quarta-feira, fevereiro 19, 2020

A porta não se fechou

Ao chegar ao número 49 da Rua da Liberdade, deparo-me com a porta, de acesso ao prédio, fechada. Durante vários meses a passagem esteve franqueada, pelo que não era necessário utilizar chave para transpor a entrada do edifício. Enquanto me certifico se ainda tenho a correta, percorre-me uma estranha sensação que um dia o meu acesso por aquela porta ficará condicionado. Coloco a que julgo ser certa na ranhura e sem resistência a fechadura cede. Ao subir a escada até ao segundo andar, continuo a pensar no desconforto sentido e no que será, um dia circular por ali, sem o mesmo objetivo dos últimos anos, aceder à residência dos meus pais.

Nos primeiros anos da década de 1960, o meu pai foi colocado em São João da Madeira, para exercer funções de notário. Inicialmente, instalou-se numa pensão que existiu no lado poente da Rua 11 de Outubro. Anos depois, já com a minha mãe a viver e a lecionar por cá, montaram casa na Rua Dr. Maciel, junto à estação. Por ali, os meus irmãos viveram os seus primeiros anos, até que no final dessa década, a família transferia-se para a morada descrita no paragrafo anterior, na qual a minha mãe ainda hoje reside na sua condição de viúva.

A vida dos meus pais na comunidade sanjoanense manifestou-se pelas mais diversas formas: nas associações (em especial em Associações de Pais, na Santa Casa da Misericórdia, na Associação Cultural Alão de Morais, na Creche Albino Dias Fontes Garcia, na delegação local da Cruz Vermelha); na política (não partidária) – tendo o meu pai exercido mandato como vereador, antes e depois do 25 de Abril de 1974; no discreto apoio à paróquia (com destaque para o serviço gratuito prestado pelo meu pai, que lhe valeu uma forte amizade do Padre Aguiar) e claro (e sobretudo) pelas suas atividades profissionais, com o meu pai como advogado, com escritório próprio e a minha mãe como professora efetiva na Escola Secundária Dr. Serafim Leite e ajudando os alunos que precisavam de apoio no estudo de matemática.

Ainda hoje, a família procura estar inserida na comunidade.

24 anos depois de se ter reformado, a minha mãe continua a apoiar alunos em sua casa. À disciplina de matemática, acrescentou outras matérias, o que lhe permite continuar a adquirir novos conceitos ou a reciclar conhecimentos antigos. Além do ensino, a componente paroquiana também ficou em exclusivo para ela.

Sem os descendentes diretos a trabalhar em São João da Madeira, a tarefa de continuar no escritório de advogados Guerra e Vilela (sociedade entretanto constituída pelo meu pai e sua sócia) está entregue ao neto mais velho.

É no associativismo que existe grande afinidade com a cidade. Em especial, na troca de informação entre irmãos divulgando os resultados da Associação Desportiva Sanjoanense – ao domingo, como sócio, assumo essa transmissão, sobretudo do futebol, não escondendo regozijo com as equipas das outras três modalidades praticadas e também dos feitos da natação. Em comum, entre os três irmãos, o estatuto de sócio fundador da Associação Estamos Juntos, o que implica uma relação por vezes emotiva, outras vezes racional com esta associação. A última destas ponderações, levou-me a mim e ao meu irmão Miguel de volta ao ativo nos órgãos sociais. Os interesses pela vida associativa tornaram-me sócio da Santa Casa da Misericórdia e da Associação Cultural Alão de Morais, uma continuidade curiosa do passado dos meus pais.

A anterior menção ao meu irmão Miguel, permite fazer a ligação à sua residência em São João da Madeira, há quase nove anos, facultando-lhe a possibilidade de ter vida social na cidade.

Por fim a vertente política, ressalvando as aventuras do Partido Humanista que em tempos envolveu o meu irmão Luís, a independência tem sido apanágio familiar. Neste particular, já houve uma aproximação minha ao Partido Socialista em 1997, tendo exercido o mandato de deputado municipal como independente. Apesar de ter participado, desde 2012, em fóruns preparativos das eleições autárquicas, a minha rebeldia (e se calhar algum mau feitio), mantiveram-me longe das listas eleitorais, apesar dos convites endereçados por alguns candidatos.

É certo que esta exposição, através da publicação de artigos de opinião no jornal labor, contraria a discrição familiar. Uma contradição sem prejuízo para a intimidade de cada membro.

A porta ainda não se fechou.

Afinal, são agora várias.

Enquanto estiverem abertas, a retidão pela qual o meu pai era reconhecido terá que ter continuidade.  

 

(a publicar no dia 20/02/20)

 

quarta-feira, fevereiro 12, 2020

Pedro e Nuno

O troço sul da Linha do Vouga está a receber programas turísticos com locomotivas movidas a vapor. Recentemente a CP organizou um comboio entre Aveiro e Macinhata do Vouga, onde está localizado o Museu Ferroviário, estando agendado para breve mais passeios, com composições que são peças desse Museu, ou que estavam abandonadas pelo país e que, entretanto, passaram a ser reparadas e colocadas à disposição destes programas para os apaixonados dos comboios antigos.

As sucessivas reportagens na comunicação social sobre esta atração turística permitem verificar o seu sucesso e possibilitam ao promotor alargar os programas de oferta. Naturalmente, a Câmara Municipal de Águeda já dimensionou a oportunidade em termos de turismo e pretende ser parceiro ativo da CP, esperando receber mais visitantes no concelho.

Se o destino do troço Sul do Vouguinha está traçado e o seu futuro por agora parece estar assegurado, o que poderá acontecer ao troço Norte, entre Espinho e Oliveira de Azeméis?

Antes de avançar, recordo aos leitores menos familiarizados com esta Linha, que o troço a sul do concelho vizinho está encerrado, devido ao seu estado degradado. Ou seja, de Oliveira de Azeméis até Sernada do Vouga não circulam comboios. Recordo, igualmente, que o traçado original seguia desta última estação até Viseu, estando este troço fechado desde o final do século XX. Refira-se o pormenor geográfico, deste traçado ser paralelo ao rio que dá o nome à linha, ora circulando o comboio pela sua margem esquerda, transpondo o rio por belas pontes, para circular na margem direita, incutindo ao projeto original um enquadramento natural digno de visita e registo.

Ao longo dos anos muitas foram as hipóteses de transformação do troço Norte da linha do Vouga. Corredor para ligação ao metro do Porto (à semelhança da linha da Póvoa); alargamento da bitola para circularem outras composições mais modernas e mais rápidas; introdução de um sistema de vai e vem apenas na cidade de São João da Madeira. Tudo pressupostos de acordo com o momento vivido pelo país, no desenvolvimento de soluções de transportes públicos, ou pensando-se apenas numa localidade.

Nos últimos anos prevaleceu uma nova solução, provavelmente a melhor, ligar a Linha do Vouga à Linha do Norte em Espinho. Ou seja, permitir que as cidades de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Santa Maria da Feira passem a estar ligadas ao Porto por ferrovia direta. Neste sentido, surgiu a ideia de as ligar a S. Bento, à semelhança do que existe com os comboios que saem da estação portuense e seguem para Braga, Guimarães e Marco de Canaveses.

Um novo itinerário na Grande Área Metropolitana do Porto, criando soluções ferroviárias para os concelhos a sul do Douro, completando a larga oferta rodoviária e promovendo a coesão territorial. Em termos de transportes coletivos, atendendo ao novo modelo de passes, incentivado pelo Governo do Partido Socialista, surge uma oportunidade para deslocações de esta zona para a cidade do Porto e vice-versa. Recordo que os 40 euros de custo mensal de passe / andante permitem circular através dos transportadores aderentes por toda a Área Metropolitana do Porto, incluindo o Metro do Porto, a CP, os SCTP e alguns privados, onde se inclui a Transdev. Neste sentido, um comboio, mesmo com velocidade média (80KM/h) permitirá percorrer os quilómetros que separam estes concelhos da cidade do Porto, num tempo razoável, evitando-se as filas de automóveis na entrada e saída da grande cidade, além das despesas inerente de combustível, portagens e estacionamento para quem não o tiver gratuito. Mesmo para quem já opta pelo autocarro, o comboio pode ser mais vantajoso: em tempo, de São João da Madeira a Santa Maria da Feira o autocarro tem que parar nove vezes, caso haja passageiros interessados em entrar ou sair do autocarro nos locais apropriados; em lugares para passageiros, o autocarro normal tem capacidade para 50 lugares, havendo horários em que seguem dois autocarros seguidos para fazer face à procura, ficando ambos lotados à entrada para a autoestrada A1. Como se pode ver, as vantagens não se limitam à descarbonização da área metropolitana, embora não se deva descurar essa vertente.

No Plano de Investimentos Ferroviários 2016-2020, a Linha do Vouga não foi contemplada. Apesar da sua baixa execução (11%), está a ser preparado um novo plano para a próxima década. O Programa Nacional de Investimentos 2030 está em discussão pública. As primeiras referências na comunicação social nada adiantavam se a Linha do Vouga estava envolvida nessa discussão.

Por curiosidade fui espreitar o Programa e os seus projetos.

117 páginas no total.

Nos projetos da Ferrovia, que importa aqui focar, estão contemplados 75 milhões de Euros para a requalificação do troço Espinho – Oliveira de Azeméis da Linha do Vouga, a realizar-se entre 2021 e 2025. Analisando melhor a ficha de investimento, afinal a requalificação é mais ambiciosa, já que inclui a construção de ponto de amarração à linha do Norte. O objetivo deste investimento será “aumentar a quota de mercado da via-férrea, permitindo serviços suburbanos diretamente à cidade de Oliveira de Azeméis”.

Caso este investimento público seja concretizado nos próximos anos, Pedro Nuno Santos ficará na história como o ministro que permitiu a requalificação da Linha do Vouga, depois de décadas ao abandono. Neste processo não pode ficar esquecido Nuno Freitas, presidente da CP, que com pouco tempo de mandato tem alterado a forma de gestão da empresa pública, com sinais muito positivos, sobretudo na reabilitação de recursos, na qual se insere perfeitamente a linha do Vouga.

          

 

quarta-feira, fevereiro 05, 2020

Assim vão os nossos vizinhos.

                1) Um ex-vereador de um concelho vizinho, a propósito da gestão da sua agenda, contava que por vezes tinha cinco compromissos na mesma noite. Normalmente jantares em freguesias diferentes, separadas umas das outras por alguns quilómetros. Ele comprometia-se com todos e com a sua graça relatava como em todos os jantares a ementa era igual, utilizava um método para garantir a sua presença sem prejudicar a sua refeição. Iniciava a ronda, com as entradas, num dos jantares, discursava e saía. Em seguida comia a sopa na freguesia vizinha e utilizava o mesmo procedimento, discurso e abalo. Uns quilómetros adiante degustava o prato principal, seguindo-se a oratória e a mudança de instalações. O mesmo com a sobremesa no quarto jantar e por fim, no quinto repasto, bebia café e o digestivo. Aqui com mais calma permanecia mais um pouco, para além do discurso apropriado. Uma habilidade que lhe permitia agradar a quem o convidava, ao mesmo tempo que representava a Câmara Municipal em todos os eventos, permitindo igualmente uma gestão de recursos.

                A marcação de eventos para o mesmo dia e a mesma hora requer soluções. A atrás descrita foi concebida por alguém conhecedor das expetativas da população envolvida nas coletividades. Há outras formas, sendo a mais usual a delegação. Aliás, o jornal labor retificou a semana passada uma notícia com quinze dias, informando que a Junta de Freguesia de São João da Madeira tinha estado representada no Jantar de Reis da Associação Estamos Juntos (AEJ) por Marisa Brandão. Uma informação tardia que só evidenciou a ausência de representante da Câmara Municipal deste concelho nesse mesmo jantar.

2) Atendendo aos problemas que a AEJ tem vivido, as presenças nesse jantar são a menor das suas preocupações. Por um lado, em menos de um mês e meio, a ocorrência de dois incêndios no quadro elétrico da sede social, provocados por infiltrações, devido à permeabilização do telhado e às fortes chuvadas. A infiltração bem por cima do quadro elétrico foi comunicada antes do primeiro incêndio, ainda em dezembro. No último fim de semana, após mais um dia de forte pluviosidade, novo incêndio. Por outro lado, o estado calamitoso do piso dos courts de ténis, que levou à tomada de posição da Associação de Ténis de Aveiro aconselhando a não realização de provas distritais naqueles courts, para evitar que a integridade física dos atletas não seja posta em causa. Assuntos relatados diversas vezes ao executivo municipal e que não têm encontrado resposta concreta. A inexperiência e inércia deste executivo tem justificado a sua pouca capacidade em resolver problemas.

Olhando para os concelhos vizinhos, houve outros executivos igualmente eleitos pela primeira vez em 2017. A diferença é que a equipa eleita fez o seu caminho durante muitos anos, passou pela oposição, rodeou-se de independentes bastante simpatizantes do Partido Socialista, alguns tinham participado nas primárias que elegeram António Costa em 2014 e quando todos assumiram funções executivas, tornou-se mais simples passar à ação e cuidar dos bens públicos de forma eficiente.

3) O encerramento da Helsar e a deslocalização da Molaflex mais do que alterar os roteiros do Turismo Industrial, interferem com o emprego liquido do concelho. A ideia que fica de 2019, é que a industria reduziu postos de trabalho em São João da Madeira e que o comércio tradicional continua a definhar e a ser substituído por grandes superfícies. Mais do que perceções, é importante criar um indicador que demonstre a evolução do emprego no concelho e monitorizá-lo, procurando captar investimento no imediato, para não haver acusações de inação em 2021.

Em Santa Maria da Feira, o executivo municipal tem como meta o pleno emprego, com consequência imediata a redução do nível de desemprego e numa fase seguinte a possibilidade de melhoria da remuneração salarial da população. Desde 2017, o Presidente dessa Câmara Municipal visita regularmente os agentes económicos e quando acolhe algum novo investidor, enaltece a chegada do novo empregador.

4) As deslocalizações para os concelhos vizinhos não se limitam às empresas históricas da cidade. Também no desporto, uma modalidade, o xadrez, deixou de estar sediada no concelho e optou pela Vila de Arrifana para organizar os seus torneios e efetuar os seus jogos. O Clube Académico Tesserá lá terá as suas razões.