quarta-feira, julho 24, 2013

As Férias

         Os primeiros indícios da aproximação das férias são a diminuição da atividade escolar, os exames, os resultados, as matrículas, acompanhadas das festas finais das atividades complementares. Enquanto isso, os jovens atletas terminam a sua época desportiva, parando os treinos.

O trabalho dos adultos prossegue, cumprindo-se o calendário.

Nas estradas surgem carros limpinhos, de pintura brilhante, com matrículas com números e letras organizados de forma diferente. Alguns carros trazem a cruz suíça na matrícula e outros apresentam chapa amarela. 

Aos poucos as empresas vão entrando em período de férias. As zonas industriais começam a ter menos movimento. Menos tráfego, menos carros estacionados junto às suas portas, ou nos parques de estacionamento. Poucas pessoas a percorrer as ruas adjacentes às fábricas. Algumas sirenes desligam-se neste período. Vários portões permanecem fechados, cortinas corridas ou persianas desenroladas.  

Os jornais locais anunciam o encerramento para férias, não se publicando durante o mês de agosto.

O comércio espera pelos turistas ocasionais, pelos seus ímpetos consumistas, em especial os emigrantes.

Os serviços e repartições recebem algum fluxo extra de clientes ou utentes, durante as primeiras manhãs de Agosto mas, depois tudo fica mais calmo. A escala de férias vai estabelecendo o ritmo do trabalho.

Nas ruas do centro, as esplanadas são procuradas pela manhã. Grupos de clientes partilham mesas, fazem consumo, agitam-se em conversas. Circulam forasteiros de calções, fazendo abastecimentos matinais, para debandar até à praia durante a tarde.

O movimento de muitos.

As tardes são calmas e no seu final, estranha-se o silêncio. Surpreende a quantidade de lugares de estacionamento disponíveis pelas ruas centrais e sobretudo, o pouco trânsito na hora de ponta.  

O serão é confrangedor.

As noites de verão, em zona balnear, caraterizam-se pela vontade social de conviver. Cafés, bares e esplanadas enchem-se, as ruas apinham-se. Pessoas sem horários, com vontade de passear, de conversar, preferem sair de casa, alterar hábitos, desligar-se da televisão e encontrar amigos.

Em contraste, as ruas vazias da cidade em período noturno, com cafés encerrados para férias, outros com poucos clientes e com jornais antigos amontoados, em especial, o último número dos semanários locais publicado no final de julho, folheado vezes sem conta, observando-se de novo as fotos aí publicadas, aproveitando para comentar com a restante clientela, uma ou outra patenteada, interrompendo a conversa futebolística do dia, baseada nas hipotéticas aquisições dos clubes nacionais, ou nos resultados menos conseguidos na preparação dessas equipas, permitem pensar que é tempo de partir.

Mudar de ares, ver outras caras, envolver-se em outras paisagens. Na praia, no campo, na serra, na cidade, na aldeia, ou mesmo numa vila, é tempo para as merecidas férias.

O reencontro com os leitores fica agendado para Setembro. Até lá, aproveito para descansar os dedos (foi um ano produtivo em textos publicados) e dedicar-me à leitura compulsiva. Vou atacar clássicos da literatura e uma biografia do rei D. Duarte... o do século XV.

Finalizo, desejando a todos, umas ótimas férias.

 

(a publicar no dia 25/07/13)

 

 

 

 

quarta-feira, julho 17, 2013

A sede

                Há quinze dias, terminei a minha crónica fazendo referência ao sonho olímpico da Associação Estamos Juntos. Como estava a terminar o texto, não fiz referência ao autor de tal desejo. Datei-o, demonstrei a sua longevidade. Não fiz mais nenhuma alusão. Por isso, começo este texto por emendar essa omissão.
                Nos anos 80 do século passado, ainda no Tanque-piscina da Escola Primária do Parque, Armando Margalho, monitor de natação, traçava um desafio para o desporto de S. João da Madeira: com o futuro complexo desportivo das Corgas, estavam reunidas condições para um sanjoanense participar nos Jogos Olímpicos.
                Antes de tal feito ser conseguido, muita gente aprendeu a nadar, competiu na AEJ e ficou longe desse objetivo. Uma prestação que serviu para melhorar a componente desportiva da secção de natação. E não só.
Durante esse tempo o clube foi crescendo. Aumentou o número de atletas, aumentou as suas secções desportivas, diversificando a oferta à população.
Os vinte e sete anos de história da AEJ contemplam as suas secções desportivas, as mais antigas e extintas, como o basquetebol e o automobilismo. As antigas e ativas, como o xadrez e o ténis, além de outras recentes e inativas como a capoeira, o parapente e o apoio a pilotos sanjoanenses de karts e de motociclismo, que fizeram a história do clube.
Os resultados desportivos alcançados, ou seja, o reconhecimento do trabalho meritório efetuado pelas secções desportivas; o pioneirismo e a devida grandeza do Campo de Férias, organizado anualmente desde há 32 anos; e por fim, a envolvência dos sócios, fez o clube ser reconhecido pela população, pela comunidade, e sobretudo, pela edilidade. Deste modo, a ambição traçada em 2001 de tornar a AEJ o clube das Corgas, é hoje perfeitamente consagrada e visto com naturalidade no contexto social da cidade. O mesmo acontecendo com a utilização da piscina, para treino dos atletas, no horário nobre em detrimento do público em geral.
À sucessão de diretores, suas vontades e modelos de gestão, a natação permaneceu sempre com os mesmos técnicos: Luís Ferreira, desde 1990, coadjuvado por Augusto Macedo, que regressou ao clube em 1992.
A história olímpica é conhecida, sobretudo a partir de 2007, quando Ana Rodrigues entra no projeto Londres 2012, ou seja, a cinco anos do desfecho feliz.
A partir dessa data, o antigo sonho passava a estar mais próximo e como é natural, passou a orientar a política desportiva do clube.
Concretizado o objetivo antigo, o clube entrou numa nova era.
Nas últimas semanas visitei as Corgas - para assistir ao Torneio SJM 13 e ao Campeonato Nacional de Infantis de Natação -, apercebi-me de um maior envolvimento humano em torno da AEJ. Essa mesma sensação também tive nas provas de cadetes, que acompanho. No passado fim-de-semana, em Coimbra, congratulei-me por ver tanta camisola amarela e a bancada tão cheia de apoiantes, muitos vestidos com as cores do clube, acompanhados do tradicional cachecol.
É importante potenciar toda esta mobilização humana, alarga-la ao dia-a-dia do clube, não esquecendo que a AEJ não é apenas uma associação de pais. Apesar de ser imperioso ter boas contas, a gestão desportiva não é apenas um exercício de contabilidade. É necessário ter capacidade de traçar projetos, alguns utópicos, envolvendo os agentes do clube, sobretudo, os jovens, em torno desses objetivos.
Para os próximos anos, a AEJ vai ter o problema da sede social entre mãos. A hipotética construção da nova piscina, vai obrigar o clube a trocar de instalações. Uma oportunidade para lançar um desafio: a autonomia relativamente à sede social, ou seja, em instalações próprias.
 
(a publicar no dia 18/07/13)
 

quarta-feira, julho 10, 2013

Baixa-Mar

            A necessidade de frescura, para contrastar com os dias tórridos, as noites quentes, levou-me à praia bem cedo.
            Dormi sem roupa no tronco e de janela bem aberta.
Ergui-me ao toque de alvorada, olhei para o horizonte e observei uma névoa sobre o mar.
            O fresquinho matinal sabia bem, no entanto, sem aragem, adivinhava-se um calor descomunal.
            Era tempo de rumar à praia e esquecer o calor.
            Em dois tempos, conduzi-me para praia, atravessando os inevitáveis pinhais. Ao estacionar, verifiquei que a névoa observada desde casa eram nuvens altas, misturada com uma pequena neblina pousada junto ao areal. No caso concreto da praia escolhida, uma neblina entre os paredões graníticos, que as autoridades municipais e marítimas tanto gostam, cujo efeito prático é a continuidade da erosão costeira.
            Aspetos geográficos à parte, às 8h30m estava na praia. Não era o primeiro, nem tinha essa intenção. A única ambição era chegar cedo, sentir o fresco matinal. Se visse algum barco a recolher as redes xávegas, era um prémio justo, para quem, dia após dia, acorda cedo e ruma para uma fábrica.
            Os sinais da atividade piscatória estavam expressos nas marcas dos rodados do trator na areia. As redes já tinham sido recolhidas. O barco descansava na areia.
            Estava maré baixa, o que dava alguma largura ao areal. A areia seca era reduzida e tinha sido calcada pelo trator. O areal, húmido, apresentava-se disponível e era o mais apetecível, face ao calor sentido nas vésperas. Não caminhei muito, deixei-me ficar junto aos objetos das famílias madrugadoras. As pessoas estavam mais abaixo junto ao mar.
            Deitei-me, peguei num livro, esperando entretanto adormecer, com o som do mar a embalar-me.
            Normalmente, permaneço na praia procurada pelas famílias, com esta condição: o barulho das ondas a rebentar tem que ser superior ao dos meus vizinhos veraneantes. Quando quero silêncio, afasto-me um pouco.
            Não levei protetor, o que para um branquinho como eu, é um crime. Só tinha uma hipótese, cumprir o definido pelos dermatologistas, às 11 horas sair da praia. Como contava recuperar umas horas de sonho, adormecer poderia ser perigoso.
            A areia húmida serviria de barómetro, deitei-me com uma mão a sentir a sua frescura, quando a sentisse seca e quente, estaria na hora recomendada pelo Dr. Osvaldo Correia.
            Ali permaneci deitado, os olhos fecharam-se e cochilei um pouco. Os cochichos eram suportáveis, do meu lado direito vinha o som de conversas sobre o peso perdido, tipo de dietas e outras conversas adequadas à época estival. O barulho das ondas era mais agradável de ouvir, sentia-se um vento sul. A névoa matinal tinha desaparecido, o sol espreitava pelas pequenas nuvens, a areia continuava húmida. Aliás, a minha toalha estava húmida. Uma frescura completa.
            Virei-me de barriga para cima, com os pés direcionados para o mar. Não concebo tornar-me um relógio de sol, com a minha cara a receber a maior incidência dos raios. Fiquei de olhos abertos a espreitar as nuvens, os efeitos dos raios a atravessarem a camada húmida. Por vezes, um par de gaivotas atravessava a praia a voar.
            Ao meu lado, o número de guarda-sóis aumentava, embora, permanecessem sozinhos, pois a sua sombra ainda não era apetecível.
Tentei pegar de novo no sono.
            A enchente da maré obrigou os veraneantes a chegarem-se aos seus pertences. Horas das crianças comerem o reforço do pequeno-almoço. A algazarrava aumentava. Mais gente chegava à praia e rodeavam os madrugadores, conquistando-lhes o areal.
            Sentei-me. Procurei a garrafa, enchida em casa com água fresquinha, bebi insaciavelmente. Optei pelo banho, caminhei em direção ao mar, a frescura da areia, pronunciava o desfecho. A água estava gelada. Só molhei as canelas.
            Voltei à toalha. Abri de novo o livro, procurando desfrutar um pouco mais daquela manhã fresca. As nuvens estavam já dispersas, os raios solares eram agora mais quentes. Ainda assim, a areia continuava húmida e isso era o suficiente para me concentrar na leitura e não ouvir as conversas vizinhas. Página após página, ouvindo sobretudo o som do mar, cheguei ao fim do livro.
Olhei para o mar. Os parceiros que ocuparam a minha frente estavam praticamente a receber a água da onda. Ao meu lado, as crianças já se inquietavam, trocando brinquedos ou disputando baldes e pás. As mães continuavam a falar de trivialidades.
            Voltei a sentir a areia. Estava seca.
Em cada onda, o mar aproximava-se mais das toalhas dos meus vizinhos frontais. Não tardava nada e tinha que me encolher para eles continuarem na praia, por isso, optei por recolher. Sacudi a toalha, já seca. Vesti-me. Tirei o telemóvel do bolso e o seu relógio indicava 11 horas e um minuto. Precisão dermatológica.
As praias da nossa região, devido ao seu reduzido areal, passam a ficar condicionadas pela duração da baixa-mar.
Não quero com isto retirar a devida importância aos conselhos dermatológicos, sobretudo, quando o índice de radiação ultravioleta está sempre próximo do máximo.
 
(a publicar no dia 11/07/13)

quarta-feira, julho 03, 2013

O homem de chapéu

            Percorro as páginas escritas por Raul Brandão. Envolvo-me com os seus mortos, com as respetivas sombras. Delicio-me pela brilhante capacidade de narrar a vida dos mais desgraçados, mesmo nos momentos mais difíceis da sua vida. 
            Com sofreguidão, devoro dois livros de Agustina Bessa Luís. Fico perplexo perante a erudição colocada na voz popular. Por outro lado, aprecio a crítica feroz, embora póstuma, às paixões de Camilo Castelo Branco. Com perdição, leio os seus passos pelas ruas do Porto, pelas casas de Gaia e do Tâmega.
Procuro entre os três escritores o fio condutor. Não é a cidade, não é região, banalmente denominada pela política como Norte.
Não é o estilo, nem a época literária, nem o género.
Nem a sucessão pelos séculos.
Em comum, ficaram imortalizados na tela do cinema, pela mão de Manoel de Oliveira. O cineasta perpetuou a obra literária destes escritores, pelos séculos seguintes. Camilo Castelo Branco, ainda durante o século passado, com base num argumento de Agustina Bessa Luís. Relação que se manteve durante mais anos, com mais adaptações cinematográficas, da vasta obra literária, da escritora do Tâmega. Em 2012, Manoel Oliveira baseando-se num romance de Raul Brandão, prestou-lhe uma homenagem ao realizar o filme “O Gebo e a sombra”.
O cineasta imortalizou na história, sempre volátil, os nomes da literatura nacional. Não esqueceu estes, nem outros, muitas vezes com pequenas aparições das capas dos livros, em momentos dos seus característicos filmes. Por exemplo, o livro S. Paulo, de Teixeira de Pascoaes, uma biografia nada teológica da vida do Santo, surge numa determinada imagem na mão do fotógrafo, protagonista, no filme “O estranho caso de Angélica”.
Percebe-se a intenção de Oliveira: a eternização dos seus escritores favoritos, alguns seus contemporâneos, alguns seus amigos, através da sua arte, com mais capacidade de divulgação, podendo chegar aos mais diversos pontos do continente e até do planeta, algo impensável para os livros editados desses mesmos escritores.
O fator Manoel Oliveira, a sua idade, a sua longevidade como realizador, o seu reconhecimento no contexto europeu do cinema, permitem intitulá-lo como uma das maiores figuras contemporâneas da cultura portuguesa.
À sua figura associa-se o chapéu.
(Cruzei-me com ele, pelo menos, duas vezes em espaço público e vi-o de cabeça coberta, tendo educadamente respondido aos cumprimentos, levantando-o ligeiramente.)
O potencial do uso, por diversas figuras do mundo das artes, deste adereço, um dos produtos tradicionais da indústria de S. João da Madeira, pode ser utilizado para promover um evento cultural na cidade, impondo-lhe um carater sério e uma escala nacional, podendo mesmo, dar-lhe uma dimensão internacional.
Num momento em que os novos espaços culturais públicos são uma realidade e precisam de encontrar um modelo de sustentabilidade financeira, todas as sugestões são importantes.
Como tenho feito ao longo de anos nas páginas do labor, vou apresentando ideias sobre o assunto, contribuindo apenas para a discussão pública.
Sobre este tema, referi em Maio passado, neste jornal, a potencialidade de animação das ruas da cidade, com a utilização maciça de chapéus pela população, conseguindo-se assim, num fim-de-semana do ano, o exotismo necessário para se obter uma cobertura mediática positiva. 
A isto junte-se a tal homenagem a “O Homem de Chapéu”, utilizando-se as novas infraestruturas municipais na área da cultura, conseguindo-se juntar a retrospetiva da sua atividade artística, com a estreia de um novo trabalho, tendo obviamente garantida a presença do artista em causa.
Com isto, teremos tudo para um produto de excelente qualidade, com um mediatismo extremo se pensarmos no próprio Manoel de Oliveira, sucedendo-lhe anualmente nomes de outros artistas reconhecidos pelo uso de chapéu, como Tom Waits ou Clint Eastwood....
Ambição excessiva?
Maior sonho, foi acreditar que um dia S. João da Madeira haveria de ter um nadador Olímpico. 30 anos depois, foi conseguido.    
 
(a publicar no dia 04/07/13)