segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Preto e branco

O clube de futebol da terra dos meus filhos, numa das anteriores eliminatórias da Taça de Portugal, foi jogar com o Benfica. A proximidade do clube, com colegas de turma e amigos mais velhos a jogar nas escolas do clube de Santa Maria da Feira, poderiam ajudar a despertar a atenção sobre o acontecimento. Avisados, sobretudo o mais velho, que já se interessa por estas coisas da bola, esqueceram-se. A atenção para o desporto resume-se nestas idades, mais à vontade de experimentar, do que ao seguimento ficando sentado. E paciente.

A história da família do lado materno foi buscar as memórias do primeiro encontro entre os dois clubes. Nos anos sessenta, na primeira aventura deste clube do concelho vizinho na 1ª Divisão, o bisavô dos meus filhos era seu presidente.

Na tarde do jogo, já depois deste ter acabado, ao verificar o resultado do jogo, no portal informativo adequado, confrontei o meu filho com a eliminação do Feirense. A reacção foi: Fixe!!! O Benfica ganhou, fixe!

Poderia analisar a expressão pelo lado do resultado raro para os lados de Lisboa, no entanto, o que me interessa narrar, não tem relação com esse assunto.

Nem os laços familiares, nem a proximidade modificaram a simpatia clubista do rapaz.

Nada.

Indiferente a tudo isso, congratulou-se com a vitória da equipa distante.

Em pequeno sempre desejei que houvesse um jogo de futebol entre a Sanjoanense e o Benfica.

A minha faceta enquanto adepto começou cedo. Aos sete anos já corria para a Rua Benjamim Araújo para assistir aos jogos de Basquetebol dos meus irmãos mais velhos, nas camadas jovens da ADS. Com o avançar da idade, fui seguindo as várias equipas da modalidade.

A ascendência qualitativa das equipas principais de Hóquei em Patins e de Andebol, juntamente com a modalidade predilecta também despertaram o meu interesse. Na minha adolescência, presenciei vários momentos de exultação colectiva no Pavilhão. A alegria exacerbada dentro e fora do campo.

O futebol era acompanhado à distância. No estádio, de forma mais esporádica, um jogo de vez em quando. Em miúdo quase sempre acompanhado pelo meu pai, que me protegia os ouvidos da má criação verbal, escolhendo sempre os mais isolados lugares da bancada. Era na imprensa que seguia semana após semana, os campeonatos anuais da Sanjoanense. Hábito que conservo ao longo destes últimos trinta anos. Todas as segundas – feiras, no periódico procuro sempre os resultados semanais da Sanjoanense, vejo a classificação, comparo com a concorrência e teço comentários momentâneos.

Actualmente não vou ao estádio Conde Dias Garcia, nem a qualquer pavilhão. Sendo sócio (com o n.º 1019), a minha contribuição resume-se à quotização anual. Aprecio a aposta na formação desportiva, alargada ao desporto feminino e tudo isto, sem abdicar das equipas seniores nas várias modalidades colectivas de sempre.

O maior feito da ADS foi chegar aos 84 anos, como está.

O seu contributo para o eclectismo (é a minha palavra desportiva preferida) do concelho é notável. Tornando S. João da Madeira um dos raros locais no nosso país, onde é possível praticar e competir em desportos colectivos, em qualquer idade e género.

O esforço dos seus dirigentes e funcionários, para a modernização e adaptação aos novos tempos, tem-se traduzido por uma melhoria significativa das condições à disposição dos seus treinadores e atletas.

A comunidade reconhece esse esforço. Nos últimos anos, a própria autarquia reformulou o ultrapassado campo de jogos e criou o Centro de Formação Desportiva, dotando-o com excelentes condições para a prática de futebol. O restauro do pavilhão dos desportos, por imperativos vários, foi outra obra finalizada.

Já a relva do estádio Conde Dias Garcia continua à espera de ser substituída...

Em tempo de aniversário, a festejar no próximo dia 25, é tempo de voltar a reivindicar antigos desejos.

Não se compreende como o assunto ficou esquecido tanto tempo. Se em 2004, todos estavam dispostos a comparticipar, está na altura de solicitar uma ajuda mais efectiva neste sentido.

Aliás, o estádio e a área abrangente poderiam ter-se englobado no Plano de Pormenor equacionado para o outro lado da Avenida Arantes de Oliveira. Deste modo a autarquia oferecia uma ideia, um projecto de remodelação de um espaço muito importante da história da Sanjoanense, prosseguindo a melhoria dos espaços desportivos municipais, que são um sinal de diferenciação deste concelho.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Ilustres

A boa gastronomia é um motivo para deslocações a qualquer ponto do país. Restaurantes existem que são mais afamados do que a localidade onde estão inseridos. Noutros casos é a própria região sobejamente conhecida e qualquer restaurante tem clientela à porta e dentro dela.

Comensais organizam listas alfabéticas indicando para o nome de cada terra, os respectivos restaurantes em que é imperativo comparecer, caso haja ocasião no caminho, ou então fazendo-o propositadamente.

Com esta intenção fiz-me à estrada, percorrendo o percurso idêntico ao dos peixes fluviais, isto é, partindo junto da foz do Rio Vouga e serpenteando por estrada os seus meandros dirigi-me para montante. Segui pela nova A25 até sair junto a Macinhata do Vouga, local onde a CP instalou um Museu Ferroviário para eternizar o simpático e regional Vouguinha, da minha infância.

A hora nocturna já não permitiu visitar as bielas, cambotas e locomotivas a carvão. Segui pela estrada a caminho de Sever do Vouga. Deparei-me com a ponte ferroviária do poço de Santiago. Um ex-libris do concelho para onde me dirijo e a maior obra da engenharia ferroviária construída no século passado na região – “mais alta (28,5 metros) ponte do país construída em pedra. Com 165 metros de comprimento, é constituída no seu todo por 12 arcos de tamanhos vários. O maior, de forma parabólica, abraça firmemente as margens do rio Vouga, tendo de altura 27 metros e de vão (comprimento da base) 53 metros. O fecho deste arco, o central, apresenta apenas 90 cm de espessura. Os restantes 11 arcos partilham da base do arco maior, havendo uma duplicidade de soluções geométricas e de engenharia verdadeiramente arrojadas”.

Mais uns quilómetros, umas curvas, umas construções à beira rio e chegamos a Pessegueiro. Uma escada de acesso descendente, anunciam o restaurado edifício, outrora cais de barcos. Entramos precisamente na “Quinta do Barco”.

Do cardápio surgem as eventuais sugestões características da zona: a vitela de Lafões e a lampreia, porque a época era propicia.

A escolha foge da tradição local, os quilómetros percorridos merecem uma nova aventura gastronómica - espetada de polvo -, seguindo a sugestão confidenciada por familiar. Renego qualquer tentativa de ingerir o pitéu das águas doces, pela dificuldade em explicar aos meus filhos que aquela aparência horrível, é apetitosa.

Durante o jantar, numa das mesas em frente à escolhida pela família sentam-se dois casais. Uma das caras não me é estranha. Não gosto quando isto me acontece. Rostos conhecidos das televisões, ou dos jornais, fora do seu contexto habitual, tornam-se difíceis de se identificar prontamente.

Uma terrível coincidência, estarmos no mesmo local com pessoas que sabemos quem são e não reconhecemos. A menos daqueles bastante conhecidos, como uma vez em Montemor – o – Velho, em que na mesma sala se encontrava Pedro Santana Lopes. Sempre simpático e bem disposto, mostrando o seu lado divertido, partilhando com os seus companheiros de mesa, as memórias cinéfilas, em especial, o cómico “Tea for two”.

Desta vez junto ao rio Vouga, não conseguia identificar aquela cara. Não acredito na ideia provinciana de que temos sistematicamente de encontrar pessoas conhecidas, como se o país fosse pequeno. De qualquer forma, estava perante uma peça de xadrez fora do seu lugar no tabuleiro. Uma espécie de bispo colocado na diagonal errada, longe do seu correcto posicionamento, que estar ou não em jogo, nada acrescenta no desfecho do mesmo.

Prosseguimos a refeição, incluindo uma soberba sobremesa de mirtilo. O indispensável o café foi bebido a correr, porque os miúdos tinham atingido a sua hora de saturação e só pensavam em portar-se mal. Primeiro escondendo-se debaixo da nossa mesa, depois alargando a área de brincadeira às mesas mais próximas. Enquanto esperava por finalizar o pagamento, o grau de aborrecimento e algazarra foi crescendo. Nesta fase fez-se luz na minha memória. Preparava-me para revelar a minha inquietação e confrontar as dúvidas, quando os meus filhos se dirigiram para a mesa do ilustre “não identificado”. Preparava-me para pedir desculpas pelo incómodo a provocar e receber uma ajuda, via uma qualquer reprimenda dada aos garotos. O gesto, precisamente do famoso cliente deixou-me desarmado. No lugar da esperada recriminação, o incentivo ao mau comportamento através da entrega de um rebuçado. O troféu foi transportado até à mesa dos pais, em sinal de vitória. Como qualquer criança, não se contentaram só com um e voltaram à mesa dadora até receberem o último. Depois foram incomodar outra e mais outra mesa, pedindo sempre rebuçados.

Finalmente, acertei as contas e consegui sair. Nem me lembro se os meus filhos trouxeram os rebuçados. O interesse era mais desafiar o pai, do que adoçar a boca.

Passado uns dias, numa qualquer quinta-feira seguinte, estava a ler a crónica quinzenal de António Lobo Antunes, provavelmente a da solteira, do seu amante careca, que lhe fazia companhia durante os serões, antes de regressar ao seu lar de casado e dissipei todas as dúvidas surgidas em Pessegueiro do Vouga. O rosto famoso era certamente o cronista.

Se era lógico ser ele, não posso avaliar. Fica sempre a incerteza se aquela cabeça a tender para careca, os olhos claros por baixo de uma testa engelhada, que são aspectos físicos comuns a várias pessoas, era capa da invulgaridade da escrita.

Importante, mais do que eventualmente ter-me cruzado com o escritor, é poder um dia repetir o repasto, pois o que espero relativamente a tão ilustre pessoa é poder continuar a deliciar-me com a sua prosa...

(a publicar no dia 08/02/08)