quarta-feira, setembro 26, 2012

Leituras ao serão

            Um vendedor de livros em segunda mão, com banca montada no corredor de uma superfície comercial, desperta a minha curiosidade. Leio os títulos expostos. Compreendo a arrumação, a um lado livros a 1 euro, do outro, livros a dois euros. Encadernações antigas, capas amareladas pelo tempo. Essencialmente os livros de autores portugueses são os que me atraem. Dos mais baratos nada me interessa. Na outra seção, vejo as Novelas do Minho, de Camilo Castelo Branco, reparando ser apenas um dos volumes da saga, o que me faz recuar na escolha. Ao lado, repousa um livro sem autor identificado: Leituras ao Serão – antologia de contos. Folheio para me inteirar dos autores da compilação e lá entrego os dois euros ao vendedor.   
            Alexandre Herculano, Rebelo Silva, Eça de Queiroz, Fialho de Almeida, Trindade Coelho e Raul Brandão, cada qual com pelo menos dois contos, ocuparam-me alguns fins de tarde dos dias de semana. Nos tempos de espera (obrigações de progenitor), aproveito para rever a literatura portuguesa do século XIX e de princípio do século XX. A capacidade descritiva atrai-me, o pormenor é referido constantemente, para enquadrar completamente o leitor na cena e leio-os com satisfação, absorvendo as suas palavras de forma didática.
Páginas relatando as jornadas de transporte: a pé, a cavalo, nalguns casos, mais modernos, de comboio, permitiam verificar as dificuldades de movimentação dentro das várias regiões do país.
A liteira como elemento recetor de imagens.
As paisagens, as cores nelas envolvidas, numa lenta cruzada e sucessão de momentos, permitiam aos autores apurar as suas capacidades de escriba.
A chegada do automóvel revolucionou tudo.
Isso ficou bem demonstrado, no livro publicado, em 1916, por Teixeira Pascoaes, A Beira (num relâmpago). A rápida viagem de Amarante a Arganil, mais o respetivo regresso, em menos de 24 horas, é motivo suficiente para se relatar a “transformação vertiginosa da paisagem”, suscitada pela velocidade alcançada.
Enquanto na literatura, as transformações desencadeadas na sociedade permitiram uma alteração na forma de escrever dos escritores, redefinindo-se géneros literários, a política em Portugal quase nada se alterou.
As melhorias nas redes de estradas, municipais e nacionais, a criação de uma vasta rede de autoestradas; a atrás mencionada, mecanização dos meios de transporte; os meios de informação, rádio, televisão e mais recentemente a internet, permitiram uma melhoria na qualidade de vida dos cidadãos.
No acesso à informação, com o Estado Português a disponibilizar serviços on-line, o cidadão libertou-se da burocracia relacionada.
Perante tudo isto, não é lógico que a Administração Local mantenha-se inalterada, salvo raras exceções, desde a Reforma de Mouzinho da Silveira, de 1834.
Não é compreensível que quase duzentos anos de história, com alterações profundas em todas as áreas da sociedade portuguesa, não sejam suficientes para mudar a Administração Local.
A oposição sistemática à mudança não faz sentido.  
Em Lisboa, a Câmara Municipal promoveu uma redefinição das freguesias. Processo praticamente concluído, com parte de uma freguesia de Loures a incluir-se nas da capital. Resta desfazer as acertadas dúvidas do Presidente da Republica, para finalizar uma modernização que decorreu de forma pacífica e sem prejuízo para a população (desculpem a redundância).
O exemplo de Lisboa tem poucos seguidores.
A fusão de concelhos é entendida como uma anexação.
Para a fusão de freguesias nem se equaciona o interesse para a população. A discórdia dos eleitos, nem permite qualquer análise à proposta.
A mudança de freguesias entre concelhos é vista como uma traição, num recuo à época medieval. 
Dizem-me os situacionistas que bastaria não pagar senhas de presença aos eleitos, nas respetivas Assembleias de Freguesia e Municipal, que já se reduz o custo da Administração Local, para o valor acordado com os credores do país.
Não fiz as contas.
Se assim for, proponho que se crie esse indicador, reduzindo esta despesa anual ao seu valor diário. Por cada dia que passe, sem alterações à lei da Administração Local, deve-se divulgar esse valor, ao jeito de Mário Crespo: “pela inércia dos nossos eleitos, hoje o país gastou...”
            Vou continuar a leitura do livro do nosso conterrâneo Tiago Moita.
 
(a publicar dia 27/0912)

quarta-feira, setembro 19, 2012

Esplanadas

- My friend.
Em inglês, uma saudação cosmopolita nas tardes da Praça.
Uma mistura de sotaques. Sonoridade semelhante ao de um filme hollywoodesco, ouvindo-se naquele som nasalado a sua proveniência de certa região do norte de Portugal.
- My friend – exclamava o rápido e eficaz Arménio, numa esplanada ainda encostada aos vidros da fachada da Colmeia. Algumas mesas ficavam junto à porta. Às portas. Para não fazer distinção entre os lados do café.
Arménio tagarelava com os clientes, usando expressões em inglês. Numa tarde de Julho, há 25 anos, teve uma surpresa. Os clientes eram Ingleses, provenientes de Newcastle. Estava um calor arrasador e os súbitos de sua majestade pretendiam beber algo bem gelado. Não tinham tradutor. Pensaram que teriam sérias dificuldades em serem entendidos. Nada disso aconteceu. Como bom anfitrião, Arménio teve uma oportunidade de expandir a sua capacidade de comunicar em Inglês. Entre palavras, gestos e demonstrações promovidas na caixa frigorífica, o entendimento foi conseguido.
Os Ingleses estavam satisfeitos, quando os reencontrei. Arménio estava eufórico. Contou-me o sucedido nessa tarde. Explicou-me como se tinha entendido com os estrangeiros e exclamava feliz: My friend.
Nos meses e anos seguintes, por vezes, recordávamos o sucedido.
Por essa época, o tratamento recebido era personalizado. Quando eu me sentava na esplanada, nem era preciso fazer o pedido. O café era entregue na mesa escolhida. Trocavam-se as palavras do momento.
Para isso também contribuíram outros dos homens da bandeja.
O divertido senhor Aníbal. À nossa entrada pelas sete da madrugada de sábado, olhou desconfiado, nada dizendo. Até que a vontade de disfarçar a presença naquela hora, alegando o autocarro matinal para o Porto, fez o senhor disparar “pelas vossas carinhas, não foram à cama”.
O Albino, imparável no turno da noite. Quando algum cliente recusava café, alegando não dormir, Albino rematava: “se o café tirasse o sono, já tinha vendido a mobília do quarto”. Uma tirada ouvida vezes sem conta, no crepúsculo na Praça.
Nessas horas, entre encontros geracionais, sentei-me algumas noites junto à mesa frequentada por vários clientes, um dos quais, o Sr. Custódio (cujo apelido não me ocorre) fez-me despertar a curiosidade. A sua capacidade de narrar acontecimentos e sobretudo, a de captar a atenção dos seus companheiros de mesa, que esperavam a qualquer instante, uma intervenção sua para um momento de humor gratuito, ficou-me como recordação.
Nesta matéria, não posso deixar de mencionar, as entradas triunfais de Paulo Lisboa na Praça. Amigo infelizmente falecido. Paulo aproximava-se da esplanada e os clientes da nossa geração, especialmente, eram todos cumprimentados. Desde esses tempos, devido a esta ligação em comum, passei a saudar muita gente. Pessoas, que então conheci, fizeram parte do meu grupo de amigos e tudo graças à sua aptidão para a comunicação.
Memórias coletivas, escritas na primeira pessoa do singular.
Desse período, evoco ainda a ilusão de que a cidade tinha mudado. O apelo das esplanadas da Praça prolongava-se até princípios de Outubro.
As chuvas do Outono arrefeciam o entusiasmo.
Nos meses seguintes, a fantasia esmorecia.
As esplanadas ficavam vazias.
Ainda é assim… todos os anos.
 
(a publicar no dia 20/09/12)
 
 
 

quarta-feira, setembro 12, 2012

Pontos de vista sobre o preço da água

            O debate em torno do preço da água em S. João da Madeira enche páginas dos jornais locais. Aos argumentos dos que são a favor da privatização parcial do serviço municipalizado, contrapõem-se os que consideram excessivo o preço pago, na fatura emitida pela empresa Águas de S. João.
            Pela exposição dos factos ficamos confusos.
Os dados difundidos rebatem a opinião contrária. Mais precisão, mais recolha de informação e vários estudos de comparação com concelhos vizinhos vão sendo divulgados. Ninguém convence os oponentes, qualquer análise tem o resultado semelhante ao do jogo do galo, empate.
É este o pressuposto para o meu artigo de opinião.
Em primeiro lugar, as contas pessoais. Resido no concelho de Ovar, pagando em média à empresa intermunicipal “Águas da Região de Aveiro”, 17 euros por mês. Valor que inclui o consumo dos metros cúbicos de água, a taxa fixa e de recursos hídricos, mais a taxa de recolha de resíduos sólidos urbanos. Como na freguesia não está instalada a totalidade da rede de saneamento básico, tal como outros, recorro a um serviço de esvaziamento das fossas sépticas, pagando pelo efeito, 15 euros. Por ano, contrato este serviço entre 3 a 4 vezes, em função da capacidade de drenagem dos terrenos e da pluviosidade sazonal. Somando o preço dos dois serviços, pago em média entre 20 a 22 euros por mês. Para completar a informação, na minha residência vivem dois adultos e duas crianças. 
Exemplificando com valores, para um consumo de 12 m3, o total a pagar à empresa “Águas da Região de Aveiro” foram 16,07 euros, dos quais 9,19 para o pagamento real de água e o restante para as taxas mencionadas anteriormente, mais o respetivo IVA.
Em função destes valores, os leitores interessados devem comparar com as suas faturas emitidas pela empresa “Águas de S. João”.
Chegarão às suas próprias conclusões.
Tive acesso a uma, igualmente de tipo doméstico, com um total 11m3 de consumo. Menos um metro cúbico do que o meu exemplo, no entanto, a fatura da “Águas de S. João” indica um total de 30,28 euros. A alínea referente ao consumo marca 16,28 euros, o restante são taxas e IVA, claro.
Comparando os preços do serviço de abastecimento de água verifica-se uma diferença substancial, praticamente o dobro para SJM. Refira-se que a taxa de disponibilidade é menor em Ovar (- 2 euros), a taxa de resíduos sólidos é também menor (- 5 euros), embora a recolha dos ditos não seja efetuada diariamente.
De S. João da Madeira recebo outras faturas das “Águas de S. João”. De um comércio e referentes ao condomínio do prédio, em que possuo uma fração. Em ambos os casos, o consumo é zero m3. O valor na fatura para a morada comercial é 10,25 euros. Ou seja, o real custo fixo do serviço de abastecimento de água ao comércio local.
Acontece que o condomínio tem um contador totalizador (aparelho geralmente instalado à entrada de prédios em propriedade horizontal, servindo para calcular as diferenças entre o total dos consumos individuais e o volume total de água fornecida ao prédio). Isto significa mais uma fatura. O pagamento duplo da taxa de disponibilidade, mais a dupla tributação de resíduos sólidos urbanos.
Pelo exposto, pode-se constatar que o valor a pagar pelos munícipes, à empresa “Águas de S. João”, pode vir a diminuído. Não se precisando de utilizar técnicas de “rasgar contratos” para renegociar a concessão. Em tempo oportuno, bastará diminuir a taxa de disponibilidade; ajustar o valor da recolha dos resíduos sólidos urbanos em função do real consumo de água; inserir a gestão dos totalizadores na empresa privada, retirando esse encargo aos munícipes / clientes; e por fim, não taxar aos condomínios (prédios e afins) a taxa de resíduos sólidos, não duplicando esta tributação aos condóminos.
Tudo isto, sem esquecer o ajuste do preço do metro cúbico.
Podia ter sido feito anteriormente?
É natural todo o desagrado manifestado.
Nestes tempos difíceis, qualquer redução de taxas municipais é muito bem-vinda.
 
(a publicar no dia 13/09/12)
 
 

quarta-feira, setembro 05, 2012

Medalhas, gravatas, baloiços e camisa.

            Após o mês de Agosto é penoso escrever. As férias pessoais, do jornal e da cidade provocam uma enorme inércia. Procura-se um raciocínio para desenvolver por umas linhas e o assunto é curto, não dando para um texto completo. Ainda sem ritmo para grandes crónicas, ou artigos de opinião e para não demorar mais os leitores neste parágrafo de introdução, publico notas soltas (lembrando outras outrora editadas no labor), resumo da minha atividade estival, em matéria de interesses:
 
      - A transmissão televisiva pela RTP dos Jogos Olímpicos de Londres surpreendeu-me pela positiva. Além do acompanhamento dos atletas portugueses, existiu a possibilidade de acompanhar os torneios de várias modalidades. Desporto a sério, momentos inesquecíveis, na melhor cobertura, até aos dias de hoje, do serviço público da televisão portuguesa ao maior acontecimento desportivo do planeta. Além disso, o interesse dos telespectadores nacionais foi canalizado para modalidades desportivas em franca progressão técnica no país, como por exemplo: a canoagem, o remo, o ténis de mesa e o triatlo (aqui devia fazer um parêntesis e alongar-me, só que…). Antes de fechar este capítulo e esquecendo a contabilidade das medalhas, uma palavra para a Ana Rodrigues. Felicitá-la pela sua participação honesta e esperar que a sua progressão desportiva, se concretize no próximo ciclo olímpico, tornando-a mais forte e especializada na prova em que participou em Londres, os 100 metros bruços. Força Ana, ao trabalho.
 
       - Ainda não tinham terminado as Olimpíadas, nessa mesma noite, o país político foi surpreendido com a análise do comentador Marcelo. Contrariando o sentimento generalizado da direita portuguesa, o professor despachou a ministra da Agricultura, Ambiente e outras pastas, para fora do governo. O reconhecimento das capacidades de trabalho de Assunção Cristas, a sua figura simpática, as suas convicções religiosas são predicados que agradam ao espetro da direita. A indignação que fui ouvindo reforçou a minha ideia: quando o ciclo Portas se encerrar, a atual responsável daqueles ministérios todos, será a grande candidata à liderança do seu partido e quem sabe, se não poderá ambicionar a outros importantes cargos… O professor Marcelo antecipando esse cenário e da forma calculista que o carateriza, tratou de propor a sua retirada antecipada da política. Ou será que a afronta ao professor é devida à informalidade decretada por Assunção Cristas, dispensando o uso de gravata, nos seus ministérios, durante o verão?
 
      - No regresso das férias a sul desviei-me para Vila Nova da Barquinha. A atração Almourol completou-se com a exposição coletiva de 13 artistas contemporâneos, patente nas margens do Tejo, na zona ribeirinha da vila. No jardim público, os modernos trabalhos partilham o espaço com baloiço, escorregão e outros aparelhos de parques infantis. Alguns dos consagrados artistas desenvolveram os seus trabalhos para a interatividade com as crianças. Este apelo atrai os mais novos. Não contemplam, não verificam materiais, nem soluções criadas. Pura e simplesmente trepam, saltam, deslizam e correm para outro. Extravasam as suas energias, experimentando as potencialidades dos trabalhos expostos e pelo meio do percurso no parque, lá aparece um verdadeiro divertimento infantil. Para baralhar.
 
      - Com camisa no corpo, indumentária do dia-a-dia em período laboral, leio que não há entendimento para a alteração à lei autárquica. Ou seja, os executivos camarários vão continuar a ser compostos por vereadores eleitos de acordo com o método proporcional, através das listas propostas pelos diversos partidos. Sempre me convenci que nada se alteraria. Também não acredito que a reforma da administração local seja concretizada. Embora, a considere extremamente necessária. Na ordem do dia, nesta matéria, a alteração e fusão de freguesias. A sul, um dado novo e preocupante, a Assembleia Municipal do concelho de Vila Real de Santo António votou favoravelmente a agregação dos municípios vizinhos de Castro Marim e Alcoutim, sem consultar os respetivos órgãos de soberania destes concelhos. Sobre esta matéria, volto a escrever um dia. Certamente.
 
(a publicar dia 06/09/12)