quarta-feira, julho 16, 2014

Rabiscos

                A minha inabilidade para trabalhos ditos manuais, foi por mim evidenciada nas páginas deste jornal, há alguns meses atrás.
Neste mesmo periódico, umas edições depois da minha revelação, vi numa fotografia, uma professora que me pareceu ser uma das que se atravessaram no meu percurso de estudante, em concreto na disciplina de Educação Visual.
                Mais do que a incerteza, aqui fica a recordação de um episódio, que foi decisivo para o desenvolvimento da capacidade criativa deste vosso cronista.
                Vivendo com o estigma da falta de habilidade dos canhotos para as artes, sempre me esforcei para conseguir uma nota meritória na disciplina de Educação Visual. Muito provavelmente pela leitura desenfreada de banda desenhada franco-belga, o desenho seduzia-me.
Tardei a verificar estar redondamente enganado.
Logo no 5º ano, na época o 1º ano do ciclo, nas instalações da Escola Preparatória Alão de Morais, a propósito de um trabalho ilustrando o Natal, a referida professora premiou o meu esforço e escolheu o meu desenho, para ser um dos trabalhos dos alunos que seriam reproduzidos e colocados à venda, para angariar verbas para o corso de Carnaval. Se a memória não me atraiçoar, o primeiro das escolas, em 1982. O desenho era simples: uma sala decorada com os motivos natalícios, aguardando a chegada das pessoas para as celebrações familiares. 
Anos mais tarde, já no 8º ano, uma outra professora, na Escola João da Silva Correia adorou a minha perspectiva do Parque América. Nada mais fiz do que desenhar o referido prédio, cuja lateral perspectivada não cabia na folha, deixando incompleta a construção. Dando a ideia de monstro, ao edifício que ainda fora inaugurado.
Só no ano seguinte, com o desenho rigoroso, mais a tinta-da-china, abandonei a ideia de que teria futuro a desenhar.
E com sofrimento continuei o meu percurso académico, sendo colocado à prova em anos seguintes e com grau de exigência elevado, para o qual dei sempre uma resposta sofrível.
Voltemos ao 5º ano. Desenho premiado, final de período com boa classificação. Começa o segundo período, primeiro trabalho em Educação Visual: o ano novo. A caminho dos 11 anos, não pensei duas vezes, como a passagem de ano era também uma festa de família, utilizei a mesma base do desenho premiado. Troquei umas decorações, posicionei uns móveis em novo lugar e siga. Ao apresentar o trabalho tive uma surpresa. A professora pediu-me licença e sem pestanejar, rasgou a folha em quatro. Obviamente que me explicou o motivo do acto, apelando ao despertar da criatividade e à obrigatoriedade de inovar de trabalho para trabalho.
Foi difícil assimilar, como devem compreender. No entanto, ficou o ensinamento.
Hoje, não desenho, não pinto, nem toco qualquer instrumento, limito-me a exercitar a escrita, procurando por esta via, desenvolver uma vocação artística. Quando começo um texto, a folha em branco, ou melhor, a página limpa do ecrã do computador, já que escrevo directamente no pc, lembro-me sempre do desenho rasgado e isso é motivo mais do que suficiente para partir para o desafio duma nova crónica, em que espero surpreender os leitores. Escrevo o título para o texto e passo para o teclado o fluido de ideias que se desenvolveram anteriormente, no cérebro.
O mesmo princípio utilizo na vida social e associativa. Assumo que o sucesso é sempre momentâneo. Há sempre outra fórmula a testar, um conceito a precisar de ficar no passado e deve ter-se sempre presente que o conteúdo não é tudo, quando queremos mostrar inovação e captar a atenção dos demais. 
 
(a  publicar no dia 17/07/2014)

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