quarta-feira, janeiro 29, 2020

Festival de Cerveja é para acabar?

As mudanças na liderança de executivos autárquicos, por troca de partido vencedor, ou coligação, nas eleições respetivas, trazem muitas vezes ruturas com o passado do concelho ou de uma freguesia.  Se esses atos colidirem com os interesses da população, cria-se desconforto e é necessária alguma coragem política para o fazer.  O normal é o novo poder eleito dar continuidade a iniciativas, empreitadas ou projetos herdados, procurando melhora-los, dando um cunho de acordo com a sensibilidade do partido vencedor.

Nos últimos anos assistiu-se a duas mudanças no poder autárquico: primeiro na Junta de Freguesia em 2013 e quatro anos mais tarde na Câmara Municipal de S. João da Madeira. Assumindo o poder há sete anos, Helena Couto assegurou a continuidade dos Encontros de Ilustração, transformando o conceito ao longo das várias edições, engrandecendo o evento herdado e catapultando-o para um patamar de elevada qualidade. A Ilustração entrou na ideia cultural da cidade e tal feito deve-se a todo o esforço meritório desencadeado pela Junta de Freguesia.

Em 2017, com a mudança de liderança na Câmara Municipal, observou-se um fenómeno idêntico. O novo executivo deu continuidade a várias iniciativas culturais, desportivas e de lazer, procurando adaptá-las ao seu programa eleitoral, ou imprimindo um novo sinal às mesmas. A nível de projetos, com financiamento garantido, aconteceu precisamente o mesmo, como prova a remodelação da zona central da cidade, à espera da decisão para começarem as obras.

Atente-se em dois eventos que tiverem continuidade, passando por processos distintos. Por um lado, o Gin & Street Food, com ampliação de espaço e reforço de divulgação (suportado na boa vontade das associações locais e na tolerância da população residente na área envolvida, que durante o fim-de-semana em que decorre o evento, tem que ajustar o seu sono aos horários praticados). Por outro lado, o Festival de Cerveja Oliva Beer Mind (OBM), com manutenção de espaço e redução na divulgação (a bem dizer, os produtores de cerveja convidam os seus conhecidos, moradores na região e com isso, conseguem público).

A primeira edição, em 2017, do OBM teve um bom suporte de divulgação. As consequências foram visíveis. Um fim de semana de Oliva Creative Factory com casa cheia, três tardes e duas noites. Um fenómeno invulgar em S. João da Madeira, nas noites frias ou frescas dos últimos anos. Uma oportunidade para divulgar a cidade, não só pelos cervejeiros de todo o país, como também pelo elenco internacional associado, fossem empresários do setor de bebidas, ou animadores contratados. Nas duas edições seguintes, a divulgação foi menor e a adesão da população foi reduzida. Ainda assim, assistiu-se a uma boa casa em 2018, só que em 2019, apenas se salvou a noite de sábado. 

O OBM é uma oportunidade de desenvolver novos negócios para os nossos empresários, pois sendo a cerveja artesanal um nicho emergente, existe necessidade de rótulos, embalagens, máquinas específicas, ou outras variantes associadas ao produto (logotipos, por exemplo), para as quais existem várias empresas na cidade, sempre interessadas em diversificar os seus negócios. Pode igualmente ser uma oportunidade para conhecer novos produtores e com isto, os empresários da restauração e similares podem passar a comercializar um produto diferenciador (como alguns já o fazem, refira-se). 

Existe um lado comum entre o Gin & Street Food e o OBM, a capacidade de atrair a comunidade, promovendo o fortalecimento de laços de urbanidade. Se o primeiro dos eventos, apesar do excessivo horário noturno, convoca a população para a Praça Luís Ribeiro, envolvendo-a na nostalgia de outras noites, já o OBM é uma ocasião para chamar a população para a Oliva Creative Factory e com isto conseguir divulgar o que lá existe: a coleção de Norlinda e José Lima, a coleção de arte bruta, o núcleo de arte, a incubadora de empresas, entre outras. Não apenas a população forasteira associada aos produtores, mas, também os residentes, que podem com este festival, desinibir-se e visitar as exposições atrás referidas. Tal como o conceito dos Encontros de Ilustração evoluiu, também o Festival de Cerveja OBM se continuar em São João da Madeira pode ter uma evolução, tornando-se mais envolvente e alavancador das idiossincrasias dos habitantes da cidade. 

 

(a publicar no dia 30/01/20)

quarta-feira, janeiro 22, 2020

Associações locais são parceiros ou não?

O associativismo em São João da Madeira é mais antigo que o município. Ainda esta localidade era aldeia e já a população estava organizada em torno da Banda de Música. Anos mais tarde aconteceu o mesmo com a Santa Casa da Misericórdia, cuja data de fundação é 1921. A ascensão a Vila surge em 1924. É com esse estatuto que a população se organiza para criar e desenvolver a Associação Desportiva Sanjoanense. Em 1926 é alcançada a emancipação concelhia. Em 1928 surge a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de S. João da Madeira.

Este longo parágrafo devia fazer parte da cartilha dos aspirantes a políticos locais. A introdução à história do associativismo da localidade permitiria perceber que antes de existirem políticas públicas já a população definia objetivos comuns, procurando entre os demais conterrâneos e pelos espalhados na diáspora, apoio monetário e outro, para concretizar os seus objetivos. É desta forma que são criadas infraestruturas tão importantes para o desenvolvimento social da população como o Lar de idosos São Manuel, o Hospital de São João da Madeira, o Quartel de Bombeiros, o Estádio Conde Dias Garcia e o Pavilhão de Desportos.

Dos atrás mencionados, o Lar de Idosos e o Hospital foram grandes obras da Santa Casa da Misericórdia, erguidas entre a sua fundação até ao final da década de 1960. A primeira Misericórdia foi fundada em Lisboa, no ano de 1498, pela Rainha D. Leonor. As Misericórdias foram sucedendo-se em todo o país. Resistiram às mudanças dos séculos e da História de Portugal. Os sucessivos regimes encontraram sempre nas Misericórdias um parceiro para o tecido social. Em 1974, após o derrube do Estado Novo, uma nova política nacional de Saúde foi lançada e nesse sentido, o Estado assumiu a gestão do Hospital de S. João da Madeira. Nestes anos democráticos, a Santa Casa da Misericórdia nunca perdeu a esperança de recuperar a gestão do seu Hospital, à semelhança do que aconteceu com algumas suas congéneres espalhadas pelo país e que oferecem serviços de Saúde à população ao abrigo de protocolos com o Estado Português.

Se em 2015, o Hospital de São João da Madeira tivesse sido devolvido à Santa Casa da Misericórdia, apenas se estava a corrigir uma opção política que lesou uma associação de São João da Madeira. De forma alguma estava a ser entregues a privados. Não compreender isto, é insultar a memória da cidade e em particular daqueles que são associados da Santa Casa da Misericórdia, que se rege por estatutos próprios, dentro dos princípios da União das Misericórdias Portuguesas.

O desenvolvimento desportivo teve um percurso semelhante ao da saúde e do apoio social. Os equipamentos desportivos construídos em São João da Madeira até 1960 (Estádio Conde Dias Garcia e Pavilhão dos Desportos) foram conseguidos por dinamismo da sua população e eram pertencentes à gestão da Associação Desportiva Sanjoanense (ADS). O Estado central investiu em Escola Industrial com Pavilhão, Escola do Ciclo Preparatório Alão Morais igualmente com pavilhão e em um tanque Piscina, situado nas traseiras da Escola Primária do Parque. Em contrapartida, a autarquia oferecia à população um campo pelado (utilizado pelas camadas jovens do futebol da ADS) e um ou outro ringue, de acesso condicionado. Neste contexto as associações com fins desportivos eram poucas e praticavam desportos sem grande necessidade de infraestruturas desportivas (atletismo e xadrez). No Parque da Nossa Senhora dos Milagres, além dos treinos de atletismo do Clube de Campismo de São João da Madeira, surgiriam mais duas associações: Os Kágados - que utilizavam as traseiras da Escola do Parque para atividade física – e a Associação Estamos Juntos (AEJ) – com a organização do Campo de Férias, durante o mês de Julho.

Só no final da década de 1980 é que surgiram os primeiros equipamentos municipais desportivos: as piscinas municipais, court de ténis e o Pavilhão das Corgas, posteriormente batizado com o nome do malogrado jogador de Basquetebol, Paulo Pinto. É importante mencionar o ringue de Fundo de Vila e o Pavilhão das Travessas que estão no desenvolvimento de outras duas Associações locais: CCDR de Fundo de Vila e Dínamo da Ponte.

Posteriormente, novos investimentos pelo Estado foram realizados em Escolas Secundárias, apetrechando-as com 3 novos pavilhões, cujo acesso pós horário escolar fica condicionado pelo aluguer do espaço a preços um pouco proibitivos para a realidade local.

Se a ADS gere o seu parque desportivo e ainda assim é insuficiente para fazer face às centenas de praticantes das suas modalidades e se o Clube de Campismo conseguiu autofinanciar-se e construir infraestruturas desportivas próprias, todos os demais clubes precisam dos espaços municipais para desenvolver a sua atividade desportiva, envolvendo população das demais idades que os procura e neles encontra soluções, que por vezes não encontram em outros clubes da região, tornando o desporto de São João da Madeira extremamente eclético, acrescentando-se a concentração em uma única freguesia.

É assim confrangedor que equipamentos municipais necessários para a prática desportiva estejam em completo estado de degradação. Refiro-me concretamente aos courts de ténis, cujas imagens o jornal “O Regional” publicou na semana passada, a propósito da reportagem do jantar de Reis da AEJ. Sendo certo que o passado deste equipamento esteve relacionado com a indecisão sobre a construção da nova Piscina, é melhor decidir o seu futuro, no imediato. A AEJ sente-se penalizada e tem razão. Não há alternativa em São João da Madeira, ou se existe, está condicionada ao preço de aluguer do parque escolar. Os courts de ténis estão estragados, com o piso em péssimo estado (uma das fotografias divulgadas no semanário referido apresentava uma bola de ténis encaixada num buraco) e devido à indecisão municipal sobre a construção da piscina, ou dos courts de ténis alternativos, nada ficou projetado e além do atual estado de degradação, não é possível utilizar-se o espaço durante os dias de chuva. Situação já possível em concelhos vizinhos que souberam atempadamente apetrechar-se ou apoiar os seus clubes, no desenvolvimento da modalidade, tendo-se atingido bons resultados no panorama do ténis nacional, como prova a melhoria técnica de João Domingues, de Oliveira de Azeméis.

As associações locais são alvo dos demais elogios públicos. No século XXI, os seus diretores devem ser tratados como gestores. Como pessoas que de forma voluntária procuram encontrar soluções para a gestão da sua associação e que pensam no seu futuro. Continuar a tratar os seus diretores, como alguém à procura do subsídio e não a tratá-los como parceiros da autarquia é algo completamente errado.

O reconhecimento tarda, como prova o discurso contraditório entre agentes políticos: por um lado, o Presidente da Câmara enaltece o esforço da Santa Casa da Misericórdia em gerir valências supramunicipais, por outro temos o discurso político da privatização do Hospital. Se há esforço em agradar à Santa Casa da Misericórdia, no caso da AEJ promove-se pouca empatia com esta associação: além da agonia em praticar ténis em instalações degradadas, a sede social continua cheia de infiltrações, o atleta Luís Lima foi criteriosamente excluído da Gala dos Campeões e para terminar a lista, apesar da Câmara Municipal de S. João da Madeira ter recebido três convites para o Jantar de Reis não conseguiu estar representada.    

 

(a publicar no dia 23/01/20)