quarta-feira, fevereiro 19, 2014

Os centros

                O alto rendimento desportivo voltou ao léxico local. O projeto da nova piscina, o consequente parecer favorável da Federação Portuguesa de Natação, trouxeram para a ribalta uma ambição antiga da autarquia, abrir em S. João da Madeira um centro de alto rendimento (CAR).

                Relativamente ao projeto inicial, duas mudanças: a localização e uma federação específica a apoiar o centro. A mudança de localização é de enaltecer, em especial, por se desistir de construir as instalações do CAR nas margens do Rio Ul, amputando a expansão a nascente do parque urbano, negando o acesso da população aquela zona do rio.

                Sobre o apoio federativo, vou esquecer o facto de ser progenitor de um atleta federado naquele organismo, expressando o meu ponto de vista ao longo das próximas linhas, de uma forma difusa, indicando dados genéricos do desporto de alto rendimento, para o leitor criar a sua própria opinião.

                Os resultados nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, uma mudança de Governo em 2005, a necessidade de criar melhores condições de treino para os atletas de alto rendimento de várias modalidades Olímpicas, num país com apetência para a construção desenfreada, que anos antes tinha finalizado a edificação (ou reconstruído) de dez estádios de futebol, foram condições suficientes para se lançar uma ideia peregrina, construir 18 centros de alto rendimento desportivo.

Os projetos foram lançados por algumas autarquias, uns CAR foram recusados, outros conseguiram co-financiamento e foram inaugurados.

Abreviando, existem atualmente em Portugal dez CAR abertos. Outros três estão a finalizar-se. Se cruzarmos este número, com o número de modalidades praticadas em Portugal que conseguem apurar atletas para os Jogos Olímpicos de Verão, precisamente treze a catorze, tudo podia estar bem.

Existem CAR nas seguintes localidades: Montemor-o-Velho, Anadia, Nazaré, Caldas da Rainha, Rio Maior, Vila Real de Santo António, Aveiro – S. Jacinto, Golegã, Peniche e Viana do Castelo. Estando a ser finalizados dois CAR, um em Gaia e outro em Vila Nova de Foz Côa - Pocinho. O terceiro projetado é na Maia. Embora, Coimbra tenha anunciado em período de campanha eleitoral a construção do seu.

Acontece que cada centro não corresponde a uma modalidade Olímpica. Várias federações utilizam os mesmos centros, já que os espaços de treino são similares, ou os CAR têm versatilidade suficiente para receber modalidades diferentes.

Terei que esmiuçar: em Montemor-o-Velho reúnem-se Canoagem, Remo, Triatlo e Natação (modalidade águas livres); em Rio Maior está indexada a Natação Pura; na Golegã o Hipismo; na Anadia, no Velódromo Nacional, temos em comum Ciclismo, Esgrima, Ginástica e Judo; nas Caldas da Rainha, junto à respetiva Federação, o CAR de Badmington. Gaia irá receber dois CAR: Ténis de Mesa e Taekwondo. Para completar as restantes modalidades presentes nos Jogos de Londres em 2012, agrupam-se em Lisboa, no Complexo do Jamor, Atletismo, Vela, Tiro e Tiro com Arco.

Esta distribuição demostra o aproveitamento das sinergias das várias modalidades e um bom planeamento da gestão desportiva, até porque alguns centros são próximos de cidades universitárias e isso permitirá aos atletas continuar os seus estudos.

Vejamos agora o outro lado da moeda: para a mesma modalidade, não Olímpica, o surf, existem em Portugal quatro CAR: Peniche, Nazaré, Viana do Castelo e Aveiro – S. Jacinto. Um exagero, quanto mais não seja pela proximidade geográfica de alguns destes equipamentos. Além desta casualidade, existem mais dois aspetos que fazem cair o argumento do bom planeamento: Vila Real de Santo António não tem nenhuma modalidade associada; o da Maia por agora também não tem, nem se deslumbra qual será a modalidade associada; o de Foz Côa receberá o CAR de Remo, desviando atletas de Montemor-o-Velho. O mesmo acontecerá com o de Coimbra, que reclama a abertura de um CAR para a modalidade de Judo e Canoagem, ou seja, fará concorrência aos vizinhos já existentes.

Perante este cenário de duplicação de CAR por modalidades, ou de ausência de modalidades indexadas, havendo um reduzido contingente de atletas nacionais de alto rendimento, é urgente encontrar-se uma solução para o equilíbrio financeiro destes Centros, sabendo-se que para isso, a tutela delegou competências na Fundação do Desporto, mantendo-se o Complexo do Jamor, sob a alçada do Instituto Português da Juventude e do Desporto.    

                É este o contexto do desporto de Alto Rendimento em Portugal. 

É nesta lógica de desperdício que surgirá o segundo CAR da Federação Portuguesa de Natação.

 

(a publicar no dia 19/02/14)

quarta-feira, fevereiro 05, 2014

O ardil

                A lei n.º 75/2013 publicada a 12 de Setembro, ou seja, a menos de três semanas das eleições autárquicas, surgiu na sequência das acções necessárias para fazer cumprir o ponto 3.44 do memorando de entendimento assinado em Maio de 2011, entre o Estado português e a troika. Nesse ponto, denominado “Reorganizar a estrutura da administração local”, partia-se do número de concelhos – 308 – e de freguesias – 4.259 – e inscrevia-se como acção, um plano de consolidação para reorganizar e reduzir  significativamente  o  número  destas estruturas, tendo como prazo o próximo ciclo eleitoral local.

                É sempre bom recordar, em jeito de resenha histórica, que apenas Lisboa, através da sua Câmara Municipal, elaborou o seu plano de fusão de freguesias, ainda em 2012, estabelecendo também a transferência de competências, incluindo pessoal e verbas, para as novas entidades territoriais.

                No restante país, prevaleceu o situacionismo característico da administração pública, o que implicou a promulgação da Lei Relvas, fortemente contestada pelos agentes políticos locais, que seriam despojados do seu título de presidente da junta, pois a lei n.º 22/2012 estabelecia o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica. Após a contestação, incluindo ameaças várias de mudança de território, o mapa da agregação de freguesias foi publicado a 16 de Janeiro de 2013.

A delegação de competências nestas novas unidades territoriais ficou definida pela tal lei n.º 75/2013. Atente-se no sentido lato da designação da lei: “Estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico”.

Demasiadas entidades a serem reguladas. Por agora, concentremo-nos nos órgãos locais.

Nos primeiros artigos da nova lei, são inscritas as atribuições da freguesia:

a) Equipamento rural e urbano;

b) Abastecimento público;

c) Educação;

d) Cultura, tempos livres e desporto;

e) Cuidados primários de saúde;

f) Ação social;

g) Proteção civil;

h) Ambiente e salubridade;

i) Desenvolvimento;

j) Ordenamento urbano e rural;

k) Proteção da comunidade.

Discorrendo nas competências nos artigos seguintes.

Após algumas páginas surgem as atribuições do município. Publico-as na íntegra, fazendo cópia das várias alíneas, para o leitor entender a legislação:

a) Equipamento rural e urbano;

b) Energia;

c) Transportes e comunicações;

d) Educação;

e) Património, cultura e ciência;

f) Tempos livres e desporto;

g) Saúde;

h) Ação social;

i) Habitação;

j) Proteção civil;

k) Ambiente e saneamento básico;

l) Defesa do consumidor;

m) Promoção do desenvolvimento;

n) Ordenamento do território e urbanismo;

o) Polícia municipal;

p) Cooperação externa.

Várias são as alíneas comuns, algumas com texto diferente, no entanto, com o mesmo âmbito. Um processo nada claro, bem diferente do desencadeado em Lisboa. Por aqui se constata qual a intenção do legislador, criar confusão, atirando para o lado das freguesias e dos municípios, a reclamação e a negação de competências.

É neste cenário, de sobreposição de atribuições, em que a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia de S. João da Madeira estão. A situação de interpretação da lei é ainda mais complicada, pela partidarização da questão. Cedência, qualquer uma, será atribuir competências aos adversários políticos e não vejo grande vontade nisso.

Os argumentos de descentralização e proximidade à população, num concelho com uma só freguesia, ou seja, precisamente, a mesma população, deverão ser mais bem elaborados, já que na realidade junta e câmara estão instaladas precisamente no mesmo edifício.

Abro aqui um parêntesis para recordar um projecto de lei do primeiro Governo de José Sócrates, que previa precisamente a abolição das freguesias únicas, ficando esses municípios (eram cinco ao todo em Portugal, com a agregação passaram a seis) com todas as competências de proximidade às populações. Este projecto jamais viu a sua publicação, pois encalhou precisamente no sinistro conservadorismo partidário, mais interessado em defender os interesses dos seus militantes, do que o Erário Público.

Voltando à lei do ano passado, recordando que em campanha eleitoral nenhum partido prometeu reduzir as competências da junta de freguesia, antes pelo contrário, deverá ser encontrada uma solução equilibrada, conseguindo-se um qualquer ganho para os munícipes, significando isto uma menor despesa no orçamento global municipal e da freguesia e não o contrário.

Existe uma ameaça inscrita na lei - atribuir a totalidade de competências à junta de freguesia. Sem atribuições inerentes, corre-se um sério risco para o município. Voltemos ao primeiro parágrafo deste texto, releia-se o compromisso do Estado. As freguesias foram agregadas, seguem-se os municípios. Uma redução em igual percentagem à da agregação das freguesias, aponta para 50, 60 ou 70 municípios. Será? Nada foi dito até ao momento. A delegação de competências nas freguesias levará à perda de relevância para o município e como a proximidade do Estado à população já estará assegurada, a fusão de concelhos será mais facilitada e será difícil obter qualquer contestação, excepto, claro, dos suspeitos do costume.

Numa época de fecho de várias repartições públicas, de encerramento de juízos dos tribunais, entre várias medidas de redução de serviços Estatais, havendo já vereadores a verbalizar o seu receio pela continuidade do município, será importante ponderar as lutas partidárias, inerentes às competências da junta de freguesia.

Apelar à mobilização da população para impugnação poderá ser tarde e revelar-se igual ao interesse dos eleitores nas eleições, ou seja, uma grande alheamento pelas cínicas causas partidárias.

 

(a publicar no dia 06/02/14)