José Mattoso, prestigiado historiador português, desenvolveu a tese que alguns nomes das localidades derivam da sua principal atividade económica. Porto é o mais significativo e serve como exemplo. Do mesmo modo, a concentração de artesãos em determinada rua, ou mesmo, localidade, serviu como designação das mesmas. Neste sentido, tal como já o escrevi anteriormente neste jornal, S. Paio de Oleiros, S. Félix da Marinha e S. João da Madeira, seriam nas terras medievais de Santa Maria a localização de artífices da olaria, da pesca e do trabalho em madeira.
Esta tese fundamenta a apetência histórica da indústria de S. João da Madeira.
Em época anterior ao aproveitamento do vapor como fonte de energia, a transformação de madeira servia essencialmente para a construção civil, mobiliário e armazenamento de alimentos. Ficou na toponímia da cidade o lugar do Orreiro, vocábulo associado à trave que entra na cavidade das lajes de certos moinhos, ou seja, um termo de edificação. É certo que em épocas tão remotas, o trabalho em madeira cingia-se à serração para tábuas e ao debaste através da enxó. Pode-se ainda pressupor que dessa madeira, cortada nas oficinas da povoação, conseguia-se produzir tamancos, socas e chancas, no que terá sido a génese da indústria do calçado. A toponímia, também aqui, tem um papel importante, pois identifica-se, precisamente, uma Rua dos Tamanqueiros, no norte da cidade, numa artéria perpendicular à Rua do Condestável.
Não há transformação de madeira sem árvores e continuando pela designação de nomes de ruas ou lugares de S. João da Madeira, é possível identificar espécies como castanheiros (através do topónimo Largo do Souto, sendo este o nome coletivo para um conjunto destas árvores, o que é uma evidência histórica do arvoredo existente outrora na localidade), carvalhos (a existência de um lugar nas imediações chamado Carvalhosa, prova a presença antiga destas árvores, embora, tenha apreciado umas fotografias antigas de um belo carvalhal na zona de Fundões), além da Devesa-Velha, cujo significado indica lugar cercado por árvores, ou noutra versão, alameda ladeada por árvores.
Tudo mudou com a revolução industrial.
Primeiro com o consumo de lenha para alimentar as caldeiras. Aumentado a procura nas imediações dos novos centros industriais.
O que acredito ter tido repercussões no negócio dos artesões da madeira foi a construção do caminho-de-ferro, com o fabrico de traves para as linhas e o facto das próprias locomotivas serem alimentadas a lenha. As serrações passaram ter outra capacidade de produção e como o produto tinha muita procura, a maior parte destas pequenas indústrias começaram a formar-se na proximidade da principal linha ferroviária do país, a linha do Norte.
As serrações mais distantes da ferrovia foram-se especializando em outros produtos. É certo que a construção e o mobiliário continuavam a absorver muita madeira, no entanto, a especialização e por outro lado, a reconversão dos artesãos locais, fizeram com durante o século XX, ainda assim, vigorassem em S. João da Madeira algumas serrações, a produção de urnas, associadas à indústria de outros artigos funerários, como a cera, a produção de tábuas de passar a ferro e noutra perspetiva, os lápis de madeira, que ainda hoje são produzidos.
A história da indústria da madeira muda com a chegada da eletricidade e mais tarde das locomotivas movidas a diesel e claro, com a introdução do betão na construção civil. Aqui, a transformação de madeira teve que descobrir outras soluções: caixas para acondicionar frutas ou legumes foi uma delas e após à utilização de polímeros naquelas embalagens, a produção de paletes tornou-se a solução ideal para quem trabalha no sector da madeira. Outra solução passou por painéis em platex, mdf, ou outros aglomerados.
A produção florestal está associada à procura da indústria transformadora. Das espécies autóctones evoluiu-se para pinheiros, por insistência do Estado Novo (desenvolvendo-se a industria resineira e o aproveitamento do pinho para os mais variados fins) e mais tarde para as manchas de eucaliptos, alimentando-se as celuloses, que são hoje os principais clientes da floresta.
O desenvolvimento urbano da cidade, com a inerente industrialização, confinou a pequenas manchas as espécies florestais. Não é por isso que S. João da Madeira fica indiferente aos trágicos acontecimentos vividos na pretérita semana nos concelhos do interior do país.
Sendo a produção de eucaliptos a principal fonte de riqueza da florestal nacional, pelo seu rápido crescimento até ao abate, parece-me importante, que não esteja sujeito a ações de vilipendiação, como fogos. Todas as ações de prevenção são importantes, assim como, recuperar os ensinamentos do passado: limpeza, acumulação de águas pluviais, evitar as monoculturas, introduzir pelo meio do pinhal ou do eucaliptal várias espécies autóctones, com maior resistência ao fogo e desta forma evitar a sua propagação por extensões tão elevadas. No fundo, é necessário reverter os erros dos últimos cinquenta anos e procurar encontrar um desenvolvimento sustentável na floresta.
(a publicar no dia 29/06/17)