quarta-feira, janeiro 16, 2019

Porque voltei

                No ano de 2001, a poucos meses do final do meu mandato como presidente do Conselho de Coordenação (Direção) da Associação Estamos Juntos (AEJ), publiquei na impressa local um manifesto vaticinando que o futuro deste clube passaria, forçosamente, por ter a sua sede social nas Corgas.

                Para trás ficavam quinze anos de história da AEJ, com as suas secções a trabalharem de forma isolada e sem sede comum. Nos primeiros anos, a associação teve apenas duas secções desportivas, natação e basquetebol. Após três épocas desportivas, esta última encerrou e passado uns tempos surgiu a secção de xadrez. É com base no trabalho destas duas secções que a AEJ atravessa a última década do século passado. Com o xadrez a viver em salas emprestadas e a natação a utilizar a piscina para treinos (cada secção reunia os documentos em casa do seu diretor), ressaltavam os resultados desportivos alcançados, que permitiam ter uma máxima incomum “fazer-se muito, com nada”.

Durante estes anos o tronco comum da AEJ era a organização do Campo de Férias Estamos Juntos, que tivera início nas traseiras da Escola Primária do Parque, no ano de 1982. No final dessa década, aproveitando-se o facto do Complexo Desportivo das Corgas ter sido finalizado, este Campo de Férias passou a realizar-se nestas novéis instalações municipais. Pelo meio, para o leitor ter uma ideia da complexidade do clube, surgiu uma secção de automóvel, dando apoio ao piloto local, Pedro Correia. Ou seja, mais uma atividade competitiva que não precisava de partilhar instalações com as restantes secções.

Em 1999 assumi a presidência da AEJ, conforme referi no primeiro parágrafo. O clube passou a ter uma reduzida sede social, alteraram-se os estatutos, criou-se o ficheiro de sócios, realizaram-se Assembleias Gerais duas vezes por ano, mantiveram-se as duas secções desportivas (natação e xadrez), o campo de férias alargou o seu horário para a tarde, diversificando a oferta aos participantes e ainda houve oportunidade para a inscrição da AEJ como associação juvenil, no então denominado, Instituto Português da Juventude.

Aqui chegado, surgiu o manifesto “AEJ clube das Corgas”. Obviamente que para crescer, a associação deveria ter outras instalações, para oferecer outros serviços aos seus sócios e à comunidade local, nomeadamente na criação de secções desportivas. Ao pensar nas Corgas, o objetivo era concentrar nesse espaço a totalidade da atividade da AEJ e aproveitar para lançar sementes para a criação da secção de Ténis, já que existiam courts na cidade e estavam subaproveitados.

                Antes de terminar o meu mandato, a Câmara Municipal de S. João da Madeira acedia ao nosso pedido e cedia umas salas disponíveis no complexo desportivo das Corgas, mais a gestão dos courts de ténis. Apesar de realizado o desejo, já não seria comigo que a AEJ se mudaria para lá. O meu mandato terminava, não me candidataria a novo e entretanto, em Dezembro desse ano houve eleições autárquicas e novo Presidente da Câmara Municipal, o que significou que o processo de mudança para a nova sede demorou um pouco mais. Ainda assim foi bem conduzido pelo meu sucessor, Nuno Fernandes, que após meses de negociações, conseguiu a cedência das instalações atuais, com o alargamento das secções / atividades do clube a estenderem-se ao ténis, capoeira, karting, motociclismo.

                Este enquadramento histórico servirá para o leitor perceber o meu estado de espírito ao longo dos últimos seis anos. Quem me acompanha, na sua leitura semanal, certamente se recordará que a AEJ foi tema recorrente destes artigos. Aqui, fui traduzindo as minhas preocupações sobre a forma como o clube estava a ser conduzido, desde 2012.

Por ser sócio fundador, o que por inerência me permite ser membro do Conselho de Fundadores – que é um dos órgãos sociais do clube, nunca estive totalmente desligado da atividade da AEJ. Confesso que me preocuparam todas as picardias envolvendo as anteriores direções, que levaram ao afastamento de vários elementos: primeiro da secção de ténis, depois da secção de natação, mais tarde do Conselho de Fundadores e finalmente do que sobrava da secção de Natação. De igual modo, também me entristeceu que a AEJ não tivesse honrado os seus compromissos com a Junta de Freguesia de São João da Madeira, falhando na gestão do espaço de fisioterapia e não assumindo os seus erros, preferindo seguir a via litigiosa, em lugar de procurar dignificar o seu nome.

Foi nestas circunstâncias, em que fui convidado para assumir outro cargo nos órgãos sociais do clube, nas eleições decorridas no passado mês de Outubro. Ofereci alguma resistência, impondo algumas condições, uma delas era essencial: não haver conflitos de interesse dos novos diretores, promovendo o seu trabalho em regime de voluntariado em prol da Associação. Nas reuniões de preparação da candidatura, apercebi-me que a AEJ ia mudar. Deixaria de ser gerida por um homem só e passaria a ter uma equipa a tomar decisões. Ponderando tudo, decidi regressar ao associativismo mais ativo, embora limitado pela pouca disponibilidade pessoal.

Para terminar, aproveitando a gentileza do jornal labor, passo a usar o meu novo estatuto de Presidente da Assembleia Geral da AEJ, fazendo um apelo aos sócios que estão afastados do clube, para reconsiderarem e que a sua ligação afetiva à AEJ seja suficientemente forte para voltarem a aproximar-se e envolverem-se no dia-a-dia deste clube de S. João da Madeira. Uma nova dinâmica associativa, aumentará o número de associados e tornará a AEJ mais forte no futuro.

 

(a publicar no dia 17/01/19)

quarta-feira, janeiro 09, 2019

Duas saídas, novas oportunidades

No período de um mês a autarquia teve duas baixas importantes.

Anunciada pela imprensa na semana transata, a renúncia do Vereador Pedro Silva, causou admiração pela sua passagem fugaz pela atividade política. Eleito como quinto elemento na lista vencedora às eleições autárquicas, este Vereador passou como um meteoro pela política local. Sendo um profissional da Educação Física, esperava-se que o seu contributo para o desenvolvimento desportivo da Câmara Municipal de S. João da Madeira, alavancasse a Carta Desportiva do Município e se traduzisse numa significativa melhoria dos níveis de atividade física e desportiva dos cidadãos, em especial, os jovens. Infelizmente, a sua prematura saída, não permitiu perceber qual o seu legado para a cidade.

Aliás, a política desportiva da autarquia continua a basear-se - e bem - no apoio às associações locais, acrescentando-se a necessidade de aumentar (e melhorar) as infraestruturas desportivas, continuando a faltar o vetor de fomento quer desportivo, quer da atividade física da população.

A entrada em funções de Rosário Gestosa, à partida para assumir o Pelouro do Desporto, poderá ser uma lufada de ar fresco, pois à sua experiência como profissional no setor, deve-se acrescentar o seu passado como atleta e mesmo o seu interesse como adepta, o que poderá ser impulsionador de algumas melhorias na política desportiva da autarquia.        

Em contrapartida, a saída em dezembro da Chefe da Divisão Cultural da Câmara Municipal de S. João da Madeira, Suzana Menezes, para uma Direção Regional da Cultura, não é uma boa notícia para a cidade. É certo que o seu vínculo à autarquia, coincidiu com um forte investimento municipal em reabilitação de edifícios históricos da cidade e sua reconversão em espaços culturais. Tudo isto permitiu a recuperação de património industrial, da constituição de núcleos museológicos em torno de produtos icónicos da indústria local, devendo-se listar igualmente a abertura de salas para acolher espetáculos. Suzana Menezes não se limitou a gerir as novas oportunidades, procurou impor programação, com conteúdos diversificados (destaque para a Poesia à Mesa). A longevidade na sua ligação com a Câmara Municipal permitiu-lhe trabalhar com quatro presidentes da autarquia. Ambos os fatores deram um estatuto inédito na autarquia à antiga Chefe de Divisão e a cidade reconheceu o seu trabalho.

Pelo exposto, pode-se perceber que estas duas saídas têm um valor diferente para o funcionamento da autarquia, o que acaba por ser curioso, porque num dos pratos da balança está a definição de políticas municipais e noutro a sua execução (ou um plano bem delineado sem qualquer ligação partidária). Parece claro que a execução tem neste caso um peso mais elevado no quotidiano do município.

É tempo agora de cimentar o trabalho desenvolvido pela Câmara Municipal na área da cultura, nas últimas duas décadas. Devendo-se aproveitar a oportunidade de mudança de agente para apostar: na revisitação do património humano da cidade, incluindo uma pesquisa à arqueologia de ofícios e primitivas formas industriais; no fomento do associativismo exclusivamente cultural; na fidelização de público, para estar presente nos vários palcos dos eventos a promover; na produção sistemática de eventos culturais, tendo como base a população local (tendência nacional, com consequência visibilidade na imprensa especializada); finalizando as hipóteses de melhorias, pela criação de sinergias de programação com os concelhos vizinhos, de forma a atingir uma massa crítica mais numerosa.

      

(a publicar no dia 10/01/19)

quinta-feira, janeiro 03, 2019

Um quarto com vista para a Praça

                A programada intervenção autárquica na Praça Luís Ribeiro tem merecido um debate interessante na imprensa local. Vários conterrâneos expressaram a sua opinião, de acordo com a sua sensibilidade pessoal, muitos recordando a sua vivência em torno do espaço referido e outros tantos, idealizando-lhe um futuro de acordo com conhecimento adquirido ao longo de visitas a outras cidades, quer nacionais ou do estrangeiro.

Sempre olhei para a Praça, desde o lado nascente. A varanda do meu quarto era um bom observatório e dali fui assistindo às transformações da Praça e também da Rua da Liberdade, onde morei.

Cresci com a Praça confinada à meia-lua do lado nascente e atravessada a poente pela estrada nacional número 1 (EN1). Carros a circular, carros estacionados, paragem de autocarros, praça de táxis, comércio variado incluindo pensões, 5 cafés, farmácias, máquinas de diversão, barbearias, garrafeiras, tabacarias, loja de colchões e mobiliário fico-me por aqui para não ser exaustivo, nem omitir alguma memória.

A transformação a que primeiro assisti, foi ao início da construção do edifício Parque América. Até à sua finalização, ficou concluído o fecho a nascente da Praça, de prédios com fachada e altura iguais. No mesmo período, foi demolida a poente, primeiro o andar correspondente à Pensão Sanjoanense e mais tarde o piso térreo, no qual estavam instalados o Café Império e o Café S. João, que ainda funcionaram com as traseiras derrocadas devido às obras do futuro “arranha-céus”.

A abertura do atual IC2, na época o novo troço da EN1 era designado por variante a S. João da Madeira, condicionou o futuro da Praça. Também contribuiu para o seu desfecho, a receção ao Presidente da República de então, Mário Soares, com uma Praça fechada ao trânsito, o que era inédito na cidade.

                O encerramento definitivo à circulação automóvel foi a consequência imediata, juntando-se à nova zona pedonal, uma série de arruamentos adjacentes à Praça. Para o futuro ficariam os problemas de trânsito que ainda hoje perduram, como o condicionamento na circulação nascente – poente, na zona central da cidade, assim como, a transposição norte-sul que é tudo menos linear.

                Através do meu quarto assisti à construção do elemento arquitetónico, à inauguração do Parque América, à transformação da Praça em zona comercial, com animação nas noites de verão, até que um dia, deixei de ali viver. À distância, tomei conhecimento das obras enlameadas, do nascer dos chapéus de vidro, ao aumentar a zona pedonal para ruas sem comércio e o transtorno causado a todos, comerciantes, prestadores de serviços e moradores, teve o desfecho de desinvestimento e de mudança de residência.

                A descentralização, com toda uma política centrifuga promovida pela Câmara Municipal
durante a primeira década do presente século, transformaram a Praça num local decrépito. Vazio de dia e também de noite. Houve uma tentativa mal conseguida, por ser pouco ambiciosa em cortar com o passado, de revitalização, com a criação de estacionamento e a reposição de trânsito mas, uma má escolha de materiais, obrigou a nova intervenção e não houve oportunidade para pensar melhor na zona central.

                No ano que passou, voltei a acordar na Rua da Liberdade. Já sem “pirilau”, voltei a espreitar a Praça, como na minha infância. Ao ver o raiar do sol, a iluminar a rua até ao centro e a aquecer a calçada, ganhava alento para enfrentar o frio do Inverno e o pesadelo familiar. Em noites mal dormidas, voltei a ouvir aquele silêncio matinal, entrecortado pelos barulhos do abrir de persianas, das portas e portões de segurança dos comerciantes e com tudo isto, escutei o cumprimentar e o falar dos madrugadores.

Esta perspetiva pessoal é a forma como eu vejo a Praça, a meia-lua fechada ao trânsito, estendendo-se a interdição à parte superior da Rua da Liberdade, à Rua Padre Oliveira e ao largo Santo António. Para o seu lado poente, sou a favor da reposição automóvel, isolando o Parque América, permitindo os carros circularem em sentido único. No fundo, sou a favor do projeto aprovado pelo executivo municipal anterior, por entender, que os seus autores perceberam a essência da história da Praça e em certo ponto, da cidade. Ajustar a zona pedonal, atendendo à realidade económica da cidade e de certo modo, repor o princípio geométrico da Praça seria algo a atingir.

A reversão do conceito pelo atual executivo é uma outra forma de ver o problema. É querer esticar para o futuro uma conceção que infelizmente a cidade não conseguiu abraçar, em que a dinâmica económica retirou protagonismo comercial à zona central da cidade, transferindo-o para o eixo da Avenida Renato Araújo.

O dia-a-dia da Praça é com os seus poucos moradores, um comércio de proximidade e despojada de serviços. Esta realidade vai sendo invertida pontualmente com animação promovida pela Câmara Municipal. A projetada intervenção, pouca atratividade trará, perdendo-se com isso a possibilidade de revitalização do espaço, que dependerá sempre da complementar iniciativa privada.

Gostaria de viver anos suficientes para ver um final de tarde de Inverno, com os raios solares a bater na janela no meu quarto de infância. Sei que mesmo que isso aconteça, em consequência do processo de desocupação do prédio monstruoso da Praça, o acesso a esse lar já não me será permitido. Quando voltar haver invernos solarengos na Praça, será o momento para pensar-se em fechar a meia-lua e promover-se uma Praça circular.

         

(a publicar no dia 04/01/2019)