonstrada em me editar.

 

(a publicar no dia 23/07/20)

terça-feira, julho 14, 2020

Esperar sentado

A entrevista à RTP3 de Pedro Nuno Santos (dia 08 de julho com Vítor Oliveira) causou algum desconforto no meio político. 
Fiel à sua ideologia, Pedro Nuno anunciou preferir votar em qualquer outro candidato presidencial, que não Marcelo Rebelo de Sousa, mesmo que essa candidatura não fosse protagonizada por qualquer militante do PS, podendo mesmo votar em candidatos oriundos de outra forças políticas de esquerda. O ministro das Infraestruturas e Habitação seguiu a divergência de outros militantes do PS, que, por sua vez, optaram por incentivar uma candidatura de Ana Gomes às eleições presidenciais, como por exemplo, o antigo eurodeputado Francisco Assis. 
Com estas posições plurais, que em nada ofendem, nem beliscam, o mandato do atual Presidente da República, coloca-se a hipótese de se apresentarem a sufrágio várias candidaturas, o que enriquecerá o debate, quebrando a unanimidade em torno do anunciado vencedor, o que permitirá enaltecer o ato eleitoral e o seu resultado.
Obviamente que a entrevista do nosso conterrâneo não se limitou a este assunto. Provavelmente o maior destaque foi o assumir de clivagens com o Primeiro-Ministro, optando o sanjoanense por virar à esquerda, quando o chefe de governo se decidir pela direção oposta. 
Na semana anterior,  se bem se recordam, o destaque da comunicação social nacional havia sido as assumidas divergências de Fernando Medina, em matéria de saúde pública.
Perante este cenário contestatário de dois destacados militantes do PS, as reações não se fizeram esperar. O próprio presidente do partido, Carlos César, em defesa do Primeiro-Ministro, anunciou que este estaria com intenções de governar a médio prazo, pelo que, perante a pergunta na entrevista publicada no dia seguinte no jornal Público, em conjunto com a Rádio Renascença, aconselhou aos dois potenciais candidatos a substitutos de António Costa, a esperarem sentados.
A convergência dos partidos de esquerda parlamentar em 2015, apoiando um governo do Partido Socialista, apesar da desconfiança de setores de direita, produziu resultados, que seriam improváveis anos antes.
A 8 de setembro de 2018, a jornalista do jornal Público, São José Almeida, com o seu longo percurso de acompanhamento da atividade do Partido Comunista Português, escrevia ter ficada surpreendida ao assistir às imagens editadas pela RTP, em que um militante do partido indignava-se com o seu secretário-geral pelas conquistas serem apenas sociais-democráticas, o que estaria a provocar criticas e divergências internas.
No mesmo capítulo, se bem se lembram, nas eleições legislativas de 2019, o Bloco de Esquerda apresentou-se como social democrata.
O arco de poder, estendido a estas duas forças políticas, alterou-lhes a visão ideológica. Para isso, muito contribuíram as horas de negociação lideradas por Pedro Nuno Santos, enquanto Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, até ter assumido o cargo de ministro.
É esta a grande vantagem de ficar sentado nos próximos anos. Pedro Nuno Santos é reconhecido pela esquerda. Qualquer jovem militante dos demais partidos de esquerda sabe quem ele é (o que não é fácil para um ministro de um governo do PS). Todo este capital político, poderá aumentar, caso a reestruturação da CP seja bem conseguida e a nacionalização da TAP passe o crivo das críticas, com distinção.
A sua capacidade de resiliência será determinante para o seu futuro político, podendo ter que assumir um percurso alternativo, ao jeito do que aconteceu a António Costa em 2007.
Ficará para sempre a dúvida, se tivesse assumido a autarquia sanjoanense, o negócio da água já estaria com menor volume de taxas cobradas? Certamente beneficiando os demais consumidores, em detrimento do parceiro privado da empresa municipal.            

(a publicar no dia 16/07/20)

quinta-feira, julho 02, 2020

Antes, durante e depois

Um mandato autárquico, de duração de quatro anos, é composto por três fases distintas: uma fase inicial, de estudo e análise, tendo por objetivo programar ações para cumprir as promessas eleitorais ou para avaliar as ações decorrentes do mandato anterior; uma fase de execução das ações programadas; e uma fase final de lançamento de novos projetos, correspondendo ao assegurar financiamento para futura execução.
Em São João da Madeira, após uma longa fase inicial, com indefinições ou redefinições de projetos, com entrada tardia de assessores, com substituições de vereadores, entre outras peripécias para a formação do grupo de trabalho político, a Câmara Municipal evidencia agora alguma maturidade, reconhecendo-se que a pouco mais de um ano do final do mandato, está em fase de execução de ações.
Começou já em 2019 com a ampliação da Rua João de Deus, continuando com a substituição do amianto em escolas públicas, passando pela requalificação da habitação nos bairros sociais e pela própria regeneração dos mesmos, prosseguindo pela reabilitação dos equipamentos desportivos municipais e terminando na revitalização do projeto da Praça, com o prazo previsto para finalizar a execução a ser precisamente nos meses anteriores à eleição autárquica de 2021. Pelo meio, há mais uma empreitadas a referir: ampliação do parque do rio Ul e melhoria do mobiliário urbano, além de embelezamento e alinhamento de alguns passeios, entre outras omissões, que atiram sempre a ação para o refazer. Faltando a novidade, como prova de outra dinâmica.
O confinamento, na quase totalidade do presente ano, adiou a maioria das iniciativas municipais, ou apoiadas e incentivadas pela autarquia, pelo que a sua atividade parece neste momento reduzida a empreitadas, não desfazendo de qualquer iniciativa não mencionada nos parágrafos anteriores.     
Nesta conjuntura, a apresentação do relatório das contas da autarquia referente ao ano 2019 acarreta uma inquietação. Apesar do excedente orçamental pelo segundo ano consecutivo, apesar da redução da dívida municipal, apesar de não ser necessário recorrer a empréstimo bancário para fazer face à despesa corrente, há contudo, outros indicadores que merecem outra atenção. Nomeadamente a menor receita gerada e a redução de obtenção de fundos comunitários para investimento. 
A gestão corrente está feita mas, é necessário questionar o futuro. A incerteza quanto à capacidade financeira futura, permite formular toda a dúvida com um simples, e depois?
Desdobrando a singeleza em várias questões:
Qual será a dinâmica da cidade a partir de 2021? 
Que novos equipamentos estão a ser projetados? 
Que novos programas sociais vão ser implementados? 
Como será salvaguardada a memória coletiva? 
Que incentivos haverá para a economia de proximidade?
Como incentivar a dinâmica cultural, fixando agentes permanentemente no concelho?
As competentes respostas serão apresentadas em futuro programa eleitoral. Não será inédito repetir propostas. No passado assim aconteceu, por isso, será com naturalidade que algumas das propostas de 2017 transitarão para 2021. 
À população caberá avaliar a oportunidade da repetição.   

(publicado no dia 02/07/20)