terça-feira, junho 16, 2020

Protestos pela Praça



Existe a tendência de analisar resultados das eleições autárquicas através da qualidade dos candidatos, suas propostas, ou por fatores exógenos, como a conjuntura nacional. Muitas vezes, analisa-se o efeito e esquece-se a causa, não se procurando entender a mudança de sentido de voto por parte dos eleitores. Obviamente, aqueles que são mais plurais, procuram através do seu voto manifestar, não só as suas preferências políticas mas, também, o seu protesto.
A Praça Luís Ribeiro está em constante transformação desde 1986. Depois de construído o IC2, retirando trânsito do centro da cidade, a criação da zona pedonal surgiu como proposta inovadora. Apesar de criticada e não ser considerada uma prioridade das obras municipais, o novo centro transformou-se em área de lazer da população, que ali promoveu novos negócios, desfrutou das suas esplanadas e assistiu à programação de entretimento proposta para as noites de fim de semana de verão. 
O conceito prolongou-se no tempo. A zona pedonal foi aguentando a decentralização (a deslocalização de comércio para a Avenida Renato Araújo, o retirar de concertos de verão para o jardim), só não suportou as novas obras de revitalização, operadas no virar do milénio. Um projeto mal assimilado, com as consequências desagradáveis das obras (ruído, lama, pó) a irritar a população, que apercebendo-se do aumento de artérias sem trânsito, onde não havia comércio, passou à ação, protestando e opondo-se ao avançar da obra. Alguns desses protagonistas seriam candidatos autárquicos em 2001 e essa força partidária venceu, com maioria absoluta, derrotando 18 anos de gestão autárquica do CDS-PP. 
Na década seguinte, assistiu-se ao encolher da zona pedonal. Um ajuste, com algumas artérias a receberem de novo trânsito, com aplicação de novo mobiliário urbano. Apesar da intervenção, o processo de descentralização já era irreversível, acrescido da criação de um novo parque urbano na cidade, junto às margens do Rio Ul e da abertura do shopping 8ª Avenida. As críticas iam surgindo, no entanto, nada alterava o aspeto decrépito que a zona pedonal tinha adquirido.
Em 2017, quando é mandado demolir o Elemento Arquitetónico, os protestos voltam a surgir. Curiosamente são jovens os protagonistas, revelando a sua ousadia e uma inesperada participação cívica. Outra curiosidade é a importância debatida sobre o aspeto funcional da Praça, após a longa agonia. Meses depois, nas eleições autárquicas, o PS vencia, com maioria absoluta e interrompia 16 anos de gestão autárquica liderada pelo PSD, embora os últimos dois fossem em coligação com o CDS-PP.
Chegados a 2020 há novamente obras na Praça Luís Ribeiro e de novo há protestos. Desta vez o mote é o abate das árvores com décadas de existência. Em reunião Camarária, o vereador da oposição reclama e exige a apresentação do comprovativo fitossanitário justificativo, argumentado pelo Presidente. População, com identificação por um movimento partidário, organiza-se numa petição pedindo para não haver mais abate de árvores e dois partidos de esquerda entram nesta luta, elegendo o ambiente como manifesto da sua indignação, suspendendo momentaneamente a defesa (legitima) dos direitos dos trabalhadores.
O mal estar é latente. O Arquiteto Paisagístico Sidónio Pardal acentuou as críticas, indicando que os plátanos deveriam ter sido substituídos ao longo dos anos e não retirados em simultâneo. Para contrabalançar, a Câmara Municipal mandou plantar mais de duas centenas de árvores no parque do rio Ul mas, pela imagem publicada nos jornais locais, os cinquenta centímetros dos pés plantados, a ser a receita aplicada na Praça Luís Ribeiro, não servirão para atenuar os protestos da população, bastante sensibilizada para questões ambientais. 
Em 2021 haverá eleições autárquicas. O resultado dessas eleições permitirá perceber a causalidade dos protestos às obras da Praça Luís Ribeiro, averiguando-se se as relações aqui expostas foram meramente casuais, ou se pelo contrário, este facto terá sido decisivo para formar a opinião do eleitor.                   

(a publicar no dia 18/06/20)

domingo, junho 07, 2020

Um esclarecimento


Na entrevista publicada na última edição do jornal labor aos diretores da AEJ, conduzida por Nuno Ferreira Santos, o meu nome surge indexado como solução para o futuro da secção de xadrez. Tal citação merece um esclarecimento e um enquadramento histórico, para os leitores deste jornal que habitualmente seguem as minhas crónicas e estando mais atentos, são conhecedores das funções que ultimamente tenho exercido nesta Associação.
Comecemos pelo enquadramento. 
No 1º Campo de Férias Estamos Juntos, em 1982, uma das atividades propostas aos participantes foi o xadrez. Para muitas crianças e jovens era o primeiro contacto com o jogo, aprendendo os seus rudimentos, como o movimento das peças e objetivo estratégico com o conceito de vitória. Para outras, as horas passadas em torno das peças e tabuleiros já eram frequentes, jogando-se com a noção integrada de xadrez, cumprindo-se as suas regras, sem necessidade de supervisão de monitores.
Nas edições seguintes, o Xadrez continuou como atividade do Campo de Férias, proporcionando-se novas experiências, como uma simultânea conduzida por um jogador federado, o sanjoanense Flávio Pinho, que jogou em vários tabuleiros contra uma dezena de participantes. Anos mais tarde, ainda nas traseiras da Escola Primária do Parque, na última semana do Campo de Férias organizavam-se vários torneios finais, o xadrez teve sempre o seu próprio troféu. Mesmo com a mudança para as Corgas, privilegiou-se o xadrez, colocando-se os tabuleiros no corredor de acesso às bancadas do complexo desportivo, dando-lhe muita visibilidade por ficar junto à entrada dos participantes.
 Após a oitava edição do Campo de Férias, em 1990, um grupo de jovens monitores (Rui Guerra, Ricardo Batista, Filipe Teixeira e Nuno Fernandes) empenhou-se em organizar um Torneio de Xadrez para verificar o pulsar da cidade de S. João da Madeira e aproveitar para convidar os participantes para integrar a secção a ser criada para o efeito. Entre antigos jogadores federados, participantes de Campo de Férias e outros, jovens e adultos, com gosto pela modalidade que não tinham oportunidade de competir com outros jogadores, o Torneio de Xadrez cumpriu os seus objetivos. Em Novembro do ano de 1990, a Associação Estamos Juntos inscreveu 20 jogadores na Associação de Xadrez de Aveiro e passou a competir a nível federado, proporcionando a participação em torneios, campeonatos distritais e nacionais. 
Os primeiros tempos da secção de xadrez serviram para consolidar o projeto a nível local. A necessidade de afirmação e de divulgação da modalidade, implicaram a organização de várias provas: Torneio Interno (na época prova obrigatória), Campeonato Distrital Absoluto e Campeonato Nacional Feminino, logo nos primeiros nove meses de existência da secção. Nessa época, os resultados obtidos pelos seus jogadores permitiram à AEJ participar no Campeonato Nacional de Equipas da 3ª Divisão – Zona Centro, por repescagem, contudo, não se conseguiu assegurar a manutenção. No final dessa época, fruto de bons desempenhos de anos anteriores, culminando com o segundo lugar no Nacional Feminino organizado em S. João da Madeira, Alzira Silva conseguia a internacionalização, representando Portugal nas Olimpíadas de Xadrez na antiga Jugoslávia.
Na época seguinte, 1991/92, a AEJ continuou os seus propósitos: organização e participação em provas. O número de jogadores aumentou para 25; o melhor resultado alcançado foi por Madalena Silva, 3º lugar no Campeonato Nacional Feminino; Cebaldo Smith sagou-se campeão distrital absoluto; em termos coletivos, a AEJ falhou o acesso à terceira divisão e para participar neste Campeonato, propôs-se organiza-lo. Apesar de jogar em casa, o resultado não permitiu assegurar a manutenção. 
Apesar da vitalidade destes dois primeiros anos, verificava-se que muitos dos jogadores estavam a abandonar a modalidade e como os resultados coletivos ficavam aquém do esperado, era necessário traçar novos objetivos para a secção. No campo de Férias Estamos Juntos, de 1992, procedeu-se a um trabalho de prospeção de jovens com talento para a modalidade. O Campo de Férias passava a servir de "viveiro", a uma das secções da AEJ. O projeto desportivo da associação ganhava mais consistência, juntando-se neste capítulo à secção de natação, como prolongamento competitivo do ensino da piscina municipal.
Em 1993, com a transformação operada, a AEJ venceu títulos distritais: Sub 20 por Stephane Silva; Sub 18 por Daniel Mota e Sub 14 por Miguel Fidalgo. A equipa coletiva, apesar de inesperado, venceu o Campeonato Distrital e assegurou por inerência e mérito próprio a presença na 3ª Divisão Nacional – Zona Centro.
Os anos seguintes seriam de continuação do modelo: apostar nos jovens, na sua melhoria qualitativa, promovendo-os lentamente à equipa principal e assegurar a manutenção na 3ª divisão, para mais tarde apostar na subida, para outro nível nacional. Até 1996/97, a AEJ foi sempre Campeã Distrital (pentacampeã), no entanto, a nível nacional a manutenção nunca era assegurada. Nesses anos, o campeonato de sub 20 e de sub 18 foi sempre ganho por um jogador desta Associação: Daniel Mota, Ricardo Pinho, Hugo Silva, Filipe Silva; Guy Ferreira, Pedro Martins e Ricardo Reis foram-se sucedendo. Em 1995, a título exemplificativo, Ricardo Pinho venceu o distrital de sub 20 e sagrou-se Campeão Distrital Absoluto. 
As presenças sucessivas na 3ª Divisão tiveram como corolário a obtenção da manutenção em 1998. 
É certo que o modelo baseado nos jovens apresentava um pequena falha, aos 18 anos, a grande maioria avançava para o ensino superior e os sábados com jogos de xadrez ficavam para segundo plano. Ainda assim, na época de 1998 / 99, a AEJ conseguiu subir com uma equipa baseada em jovens formados no clube: Stephane Silva, Daniel Mota, Guy Ferreira, ladeados pela veterania de Albino Silva. Em anos nove de existência, a AEJ estava nas vinte melhores equipas nacionais. Era tempo de definir novo objetivo, que passaria obrigatoriamente por permanecer vários anos naquela divisão e voltar a preparar jovens para o futuro. 
A partir desse ano, a minha colaboração com a secção de xadrez da AEJ terminava.
Com a passagem para a nova sede, Corgas, e com mais facilidade em acolher jovens, contando com a colaboração de Roman Chemerys, técnico Ucraniano, o destaque da década seguinte foi de aposta da equipa sénior, apenas com a presença de um jogador formado na AEJ: Stephane Silva, que nos primeiros anos do novo século, sagrou-se campeão distrital por três vezes. Apesar de não conseguir subir à primeira divisão, a AEJ consolidou-se como um clube da região norte do distrito de Aveiro, pelo nível técnico dos seus jogadores e tornou-se acolhedora, ao ponto de vários jogadores do distrito do Porto e da cidade de Aveiro preferirem ingressar nesta equipa de S. João da Madeira.
Na década passada, tudo se alterou, para melhor. Os resultados a nível Nacional começaram a aparecer. Em 2013, Cláudio Sá, jovem formado na AEJ, termina em primeiro lugar o nacional jovem de Xadrez Rápido, na categoria de sub 18. Em 2014, Gustavo Ribeiro, em sub 08, vence o nacional de jovens em Xadrez Semirrápido. Nesse mesmo ano, Henrique Aguiar vence o nacional de sub 16 em Xadrez Rápido. Em 2016, Gustavo Ribeiro, desta vez em sub 10, vence o nacional de jovens em Xadrez Semirrápido. Pelo meio desta melhoria, a equipa sénior conseguiu subir à primeira divisão, contando com dois jogadores formados no clube: Stephane Silva e Cláudio Sá. Uma passagem fugaz, é certo, no entanto, a prova que a história da secção de xadrez teve uma melhoria contínua ao longo dos anos.
Infelizmente, em 2018, a secção de xadrez encerrou. Para trás ficavam 28 anos de história, de jovens que aprenderam a jogar xadrez em Campos de Férias, de jovens que preferiram jogar xadrez a praticar outra modalidade desportiva, de jovens que optaram pela AEJ, defendendo com orgulho as suas cores. Durante todos estes anos, a AEJ não excluiu ninguém, foi acolhedora, inclusiva. Nunca exigiu resultados aos seus jogadores, no entanto, congratulou-se pelos feitos das suas equipas, ou dos seus jogadores individualmente, publicitando na imprensa local os seus resultados, destacando de igual forma os vencedores e todos os outros que defenderem o clube.
Feito o enquadramento, um paragrafo mais para o esclarecimento. Pelas funções que desempenho na Associação de Xadrez de Aveiro, Presidente da Mesa da Assembleia Geral, por incompatibilidade estatutária não me é permitido exercer funções diretivas, em qualquer dos seus sócios. Por isso, apenas quando terminar esse meu mandato, é que estarei disponível para ajudar a direção da AEJ, como bem referiram os diretores entrevistados. Os moldes como será reativada a secção (suspensa, sendo esta a causa para a AEJ perder o seu estatuto de sócio na Associação Distrital), a seu tempo serão definidos e publicitados.
      
             
(a publicar no dia 12/06)