A lei n.º 75/2013 publicada a 12 de Setembro, ou seja, a menos de três semanas das eleições autárquicas, surgiu na sequência das acções necessárias para fazer cumprir o ponto 3.44 do memorando de entendimento assinado em Maio de 2011, entre o Estado português e a troika. Nesse ponto, denominado “Reorganizar a estrutura da administração local”, partia-se do número de concelhos – 308 – e de freguesias – 4.259 – e inscrevia-se como acção, um plano de consolidação para reorganizar e reduzir significativamente o número destas estruturas, tendo como prazo o próximo ciclo eleitoral local.
É sempre bom recordar, em jeito de resenha histórica, que apenas Lisboa, através da sua Câmara Municipal, elaborou o seu plano de fusão de freguesias, ainda em 2012, estabelecendo também a transferência de competências, incluindo pessoal e verbas, para as novas entidades territoriais.
No restante país, prevaleceu o situacionismo característico da administração pública, o que implicou a promulgação da Lei Relvas, fortemente contestada pelos agentes políticos locais, que seriam despojados do seu título de presidente da junta, pois a lei n.º 22/2012 estabelecia o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica. Após a contestação, incluindo ameaças várias de mudança de território, o mapa da agregação de freguesias foi publicado a 16 de Janeiro de 2013.
A delegação de competências nestas novas unidades territoriais ficou definida pela tal lei n.º 75/2013. Atente-se no sentido lato da designação da lei: “Estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico”.
Demasiadas entidades a serem reguladas. Por agora, concentremo-nos nos órgãos locais.
Nos primeiros artigos da nova lei, são inscritas as atribuições da freguesia:
a) Equipamento rural e urbano;
b) Abastecimento público;
c) Educação;
d) Cultura, tempos livres e desporto;
e) Cuidados primários de saúde;
f) Ação social;
g) Proteção civil;
h) Ambiente e salubridade;
i) Desenvolvimento;
j) Ordenamento urbano e rural;
k) Proteção da comunidade.
Discorrendo nas competências nos artigos seguintes.
Após algumas páginas surgem as atribuições do município. Publico-as na íntegra, fazendo cópia das várias alíneas, para o leitor entender a legislação:
a) Equipamento rural e urbano;
b) Energia;
c) Transportes e comunicações;
d) Educação;
e) Património, cultura e ciência;
f) Tempos livres e desporto;
g) Saúde;
h) Ação social;
i) Habitação;
j) Proteção civil;
k) Ambiente e saneamento básico;
l) Defesa do consumidor;
m) Promoção do desenvolvimento;
n) Ordenamento do território e urbanismo;
o) Polícia municipal;
p) Cooperação externa.
Várias são as alíneas comuns, algumas com texto diferente, no entanto, com o mesmo âmbito. Um processo nada claro, bem diferente do desencadeado em Lisboa. Por aqui se constata qual a intenção do legislador, criar confusão, atirando para o lado das freguesias e dos municípios, a reclamação e a negação de competências.
É neste cenário, de sobreposição de atribuições, em que a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia de S. João da Madeira estão. A situação de interpretação da lei é ainda mais complicada, pela partidarização da questão. Cedência, qualquer uma, será atribuir competências aos adversários políticos e não vejo grande vontade nisso.
Os argumentos de descentralização e proximidade à população, num concelho com uma só freguesia, ou seja, precisamente, a mesma população, deverão ser mais bem elaborados, já que na realidade junta e câmara estão instaladas precisamente no mesmo edifício.
Abro aqui um parêntesis para recordar um projecto de lei do primeiro Governo de José Sócrates, que previa precisamente a abolição das freguesias únicas, ficando esses municípios (eram cinco ao todo em Portugal, com a agregação passaram a seis) com todas as competências de proximidade às populações. Este projecto jamais viu a sua publicação, pois encalhou precisamente no sinistro conservadorismo partidário, mais interessado em defender os interesses dos seus militantes, do que o Erário Público.
Voltando à lei do ano passado, recordando que em campanha eleitoral nenhum partido prometeu reduzir as competências da junta de freguesia, antes pelo contrário, deverá ser encontrada uma solução equilibrada, conseguindo-se um qualquer ganho para os munícipes, significando isto uma menor despesa no orçamento global municipal e da freguesia e não o contrário.
Existe uma ameaça inscrita na lei - atribuir a totalidade de competências à junta de freguesia. Sem atribuições inerentes, corre-se um sério risco para o município. Voltemos ao primeiro parágrafo deste texto, releia-se o compromisso do Estado. As freguesias foram agregadas, seguem-se os municípios. Uma redução em igual percentagem à da agregação das freguesias, aponta para 50, 60 ou 70 municípios. Será? Nada foi dito até ao momento. A delegação de competências nas freguesias levará à perda de relevância para o município e como a proximidade do Estado à população já estará assegurada, a fusão de concelhos será mais facilitada e será difícil obter qualquer contestação, excepto, claro, dos suspeitos do costume.
Numa época de fecho de várias repartições públicas, de encerramento de juízos dos tribunais, entre várias medidas de redução de serviços Estatais, havendo já vereadores a verbalizar o seu receio pela continuidade do município, será importante ponderar as lutas partidárias, inerentes às competências da junta de freguesia.
Apelar à mobilização da população para impugnação poderá ser tarde e revelar-se igual ao interesse dos eleitores nas eleições, ou seja, uma grande alheamento pelas cínicas causas partidárias.
(a publicar no dia 06/02/14)