quarta-feira, abril 27, 2016

De Ulisses ao Botox

Se em 1986 me perguntassem se eu queria assistir a concertos de bandas como Gang of four, Buzzcocks, Joy Division, ou The Clash, a resposta ponderada seria negativa. Algumas dessas bandas estavam terminadas, ou em final de carreira, já não fazendo digressões e por isso, por muito que eu quisesse, não havia qualquer hipótese de as ver. Acrescente-se que nesses anos, eram raras as aparições de bandas desse género musical (pós-punk) em Portugal.

Se no mesmo ano, me perguntassem se eu queria assistir a concertos de músicos como Gilberto Gil, Maria Bethânia, Caetano Veloso ou Chico Buarque, a resposta seria igualmente negativa. As razões para a resposta seriam de motivo diferente, mais relacionados com o gosto musical, numa época em que encetei um processo de “revolução cultural”, optando por caminhos diferentes, mais próximos de bandas como as atrás mencionadas, desligando-me de todo um percurso auditivo, em que passei a excluir música popular brasileira, música jazz, a maioria das bandas da década de 60 e de 70.

Trinta anos depois, dos músicos das bandas mencionadas no primeiro parágrafo, apenas tive oportunidade de assistir à performance de um deles, Peter Hook, enquanto baixista de acompanhamento da The Durutti Column. Em contrapartida, dos brasileiros referidos, já assisti a concertos de três desses quatro nomes, ficando apenas de fora “seu” Chico. Enquanto não surge essa oportunidade (na sua última aparição em Portugal não consegui assistir ao seu espetáculo), não posso deixar de o nomear como um dos romancistas que mais prazer me deu a leitura de sua obra. “Budapeste”, “Leite Derramado” e “Benjamim” foi empreitada fácil, enriquecedora e gratificante. O livro “O meu irmão alemão” é igualmente uma narrativa enriquecedora e compensadora, só que a versão foi editada ao celebrar-se o Acordo Ortográfico de 90. Difícil ler aquele português tropical. Não o português europeu saído desse acordo, sem as consoantes mudas, que só estorvam quem quer escrever. Um português, que nos entra em casa, nas telenovelas, nos filmes, na música e a que estamos auditivamente muito habituados. Quando se trata de leitura, o caso muda de figura.

Ouvir “Cadê”, é facilmente interiorizado. Sabemos que significa “onde é que está”. Ler a mesma palavra é estranho. Mas, aproveitando o final da frase anterior, primeiro estranha-se, depois entranha-se.

O Português é composto por vários sotaques. No continente europeu, uma mudança geográfica de 50 quilómetros pode significar uma fonética diferente da língua e o uso de expressões próprias. De Norte ao Sul, do interior ao litoral, em Portugal, ouvem-se pronúncias características, que nos permitem catalogar a origem dos faladores. O mesmo acontece nos arquipélagos do atlântico norte. Como o povo português andou pelos quatro cantos do mundo, a língua fala-se na América, Africa e Ásia, ou às portas da Oceânia. Em cada um desses países de expressão lusófona, existe um sotaque diferente para a língua portuguesa.

Outra particularidade da língua é a sua origem. Popular. Escrita por Camões em 1572, passou a ser utilizada por reis, nobres e clero muito mais tarde do que a falavam burgueses e o povo.

A erudição é de salutar.

Não deve ser renegada a sua origem, nem a sua difusão pelo mundo e a sua adaptação aos sons vindos de fora.

Parece ter tudo começado com Ulisses. O nome da povoação, fundada pelo navegador grego, foi latinizado com o sufixo “ipo” para Olissiipo e daqui nasceu a Lisboa, bem portuguesa.

Ao longo dos séculos, os estrangeirismos foram adaptados pelos nacionais (como em todas as línguas). Veja-se, por exemplo, o que os Portugueses fizeram à Banana. Em contrapartida, os sons franceses, germânicos, africanos e ingleses foram assimilados pelo nosso povo e nasceram novas palavras. A mais curiosa que encontrei é a origem de armadores, proveniente do termo popular “armãos”, a deriva escrita do plural do nome “Herman”, como se designava popularmente os marinheiros que navegavam do centro da Europa até cá, para trocas comerciais.

E quando vieram as marcas de produtos, toca a usar esses nomes. Jeep derivou em Jipe mas, cotonete ficou sempre cotonete, velcro sempre velcro, lycra igualmente. Chiclete passou mais tarde a pastilha elástica, gilete virou lâmina de barbear, jet-sky passou a moto de água. No entanto, ainda há produtos que não perdem a designação da primeira marca a chegar ao mercado, em especial, os produtos farmacêuticos. Aspirina será sempre aspirina, por muito que se diga comprimidos de acido acetilsalicílico e Botox até hoje é Botox, por mais operações estéticas que se façam.

   Não posso deixar de citar os regionalismos com origem em marcas. Precisamente o tão característico e nortenho, “cimbalino”. Designação na cidade do Porto para café, precisamente por ter origem na marca italiana de máquinas de café expresso “La cimbali”.

Se a língua é a vontade de todo um povo, é ótimo que se retirem algumas consoantes mudas. Dá ação à língua, no entanto, é um facto, que se cortou de mais. Um egípcio será um habitante do Egipto e não é subtileza dizê-lo, é uma verdade incontornável, pois apesar dos 26 anos de Acordo Ortográfico, não existe consenso dos dois lados do atlântico.

Entre o regredir ou corrigir lapsos iniciais existe uma diferença. Pode-se perfeitamente discordar do acordo, pode-se denegri-lo, só que não me convencem das vantagens em escrever mais um “P” em ótimo, ou mais um “C” em ação. Enquanto em facto, lemos o “C” de facto, existem outros factoides (termo utilizado no Brasil, após acordo ortográfico) que nos unem aos outros povos que se expressam em Português.

A lusofonia é uma realidade Atlântica, que estende ao Indico e ao Pacífico. Não se resume às diferentes sonoridades ou de grafia das palavras, significa a possibilidade de entendimento de milhões de habitantes.

Não podemos permanecer agarrados à dicotomia café – bica, fino – imperial, ao pé – à beira, que durante anos identificou o norte e o sul do país. É preciso saber viver com as diferenças e entranhar o novo acordo ortográfico.      

 

(a publicar no dia 28/04/16)

quarta-feira, abril 20, 2016

Tempos novos, conversas antigas

Há duas formas de conduzir uma entrevista na imprensa local. Uma delas é enviar as perguntas ao entrevistado, para este responder igualmente por escrito. A outra é em direto, dando ao jornalista a oportunidade de fazer as perguntas, ao longo da conversa, com o entrevistado. O método da resposta por escrito é o preferido da maioria dos agentes da política e a entrevista é, por sua vez, o favorito dos jornalistas. Pode parecer um contrassenso, pois a resposta escrita dá mais trabalho ao entrevistado, ficando o jornalista passivo. Por outro lado, a entrevista oral, implica a transposição para texto, por parte do jornalista. Contudo, a condução da entrevista, o momento da pergunta, a imprevisibilidade da mesma, confere ao jornalista um ascendente sobre o entrevistado e este é o fator decisivo para a preferência.

                Anabela Carvalho, enquanto colaborou no jornal labor, não desarmou. Pretendia ouvir o entrevistado e com isso, não agradava à totalidade dos agentes da política local. Nos últimos anos deve ter efetuado seguramente dezenas de entrevistas, utilizando o seu método, entre trabalhos de reportagem e outras peças jornalísticas. A mudança profissional de Anabela é uma perda para a imprensa local, no entanto, não pensem os leitores que os agentes da política ficam mais descansados.

                  A aproximação ao quotidiano local de Sara Dias Oliveira, jornalista com vasta experiência profissional, escrevendo inclusivamente para um jornal diário nacional de referência, precisamente sobre a sub-região Entre Douro e Vouga, é um sinal inequívoco da aposta do jornal labor num patamar de qualidade elevada.

                (abro um parêntesis, para declarar a minha grande estima pela Sara, que já conheço pessoalmente há vários anos, sendo obviamente seu leitor assíduo e reconhecendo-lhe muito mérito nos seus textos, conferindo às pessoas destes concelhos um sentido verdadeiramente cosmopolita, que ela expressa de forma criativa nas suas mais diversas reportagens.)

                Se Sara Dias Oliveira tivesse seguido de perto a campanha eleitoral das intercalares para a Câmara Municipal, repararia que o PS visitou praticamente a totalidade das instituições e associações locais, por isso não deixaria de confrontar o seu entrevistado na edição do jornal labor da semana passada, Rodolfo Andrade, com esta redundância.

                Embora se entenda a intenção deste dirigente em reabilitar a imagem do PS, promovendo esses contactos, é importante levar mais do que um discurso bonito para junto dessas instituições ou associações e sobretudo, doravante, adequar as ações políticas dos seus militantes, a esse propósito. Em três anos a bota não bateu com a perdigota. 

                O facto mais relevante da entrevista conduzida por Sara Dias Oliveira é a afirmação do novo líder da concelhia do PS em aproximar-se dos empresários. Esta reflexão, correta, retira o partido de uma bolorenta luta de classes, em que se viu envolvido com a anterior liderança. Contudo, cria um dilema para as próximas eleições.

                Depois de umas eleições intercalares, em que o PS ficou sozinho, é necessário compreender os novos tempos de política de coligações. A direita coligada em S. João da Madeira foi impensável durante 34 anos. Esta possibilidade, oferecida pela complexidade da oposição, vinculou-se num regresso de uma maioria coligada no executivo camarário. A bipolarização, que durante anos, permitia a um só partido político obter maiorias, é nos dias de hoje diferente. Existem frentes democráticas com semelhantes ideologias, que podem fazer acordos pós-eleitorais, ou mesmo pré-eleitorais. A praticamente um ano das eleições autárquicas este é o grande desafio do PS, consegue ou não entender-se com as outras forças políticas do seu espectro político? Ou pelo contrário, tentará engolir o movimento independente S. João da Madeira Sempre, situando-se ao centro?

                Qualquer uma das soluções implicará negociação política e cedência de lugares elegíveis em futuras listas conjuntas. Um processo nada fácil, que poderá ser agravado com a aproximação às entidades empresariais, que requer muita tenacidade e capacidade de autocrítica de todas as forças políticas envolvidas.

 

Nota: Há pessoas que pela sua simplicidade e dedicação ao desporto são exemplares. Ao senhor Gabriel Silva Dias, do basquetebol da ADS, aprendi a respeitá-lo, por o encontrar sempre ocupado junto às 4 linhas de um pavilhão. Neste momento de luto para a sua família, não posso deixar de escrever estas singelas linhas, relembrando a sua simpatia e sabendo que não será fácil substitui-lo, muito menos superá-lo.

 

quarta-feira, abril 06, 2016

Ana Rodrigues - eterna campeã nacional

                É suposto um jornalista abster-se de escrever comentários. Ou de tecer comentários, caso não esteja indexado à imprensa escrita. A nível nacional, a análise política por parte de jornalistas, deixa sempre confusos os leitores e sobretudo, os agentes políticos, mesmo quando os ditos jornalistas escrevem em coluna própria, em espaço visivelmente de opinião, no qual relacionam os factos com a convicção pessoal.

                Por outro lado, um comentador não deve dar notícias. Embora, em espaço televisivo, os comentadores apreciem trazer novidades em primeira mão para o grande público e assim, criar espectativas sobre as informações a divulgar. É frequente isto acontecer ao Domingo à noite, com um ex-presidente de partido político, que já foi ministro.

                Perante estes dois cenários, eu que habitualmente escrevo artigos de opinião, não deveria trazer informação nova para os artigos publicados. Embora, como a minha colaboração está também indexada a crónicas, haja nesta perspetiva de texto, uma oportunidade para relatar alguns factos novos, sobretudo, por verificar que mais ninguém o fez.

                Tudo isto vem a propósito do Campeonato Nacional Absoluto de Natação, que decorreu em Oeiras de 11 a 13 de Março passado.

                Nas últimas edições da imprensa local, fiquei à espera da divulgação de resultados da prestação de Ana Rodrigues, atleta da Associação Estamos Juntos. Edição de dia 17, nada. Edição de dia 24, nada e edição de 31 de Março, igualmente nada.

                Eu, na noite de 13 de Março, aos resultados desportivos que coleciono do fim-de-semana, acrescentei à navegação o tal Campeonato Nacional e registei logo os resultados da atleta e também do clube. Rejubilei com os resultados conseguidos e procurei logo comparar com os de 2012, para verificar se havia melhorias nas marcas pessoais e consequentemente a obtenção de tempos mínimos para a participação nos Jogos Olímpicos de 2016.

                Esta última parte ainda não ficou garantida, contudo a própria Federação Portuguesa de Natação está esperançada que pelo rateio da Federação Internacional (FINA), o tempo obtido em Coimbra em 2015, possa ser suficiente para a Ana Rodrigues voltar às Olimpíadas de Verão.

                Chego à parte do texto que tenho que apresentar os resultados desportivos da atleta da AEJ, despindo o papel de comentador.

                A Ana Rodrigues, agora conhecida no mundo da natação como Ana Pinho Rodrigues, conquistou 7 medalhas nos referidos Campeonatos Nacionais. Em 5 provas conquistou o ouro, correspondente ao 1º lugar e em outras duas ficou em 2º lugar. Vitórias nas provas:

 

1)      50 metros livres, a ficar a somente 19 décimos de segundo do record nacional;

2)      100 metros livres;

3)      50 metros bruços, duplamente, devido às caraterísticas destes campeonatos;

4)      100 metros bruços, prova em que logrou participar nos Jogos Olímpicos de 2012;

 

Os segundos lugares foram obtidos nos 200 metros bruços e nos 50 metros livres, prova atrás já mencionada, o que se explica pelas caraterísticas destes campeonatos.

As medalhas obtidas, unicamente por Ana Rodrigues, permitiram à AEJ colocar-se na estatística de medalhas na 3ª posição. Somente atrás de Escola S. João de Brito e Sporting Clube de Portugal e à frente de Clube Galitos de Aveiro e Futebol Clube do Porto, para destacar os imediatamente classificados, duma lista de 26 clubes. Refira-se que a AEJ esteve representada com mais 4 atletas e estes clubes citados tiveram participações entre 20 a 40 atletas.

Volto ao comentário.

Feito o registo para a posteridade, deve estar o leitor a perguntar porquê é que esta notícia não foi divulgada mais cedo?

Desconheço a resposta. No entanto, é usual na cidade os clubes divulgarem os seus próprios resultados desportivos. Isto iliba em parte os jornais locais, ficando a maior quota de responsabilidade no clube. Por aqui, pouco se pode esperar, atendendo a que Ana Rodrigues, quando regressou à AEJ em 2014, foi extremamente hostilizada pela direção, que seria reeleita nesse mesmo ano, em mandato que ainda vigora. Pelos vistos os principais feitos dos seus atletas, ainda hoje não são compreendidos pelos diretores deste clube, nem merecem a devida atenção, para procederem à sua divulgação.

Estou em crer que a Ana e o seu treinador, Luís, mereciam mais. 

 

(a publicar no dia 07/04/16)