terça-feira, janeiro 22, 2008

Lótus Azul

           Durante este mês Janeiro, o assunto de todas as conversas tende sempre para o mesmo, a entrada em vigor no inicio do ano, da lei que pretende "proteger os cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas com a dependência e a cessação do seu consumo", genericamente conhecida como Lei do Tabaco.

 A maior controvérsia prende-se pela proibição de fumar em determinados locais, nomeadamente os descritos nas vinte e cinco alíneas consideradas.

A aceitação da proibição por parte dos fumadores e em especial, pelos proprietários de estabelecimentos de restauração e similares, foram extremamente enaltecidas pela restante população – maioritária – de não fumadores. Ainda assim, como o vício não se controla por decreto, ficou a possibilidade de restaurantes, cafés e bares optarem por criar uma zona de fumadores, ou nalguns casos, preferiram classificar o seu estabelecimento como tal, obedecendo ao previsto na lei, acerca de extracção de fumos e sinalização adequada no exterior.

Mesmo a este nível a situação não tem sido totalmente pacífica. Espera-se, como é costume em Portugal, que o legislador indique qual o tipo de extractor adequado. Entretanto, procura-se com os meios existentes dentro de portas, ventilar o local, retirando o fumo.

Com alguma piada e com utilidade para alguns, foram sendo elaborados roteiros a nível nacional dos poucos locais onde é permitido fumar.

A minha experiência de, num fim de tarde, ter aproveitado uns quinze minutos livres, para beber um café, é esclarecedora da confusão a que a nova Lei nos sujeitou. O estabelecimento onde entrei, parecia a costa ocidental portuguesa em dia de nortada, vento por todo o lado. Não estava a perceber a opção de manter o ar condicionado ligado - como ventilador, em pleno Inverno. Só quando me dirigi ao balcão para pagar o consumo e vi dois fumadores a partilhar o cinzeiro em amena conversa, é que compreendi estar dentro de um estabelecimento de dístico azul afixado. Ao sair, confirmei-o.

Como em tempos escrevi, apesar de asmático, o tabaco nunca me incomodou. Suportaria melhor o fumo de 50 fumadores naquele café, do que as rajadas de ar frio que me trespassavam o corpo. É evidente que não vou tomar medidas radicais de evitar dísticos azuis, antes pelo contrário. Agora se fosse fumador, procuraria não entrar nestes locais supostamente arejados, evitando assim complicações pulmonares desnecessárias. Pelo que senti, era preferível fumar no exterior do local, que mesmo sendo fim de tarde estava mais protegido e portanto, mais ameno, do que estar sujeito àquelas correntes de ar forçadas.

Por mais que tente, não consigo perceber esta lógica na sinalização utilizada. A cor azul não tem coerência alguma. O vermelho é normalmente empregue como cor de proibição, tanto na sinalização do estado do mar nas praias, como ao nível de código da estrada, como também ao nível de segurança e higiene no trabalho. Já o azul é usado no referido código e na sinalização de segurança, como sinal de obrigatoriedade em placas redondas e como sinal de informação em placas quadradas ou rectangulares.

Um dístico azul dizendo "fumadores" e traduzido em outras duas línguas é meramente informativo ou pretende encaminhar os fumadores para um determinado local?

Obviamente a pergunta é meramente retórica e jamais me vão responder, até porque não é claro qual o critério para a escolha da cor. Contudo, qualquer conhecedor da obra do belga Hergé, lembra-se dos livros de Tintin. Numa fantástica aventura, o jovem jornalista vê-se envolvido numa rede internacional de tráfico de ópio e é forçado a deslocar-se para a China, então ocupada pelo Japão. Nesse livro, o desenhador faz referência ao Lótus Azul (precisamente o nome desse álbum), estabelecimento no qual os clientes fumam ópio, espalhados pelo chão a inalar o fumo.

Espero que o imaginário infanto-juvenil dos legisladores não tenha feito a mesma associação, hostilizando os fumadores e criando entraves na sociabilização dos mesmos, rotulando-os.
(a publicar no dia 24/01/08)

terça-feira, janeiro 15, 2008

Lista Única

No passado dia 21 de Dezembro os grupos parlamentares do PS e PSD, apresentaram na Assembleia da República, o projecto de lei número 143/X, que prevê consagrar alterações à Lei Orgânica número 1/2001 de 14 de Agosto, precisamente a LEI ELEITORAL DOS ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS.

As principais alterações a introduzir serão:
“- Eleição directa, secreta, universal, periódica e conjunta da assembleia municipal e do presidente da câmara municipal;
- O presidente da câmara municipal é o cabeça da lista mais votada para a assembleia municipal, à semelhança do regime actualmente vigente nas freguesias;
- Designação dos restantes membros do órgão executivo pelo respectivo presidente de entre os membros do órgão deliberativo eleitos directamente e em efectividade de funções;
- A garantia de representação das forças políticas não vencedoras no executivo municipal;”

Ao nível de funcionamento da Assembleia Municipal, as modificações serão:
“- O reforço dos poderes de fiscalização do órgão deliberativo, tendo como corolário a apreciação da constituição e remodelação do executivo, através da possibilidade de aprovação de moções de rejeição;
- A deliberação de rejeição do executivo requer maioria de três quintos, gerando, em caso de segunda rejeição, a realização de eleições intercalares;
- Tais direitos apenas são exercidos, ao nível municipal, pelos membros da respectiva assembleia directamente eleitos e em efectividade de funções.”

Este ponto tem provocado alguma contestação por parte dos membros eleitos por inerência, ou seja, os representantes das Juntas de Freguesia, normalmente o seu Presidente. Neste sentido, a ANAFRE – Associação Nacional das Freguesias – já apresentou o seu parecer negativo sobre este projecto de lei. Além do ponto focado, está previsto na proposta apresentada no Parlamento, o impedimento dos representantes das freguesias de exercerem o seu direito de voto, na apreciação dos Planos de Actividade e Orçamento.

Como na maioria das Assembleias Municipais, o número de votos dos Presidentes das Juntas de Freguesia é significativo, por todo o país vão surgindo apreciações e moções de rejeição ao diploma apresentado no último mês na Assembleia da República.

Em termos práticos, para as concelhias partidárias o futuro fica mais facilitado.
É certo que em concelhos com maior dinâmica política, em termos individuais, a disputa pelos lugares elegíveis será mais árdua. O mesmo acontecerá com as estruturas de determinadas freguesias, que estarão sempre atentas, a verificar eventuais ganhos ou perdas relativamente a outras organizações locais. Um pouco à semelhança do que se passa com as concelhias partidárias no que respeita a constituição das listas nas eleições legislativas em cada distrito.

As razões para a futura agilidade das concelhias são duas. Em primeiro lugar, pelo menor número de candidatos necessários para preencher as listas. Existia sempre dificuldade em encontrar militantes e simpatizantes, ou independentes, para preencher as duas listas para os órgãos autárquicos centrais. Por outro lado, como o centro do debate político será a Assembleia Municipal, os partidos com a lista conjunta, conseguirão não fragilizar uma das listas, não colocando pessoas com maior potencial político em lugares de eleição duvidosa e com isso, afastá-los da real actividade política.

Em 2009, para as eleições autárquicas já será assim.

Estas alterações na Lei Orgânica, por certo, afastarão os independentes das listas partidárias, pelas razões atrás expostas, e isso poderá ser importante para o lançamento de candidaturas não partidárias às eleições locais. Não como aconteceu, no ano passado, nas eleições autárquicas intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa, em que as listas independentes apenas surgiram por não terem sido primeiras escolhas do seu espectro partidário mas, candidaturas genuínas, do género da lista vencedora das eleições intercalares para a Junta de Freguesia das Caldas de S. Jorge.

Imagine agora o leitor o seguinte: caso a proposta de reforma da Administração Local do ano de 2006 (apresentado pelo Secretário de Estado, Eduardo Cabrita, de esvaziar os concelhos de freguesia única, extinguindo-a) tivesse prevalecido, a eleição autárquica do próximo ano, em S. João da Madeira, seria efectuada com a apresentação de uma lista única.

Este cenário pode parecer uma suposição provocatória, no entanto, começa-se na própria
Assembleia de Freguesia a reivindicar a atribuição de mais competências das previstas na Lei Orgânica para a Junta de Freguesia de S. João da Madeira.

Uma exigência antiga que a centralização autárquica tem contrariado, ao longo de anos. Daí, como são poucas as competências da Junta de Freguesia, o fatalismo da extinção da mesma, abstraiu-se de ser assunto interdito.

Provavelmente, como se pretende fomentar o conceito de competitividade do concelho, umas eleições autárquicas com os vários partidos a concorrerem, cada um com uma lista única, seria um óptimo exemplo de publicidade institucional.

(a publicar dia 17/01/07)