quarta-feira, maio 07, 2008

Fronteira

Conheci Américo Tomás numa tarde amena de Verão. Eu estava com dois companheiros a saciar a sede numa loja no lugar de Rio de Frades, concelho de Arouca. Tínhamos chegado a pé, vindo de Cabreiros, percorrendo o bastante desnivelado caminho do carteiro, João de seu nome. O exclusivo dos seus passos na encosta tinha sido quebrado nessa tarde. Talvez por isso, a dona da loja esmerou-se na preparação duma refeição, umas latas de atum acompanhadas por cebola às rodelas. Provavelmente, a única refeição preparada para uns forasteiros. A recordação de outros tempos abriu caminho para a generosidade, ou talvez a misericórdia, pois ainda teríamos que subir a íngreme encosta.

Entre tragos, a conversa. Tendo como objectivo a procura de vestígios do passado mineiro. Para além dos túneis, dos escombros, dos edifícios vandalizados, os testemunhos físicos da epopeia vivida pela 2ª Guerra Mundial, queríamos ouvir uma história qualquer, para compreender o apogeu daquela povoação, quando ali viviam alemães. Sem pensar na comparação com a presença dos ingleses, em idêntica laboração a menos de cinco quilómetros.

Ao ouvir o rumo das perguntas, apresentou-se o homónimo do ex-almirante e ex-presidente da República. Habilmente, com a experiência de mais de sessenta anos, encaminhou a conversa para dias mais recentes. Entre as peripécias causadas pelo seu nome, contou a infelicidade que o Estado provocou a uma professora primária de Espinho, colocada precisamente naquele lugar no inicio da sua carreira e terminou expondo a sua dúvida, como teria chegado ali o ser humano. Sem tempo para mais e já a pensar no esforço físico a desenvolver para alcançar o automóvel, não nos demorámos nas procuras arqueológicas do nosso interlocutor.

Cinquenta anos depois do grande conflito mundial, nesta aldeia serrana a memória do seu passado glorioso, embora com fins extremamente sangrentos, era escondida. Uma opção que a ser seguida, possivelmente apagará para o futuro, a envolvência do concelho na grande guerra. Por vergonha, por ignorância, ou por desconfiança, assim se vão perdendo os legados do passado e daqui a muitos anos a estratificação humana, juntamente com a natural, remeterá tudo ao esquecimento.

As dificuldades em procurar a história recente, não são comparáveis à tentativa de compreensão do passado remoto.

No dia em que subi a uma das torres do Castelo da Feira, o grande ícone das Terras de Santa Maria, não tive nenhum cicerone. Ninguém chamado Afonso Henriques, nem Sancho, nem com algum dos nomes dos sucessivos condes e senhores do castelo.

A história disponível do castelo explica uma série de pormenores de arquitectura militar, no entanto, apesar disso tudo, não aclara quanto à sua disposição, nem a proximidade ao mar. Nas repetidas leituras e dos acontecimentos históricos associados à reconquista cristã, verifiquei a ausência de qualquer dado para esta região acerca da conquista muçulmana da península e consequente defesa.

Consta em variados textos, que provavelmente o castelo terá sido construído no período da reconquista sobre uma fortaleza existente. Mais baralhado fiquei. Estar dentro de muralhas e avistar o mar, inquietou-me. O recuo do oceano, a formação do cordão de areia com inicio no Carregal em Ovar e estendendo-se até Mira é assumido pela geografia. A semelhante distância à linha de costa tal como os Castelos de Óbidos, ou Aljezur permitiu-me imaginar: um possível alinhamento de fortificações para defesa da costa. Durante meses agarrei-me a essa ideia. No entanto, descobri ser aceite, que por volta de século XI, a costa marítima na zona de Ovar deveria estar situada precisamente nas imediações da actual linha de caminho de ferro. Bem distante, portanto, da fortificação. 

Apesar do desalento surgido e eliminada a possibilidade marítima, concentrei-me na questão da disposição.

Voltei às invasões muçulmanas.

Num parágrafo apresentam-se os factos cronológicos: em 711 os muçulmanos dão início à invasão árabe da Península Ibérica; em dois anos conquistam todo o território peninsular com excepção da província Asturiana; passados 5 anos, em 718 Pelagio das Astúrias um nobre visigodo é eleito rei e avança sobre o exército árabe, iniciando a reconquista Cristã; entre avanços e recuos comandados por sucessivos Reis, depois de conquistada a Galiza em 750, é finalmente tomada a cidade do Porto em 888; em 1066 é conquistada Coimbra e a partir de 1139 entramos já na história de Portugal.

            Um parágrafo, quatro séculos. Lendo melhor, entre a conquista do Porto e a de Coimbra quase dois. Durante este período, que infelizmente se encontra numa nebulosa, sem grandes trabalhos e investigações históricas para esta zona, pouco ou nada se sabe. Cristophe Piccard, historiador francês publicou em 2000, no livro “Le Portugal Musulman”, a noção de que existiria uma linha de defesa e de fronteira, perfeitamente delineada ao longo do rio Douro. Um historiador nacional, Correia de Campos (em 1970), refere mesmo uma linha de defesa composta por uma série de fortificações e castelos ao longo de todo o trajecto do rio Douro, no espaço que é hoje o território português: “Antes da constituição do reino, o fosso do Douro serviu, (...) num determinado período, a linha de fronteira entre a Cruz e o Islão. Uma cortina de fortes ou castelos estendia-se por toda essa linha de alturas, começando, também para defesa da costa, no Castelo da Feira, Castelo de Paiva, Cinfães, Cárquere, Lamego, Penedono, Numão, Castelo Rodrigo e Pinhel, para só nos referirmos aos principais.”

            Tudo isto se encaixava na série de dúvidas por mim formuladas sobre a disposição do Castelo da Feira: virado para Norte, com possibilidade de visão sobre poente.

            Voltando ao século XX, numa aula, de cerca de duas horas, de Geologia de Portugal, o meu professor após uma explicação muito convincente sobre o período Terciário, terminou dizendo: “qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência”. Já no século XXI, pensar em escrever num jornal que, durante um século uma das linhas de fronteira do mundo cristão foi precisamente aqui em Terras de Santa Maria, remete-me para o campo da ficção e obriga-me a terminar de forma semelhante à do meu professor.  
 
(a publicar dia 08/05/08)

quinta-feira, maio 01, 2008

Questões de Abril

            No pretérito mês de Abril, a actividade política nacional voltou a cruzar-se com o quotidiano local.

            A “lei das Autarquias” não foi aprovada na especialidade. Resumidamente, depois de ter sido proposta em Dezembro de 2007, pelos principais partidos com assento parlamentar, o PSD reagiu às críticas surgidas, em especial, pela ANAFRE – Associação Nacional das Freguesias e votou contra o decreto de lei de que era co-responsável. Eram necessários dois terços dos votos parlamentares, pelo que em 2009, nada se alterará na elaboração das listas para as eleições autárquicas. Aliás, nesta matéria, nos últimos quatro anos só se produziram propostas de projecto de lei e claro, um maior controlo ao endividamento das autarquias, o que deixou perfeitamente irritados os seus responsáveis.    

            Se da Assembleia da República veio a vontade de não reformar, da Assembleia Municipal surgiu a natural aprovação do relatório de contas referente ao ano de 2007. Uma não notícia, apimentada precisamente pela redução do endividamento municipal. Um sinal claro das actuais preocupações dos autarcas. No outro prato da balança coloca-se a incapacidade de previsão orçamental. A não execução de vinte a vinte e cinco por cento dos valores orçamentados, tem consequências ao nível das verbas associadas, que pura e simplesmente estavam indexadas, rubricadas e não foram utilizadas para os fins previstos.  

            Nada disto é relevante comparado com o grande assunto de momento da política local. Nada relacionado com questões financeiras. O tema para o próximo mês será a eleição para presidente do PSD. 

            Se o envolvimento dos militantes, como se trata de eleição directa, é inevitável, mais legítimo é o apoio a qualquer um dos candidatos. Nesta lógica partidária, não admira vermos um activo militante, como Castro Almeida, abraçado a uma das candidaturas. 

            A instabilidade na liderança do PSD, já permitiu ao actual presidente da Câmara, no exercício das suas funções, ter contactado com quatro presidentes de partido, em sete anos. Bem, a longevidade do actual Governo, faz-nos esquecer que durante esses anos, Portugal teve precisamente quatro “chefes” de governo. Neste clima de mudança, não constante mas de alguma incerteza, é difícil fazer-se projecções sobre a carreira dos agentes da política local.

            A título de exemplo, no final do ano passado, em virtude da posição conseguida no Conselho Nacional do PSD, tudo apontava para que Castro Almeida fizesse sombra a Luís Filipe Menezes, durante o presente ano, para consolidar o seu estatuto de político de âmbito nacional.

            Passados seis meses, tudo mudou e ficou em aberto.

            Nesta fase, a sensivelmente um mês das eleições do PSD, é ainda prematuro fazer cenários com base em eventuais resultados finais, até porque no momento em que escrevo, não é certo quem realmente será candidato.

            Como não conto voltar a este assunto, terei que corrigir o parágrafo anterior. Não fazer cenários, mesmo que prematuros e fantasiosos, seria imperdoável e certamente alguns leitores não me desculpariam a omissão.

            Um resultado possível é a derrota da candidata apoiada por Castro Almeida! Com este desfecho, o autarca local exerceria o seu mandato até ao final, centralizado na cidade e preparando a sua candidatura autarca para mais um mandato. O objectivo, durante os próximos anos, seria ascender a médio prazo a protagonista da política nacional.

            Já a vitória do PSD sobre o PPD, poderá alterar o panorama político local. Tudo depende do grau de envolvência de Castro Almeida na eleição da candidata por si apoiada. Como o partido necessita de se apresentar com protagonistas com uma visão de Estado, obrigará a uma dedicação maior à causa nacional. Nesta hipótese, bastante provável, o actual autarca continuará a exercer o seu mandato, embora as três etapas de unir, credibilizar o partido e por fim, preparar as eleições legislativas obrigam a disponibilizar mais do seu tempo a questões nacionais.

Dentro deste cenário surge a derradeira hipótese, a vitória do PSD nas próximas eleições legislativas. Estando dentro do núcleo duro do Partido, Castro Almeida será certamente convidado a exercer funções governativas, o que o afastará por uns anos de S. João da Madeira, cumprindo assim, os prometidos oito anos de mandato como Presidente da Câmara Municipal.

A um ano e poucos meses das eleições legislativas e autárquicas, que curiosamente podem ser no mesmo mês, ou até no mesmo dia, a acção política local fica, para já, adiada até ao final de Maio.

Em pouco tempo, todas as certezas desapareceram. Passamos ao campo das suposições e as aqui formuladas não passam de hipotéticos cenários, sem qualquer rigor. No entanto, aos leitores, que me leram até estas linhas, penso ter arrancado um sorriso – nalguns casos de contentamento, noutros de incredulidade. De qualquer forma, a indiferença não provoca sorrisos.

 

(a publicar dia 02/05/08)