A 1 de Agosto sou informado do falecimento de Moniz Pereira. Com ele, aprendi a simpatizar com o adversário. Dele sorvi o conceito de desporto olímpico e claro, vibrei com os atletas treinados por ele e os seus feitos heróicos. Simpatizava bastante com o “senhor atletismo” e não tenho pejo em afirmar, que terá sido o melhor dirigente do seu clube.
De férias rumo a Santiago de Compostela. Com a família – esposa e filhos – arranco de Valença e pé ante pé, desço ao rio Minho no início de uma jornada que terminará 120 quilómetros depois. 5 dias com tempo ameno, chuva e calor abrasador. Paisagens deslumbrantes, a ouvir o som dos melros e dos corvos a acordar, encontrando os mais curiosos peregrinos e outros personagens bizarros à face do caminho. Trajetos vencidos. Descanso merecido ao cair do dia. Sem chamadas telefónicas constantes, sem jornais para ler, sem televisão para ver, despreocupado com a ocupação laboral, apenas o Caminho Português e a contagem decrescente de quilómetros para o final da etapa diária e claro, tendo como horizonte o chegar à Catedral. Jamais tinha efetuado várias jornadas seguidas a caminhar. No meu historial contavam-se os episódios isolados nas serras de Arouca e umas horas nos Pirenéus. Hei-de voltar. Olho para mapa de Espanha e os 30 dias do Caminho Francês ficam projetados para o futuro.
Regresso a casa com o país a arder. Três dias rodeado de fumo. A Norte, a Sul e a Este, nos nossos concelhos vizinhos, as notícias são preocupantes.
Em casa, concentro-me nos Jogos Olímpicos. 12 anos a acompanhar a performance de Telma Monteiro e no dia dos seus combates, estou a descansar em frente ao televisor, sofrendo e vibrando com o desenrolar dos acontecimentos. Grito a cada vitória, resigno-me com a derrota, acredito na repescagem e na conquista da medalha de bronze. Vejo o último combate de pé em frente ao televisor a incentivar a nossa atleta. Extravaso a emoção com a vantagem conquistada no tapete. Olho para o relógio, começo a pedir calma, concentração e defesa. Volto a olhar para o cronómetro e aqueles segundos demoram a passar. O meu monólogo está quase a acabar, emociono-me com a vitória e saio a correr da sala, berrando pelo bronze conquistado. Só mais tarde é que vi a euforia de Telma Monteiro no pavilhão. Percebi-a perfeitamente.
No dia seguinte, influenciado pela medalha portuguesa, deixo-me contagiar pela comunicação social e vejo em cada atleta a competir a possibilidade de conquistar medalhas. Paro para refletir. Ao atleta desconhecido de slalom da canoagem, repescado no apuramento para os Jogos, com performance mediana, com o 9º tempo na meia-final, fica o país à espera de um milagre e de mais uma medalha. A resposta de José Carvalho, no final da sua prestação foi lapidar, “a única coisa que peço é uma pista para poder treinar”. Não há nenhuma no país e recordo-me sempre da minha sugestão ao presidente de uma junta de freguesia do concelho vareiro, para criar equipamentos desportivos diferenciadores e não cair na tentação de repetir as soluções dos outros, deixando-lhe precisamente a sugestão de adaptação de um ribeiro para uma pista deste desporto aquático, aproveitando a mais-valia para atrair praticantes da modalidade de toda a Europa. Penso que até hoje ainda não percebeu a minha sugestão.
Ao dia 10, fujo outra vez do país.
À chegada ao país vizinho, recebemos um comentário jocoso do recepcionista hoteleiro sobre os fogos em Portugal: “Arde todos os anos”. Ao longe assim parece, para quem cá vive, percebe a diferença geográfica. Num ano arde mais num distrito, noutro ano é um pouco mais ao norte a incidência, no ano seguinte é mais ao centro, ou ao sul e por aí fora. Ano após ano, há décadas que é assim. Ao longo dos dias de descanso e de mergulhos em águas frias, leio os relatos, os comentários, a apresentação de soluções, o pedido de aumento da pena penal e de outras considerações. Reconheço em alguns pontos de vista o aproximar da racionalização dos meios de combate através da Força Aérea, que há anos defendo. Começa-se a escrever que o trabalho de sapadores deve ser efectuado pelas Forças Armadas, o que também é importante na defesa do património nacional. Só lamento que ninguém tenha escrito que a vigilância deva ser exercida precisamente pelas Forças Armadas. Não apenas como vigilantes passivos, instalados em torres altaneiras com binóculos, mas tendo como missão fazer o patrulhamento dos acessos às matas nos concelhos com maior área florestal. Com os meios ao dispor no Exército, muito dificilmente haveria corajosos para entrar numa escura mata da aldeia de Janarde, concelho de Arouca e incendiá-la numa frente de cinco quilómetros. Enquanto assim não for, vamos continuar a discutir o mesmo todos os anos. A verificar quanto custa apagar incêndios. Qual o desperdício do Estado ao entregar o dinheiro a autarquias para o trabalho de sapadores não ser efetuado. A constatar que uma das várias taxas sobre os combustíveis é precisamente para assegurar essa mesma verba e até que nos questionamos se não estamos perante uma situação de dolo e não deveria haver uma intenção por parte do Ministério Público para apurar responsabilidades.
Ainda nas férias, sigo à distância os dias dos Jogos Olímpicos. A perspetiva Espanhola é muito nacionalista. Qualquer jogo ou prova de qualquer competição na qual participem atletas Espanhóis tem preferência de transmissão televisiva, não se inibindo de interromper a emissão, remetendo o telespectador para a internet, se pretende continuar a visualizar uma prova, incluindo uma final. O ideal olímpico fica alterado.
Num dia de chuva, tréguas nos banhos, regresso a Bilbao 16 anos depois. Escrevi há dias neste jornal sobre o efeito Guggenheim na política portuguesa e a sua consequência na regeneração de várias cidades portuguesas, incluindo S. João da Madeira. Na cidade da Biscaia tudo se transformou. Não houve equívocos. Na continuidade do Museu, as margens da ria foram entregues à população. Grandes passeios a ladear o efluente, com pistas para a prática de actividade física. Equipamentos desportivos como tabelas de basquetebol, 15 num recinto de street basket, pista de patinagem inseridas sob um vão de uma ponte. Parques infantis com inúmeros aparelhos e boas áreas de piso apropriado, rodeados de bancos para os familiares vigiarem os mais novos e poderem conversar uns com os outros. As inevitáveis esplanadas para turistas e para os próprios habitantes da cidade. Se tudo isto já era bom, devo continuar a descrição, indicando que nas áreas onde havia contentores, há agora edifícios emblemáticos de grandes empresas, mais outros edifícios culturais e até centros comerciais. A regeneração de Bilbao impressionou-me pela positiva. Havia gente por todo o lado. Muitos turistas. E tudo começou pela aposta num edifício emblemático.
Já em Portugal, numa chuvosa manhã tão carateristica do clima Nortenho de Agosto, sou surpreendido por uma notícia de última hora do jornal Público, o hospital de S. João da Madeira voltará a ter urgência aberta 24 horas. Adivinho as manchetes da primeira edição de Setembro dos Jornais locais.
É tempo de rumar ao sul. Ao sol, ao sal em águas quentes, ainda por cima com ondulação. Regresso aos dias de praia com mergulhos repetidos e com a vontade de sempre em fazer carreirinhas, em baixa-mar, tentando sempre alcançar o areal transportado pela onda, o que na minha idade seria um feito notável.
O Senhor Palomar acompanha-me nos últimos dias de Agosto. O livro de Italo Calvino, simples, atira-me para a desconstrução da realidade.
A 30 de Agosto volto a escrever. O poder de síntese parece ter desaparecido.