quinta-feira, abril 30, 2020

As lições de Abril

No inicio do mês de abril, a Câmara Municipal de São João da Madeira anunciou o seu apoio à imprensa local, através da colocação de publicidade institucional. Com esta medida, uma ajuda preciosa para o equilíbrio financeiro dos jornais, o município possibilitou o acesso à informação da população, leitores de jornais, quer sejam assinantes ou compradores avulsos através de quiosques.
A edição de jornais, neste momento de confinamento generalizado, é a principal demonstração de comunidade, superando as redes socias, pela compilação de factos verosímeis e pelo esforço das redações em procurar diversificar as notícias, apesar do monotonia temática ao percorrer as mais variadas páginas de cada edição.
Ao apoiar a imprensa, o executivo municipal demostrou uma grande capacidade democrática, conferindo oportunidade para todas as forças políticas divulgarem os seus comunicados, ou expressarem o seu programa, colocando-se no papel de oposição, divergindo do executivo naquilo que entendem e anunciando medidas que consideram mais pertinentes.
Do mesmo modo, ao permitir a publicação de artigos de opinião, expressando os pontos de vista de cada articulista, ou colaborador, existe a demonstração de uma outra forma de abertura democrática, o pluralismo da sociedade. A divulgação de perspetivas não propriamente partidárias é um contributo democrático. A quebra de unanimidade também, por que permite ao leitor apreciar diferentes opiniões e muitas vezes recebe informação inédita, o que enriquece o conteúdo do jornal publicado, permitindo um debate, que poderá ser esclarecedor e benéfico para o leitor.
É de enaltecer uma medida indireta de apoio à liberdade de expressão e ao pluralismo, numa semana em que se comemorou o 25 de Abril. Esta é, por ventura, a melhor consumação do "espírito de Abril", que muitos não querem entender e procuram minimizar o conceito de Liberdade, agarrando-se à perspetiva partidária, com a qual mais se identificam.
Não só de palavras, de ideias e de canções vive uma democracia. 
Neste vasto conceito, há ações que permitem e ajudam a definir quem as pratica. 
Concretizando, o que acabo de escrever, numa conjetura adversa, com os vereadores da oposição a pedirem a diminuição da taxa de disponibilidade, com pelo menos um membro do Partido Socialista a integrar uma plataforma que reivindica a revisão dos preço da água, com vários articulistas – alguns simpatizantes do Partido Socialista - a insistirem no tema, juntando-se aos demais, o Presidente da Câmara Municipal de São João da Madeira apresentou os resultados do exercício da empresa municipal Águas de São João. 
Esta medida de transparência, enobrecedora da gestão do autarca, acarreta um problema. O lucro apresentado em 2019, mesmo sem divisão pelos acionistas, dá razão a quem defende a redução da taxa de disponibilidade. Com a empresa de capitais mistos sem problemas de tesouraria, para não se repetir um obsceno exercício em 2020, é imperativo salvaguardar o interesse público, ou seja, dos munícipes e cobrar menos valor durante o presente ano. 
Redução ou eliminação?
Atendendo a que quem redigiu o contrato para a constituição da empresa Águas de São João, a gestão autarquica do PSD, é hoje defensor da revisão do mesmo, não tendo qualquer dificuldade em entrar em contradição com o seu passado, é um momento para aproveitar para eliminar a taxa de disponibilidade. 
Existem elementos geográficos, como a dimensão do concelho de São João da Madeira, quando comparados com outros de muito maior área, que cobram praticamente o mesmo valor, que sustentam o principio da proporcionalidade, o que neste caso equivaleria a cobrar praticamente zero euros.    
Estão reunidas as condições para reverter o preço da água.
Existe capital político associado a esta medida. 
Estou convencido será aproveitado. 
     
(a publicar no dia 29/04/20)

quinta-feira, abril 23, 2020

Uma real ajuda aos afetados pela covid-19



A covid-19, pelo números de casos surgidos nos concelhos vizinhos, alavancou as respostas das autarquias, conferindo-lhes um mediatismo nacional. 
Durante o último mês, aproveitando essas atenções, muitos autarcas encetaram planos de comunicação, diários, ou desencadearam ações de contingência, muitas vezes avulsas, de forma a minimizar o impacto da propagação da covid-19, ou para oferecer soluções para o Ministério de Saúde.
Obviamente que quem fala todos os dias, numa situação inédita e de difícil controlo, muito rapidamente entra em contradição, ou expõe-se ao sensacionalismo (ver comunicação de óbito de jovem 14 anos no concelho de Ovar, por parte de autarca, quando a autópsia não tinha sido efetuada) ou ao erro, como demonstrou o jornal labor, na edição da semana passada, com a capacidade real de testes instalada no Europarque, bem distante da anunciada.
Sendo certo que houve boa fé nas ações dos autarcas, parece ter existido algum excesso de boa vontade, dando como exemplo, a multiplicação de hospitais de campanha, em concelhos próximos, que felizmente até ao momento não têm sido necessários, por a capacidade de internamento dos hospitais ainda estar longe de ser preenchida. É certo que este trabalho efetuado é preventivo, no entanto, surgem notícias de outra soluções, como por exemplo no concelho da Maia, com a requisição de unidade hoteleira, que confere uma maior dignidade à população afetada.         
Penso que o esforço efetuado até ao momento deve ser continuado nos próximos meses. Com ações concretas de sensibilização da população para o uso de máscara, ou viseira. Com apoio domiciliário a quem ficar infetado ou a quem estiver impedido de sair à rua, por pertencer a grupo de risco ou estiver de quarentena (devendo esse apoio dimensionar a possibilidade de entregar refeições ou de compras) e claro com apoios concretos à totalidade da população, traduzindo-se isto na redução de taxas cobradas pelas autarquias, no fornecimento de água aos seus clientes.
Não querendo escalpelizar a totalidade de autarquias que já anunciou tal medida, é importante seguir com o exemplo de autarquias próximas, ou mesmo vizinhas, como é o caso de Oliveira de Azeméis. Esta semana, esta autarquia anunciou a redução da taxa de saneamento na fatura da água fornecida aos seus munícipes. Uma medida simples, para fazer face às dificuldades que a população daquele concelho vai viver nos próximos meses e que permitirá que um bem essencial seja consumido com menor custo. 
Quem, como eu, tem defendido igual medida em São João da Madeira, com a redução da taxa de disponibilidade, não pode deixar de aplaudir, a medida tomada pelo autarca socialista do concelho vizinho. 
Com os comerciantes com as suas lojas fechadas, sem faturação, muitos deles sem consumo de água, fará sentido pagar taxa de disponibilidade e de saneamento?
Com o aumento do desemprego, segundo os dados anunciados na imprensa, 500 temporários foram dispensados e com o transversal layoff haverá muito munícipe com perdas de rendimento no final do mês de Abril, como tal, repito a pergunta anterior, fará sentido pagar taxa de disponibilidade e de saneamento?
Com várias empresas com dificuldade em conseguir encomendas, algumas a produzir parcialmente, outras encerradas por layoff, fará sentido pagar a taxa de disponibilidade e de saneamento?
Cabe ao Presidente da Câmara Municipal de São João da Madeira ponderar a decisão e como acionista maioritário da empresa Águas de São João, executar a medida que considerar mais correta: ou apoia efetivamente a população local ou prefere distribuir os lucros, no final do ano, com o parceiro privado?     
Se este exercício é válido para a distribuição de água, que ficaria apenas com cobrança do consumo e com a taxa de resíduos sólidos, o que dizer do fornecimento de eletricidade e do pagamento de potência contratada (mais relevante do que o valor cobrado de IVA)?
Haja coragem para reverter estes excessos.
Nota: das 5 questões formuladas, apenas 4 têm resposta local. A quinta terá outro palco.      

(publicando em 23/04/20)

segunda-feira, abril 20, 2020

Números na pandemia

No passado fim de semana ficou visível, por todo o país, a diferença entre os valores apresentados do número de casos de infeção de covid-19. Por um lado, os valores registados pelos Delegados de Saúde locais e por outro o boletim epidemiológico da Direção Geral de Saúde, ambos com atualização diária. Salvaguardando-se estes últimos com a referência que apenas reportam 78 a 79% dos casos.
Caso semelhante havia acontecido há umas semanas atrás, no concelho do Porto, com a Direção Geral da Saúde a duplicar o número de infetados para este concelho, justificando o erro com contagem dupla, tendo prontamente identificado o problema e retificado o método de contagem.
Desta vez, o diferendo numérico deveu-se à supressão do número de casos apresentados pelas autarquias, que reportavam os dados indicados pelos delegados de saúde concelhios e por indicação da Direção Geral de Saúde passaram a estar indexados ao boletim epidemiológico, atrás referido. Ou seja, ao número de casos apresentados para cada concelho, deve-se fazer um acréscimo de 22%, para termos a noção da realidade.
Esta medida centralizadora permite desconfiança da população, que ao seguir os dados relativos ao seu concelho, verifica de um dia para o outro, a redução do valor e obviamente, passa a duvidar dos dados apresentados. Não me parece que com esta medida, haja vontade em penalizar os Delegados de Saúde Locais, nem colocar em causa a sua competência. 
Há sempre várias formas de apresentar números.
Apesar do lamentável número de óbitos provocados pela pandemia, em Março de 2020 morreu menos gente que em igual período de 2018. Quando foi publicada esta taxa, os jornais sensacionalistas do país não tinham manchete. Os mesmos que às primeiras mortes, não respeitaram privacidade e lutos dos familiares, noticiavam que afinal, apenas 2% dos falecidos de Março tinham sido vítimas da covid-19. O confinamento nacional estava a resultar e esta prática poucas manchetes poderia trazer.
O número de casos suspeitos, no dia em que escrevo, praticamente 140.000 habitantes, nunca pode ser relacionado com o total da população portuguesa. Caso fosse, jamais seria respeitado o confinamento e dificilmente evitar-se-ia a propagação.
É esta lógica, de apresentação de indicadores para condicionar a população, que se enquadra a amputação de valores por parte da Direção Geral de Saúde. O número de casos confirmados em todo o país deverá ser praticamente 21.000 habitantes. Em alguns concelhos com esse diferencial, a percentagem de população infetada será de 1% (por exemplo, Ovar), no entanto, a maioria não se aproxima desse valor. 
É para o quociente entre o número de óbitos e o número de infetados – taxa de letalidade – que devemos atentar. Com o valor do número de infetados amputado, esta taxa situa-se um pouco acima dos 3,1%, um indicador bastante alto, segundo os dados da Organização Mundial de Saúde. Seguindo o somatório do número de casos indicados pelos  delegados de saúde concelhios, a taxa de letalidade diminuía para 2,5%, o que poderia não provocar qualquer reação de quarentena na demais população.
Os testes posteriores a quem acusou positivo ainda estão demorados. Muitas pessoas ainda estão à espera de fazer o primeiro dos dois testes, que caso acusem ambos negativos, lhes confere alta hospitalar. Só assim se explica que o número de recuperados seja tão baixo. Importa relembrar que em Portugal, o primeiro recuperado foi anunciado antes do primeiro óbito, o que provocou alguma irrelevância à pandemia. 
Não é irrelevante a apresentação de dados. Pode-se é escolher vários indicadores e trabalhar os números conforme se pretende, como aqui demonstrei.
Há no entanto dois que por serem reais, merecem toda a atenção: o número de óbitos e o número de doentes com covid-19 em cuidados intensivos (este permite aferir a capacidade de tratamento do Serviço Nacional de Saúde).
Se em Março faleceram 187 pessoas com ou de covid-19, em Abril, ao fim de doze dias, o número de óbitos é de 348 pessoas. Número significativo com grande incidência no distrito de Aveiro e de Braga, o que implicou uma subida de 25%, em comparação com o mesmo período do ano passado, da taxa de mortalidade destes distritos.
Apesar de ser aborrecido, quem tiver possibilidade, deve manter-se em confinamento, evitando as saídas à rua. Para quem continua a ter que trabalhar, não basta desejar boa sorte, é importante saber que vai estar protegido e a respeitar os cuidados de higienização. 

(a publicar no dia 16/04/20)

quarta-feira, abril 08, 2020

Tempo no confinamento


A falta de noção de tempo no confinamento causa desconforto. Não o dia-a-dia, pois o ritmo diário é mantido de acordo com a luz solar e horário das refeições, mesmo com tolerância, obriga a manter uma certa ordem.
A desordem começa quando não se sabe qual o dia da semana, ou o dia do mês. Apesar do esquema diário ser semelhante, é na sucessão de dias idênticos que se sente o tal mal estar. Dias sem sair de casa, dias com a mesma rotina, dias monotemáticos, sempre com a mesma conversa com o mais diverso interlocutor.
Para contrariar a incerteza, recorro à paginação semanal dos colunistas do jornal diário, que avidamente leio. Ao ver cada coluna, sei qual é o dia da semana e assim, tranquilizo-me. 
A alvorada é feita precisamente com o jornal a acompanhar o café matinal e o pão fresco, recolhido minutos antes ao portão (uma das vantagens do confinamento, entregas diárias pela madrugada). Sem pressa, sem preocupações de cumprir horários, sem calcular tempos de transporte, metade do jornal fica lido.
Sem atividade profissional, opto pelo exercício físico, dedicando tempo à malhação. O que começou por ser um concerto de expetoração, oferecido por uns brônquios carregados e uma caixa de ar pouco estimulada, ao fim de uma semana transforma-se numa tosse suave, ou mesmo, apenas e só numa respiração com inspirações e expirações breves. A forma física, sem adjetivo, permite-me intervalar os medicamentos da asma, suavizando a posologia, feito apenas alcançado em dias de verão, em climas claramente quentes e pouco húmidos.
A acompanhar o exercício, para manter a cadência, opto por ouvir música. Oportunidade para escutar vários dos pequenos concertos, oferecidos por uma rádio norte-americana (NPR). Escolho o primeiro, muitas vezes sugerido pela plataforma de partilha e a partir daí fico a aguardar pela escolha seguinte, em modo automático selecionada pelo algoritmo. Desta forma, passei a conhecer uma série de bandas, que não fazia a mínima ideia que existiam e muitas delas, a partilhar com os meus conhecidos, familiares ou amigos.
Entretanto, dou o lugar a outro membro da família: a partilha é um dos segredos do confinamento. Outro, é estar cada um ocupado com as suas tarefas, independentemente das horas despendidas, em diferentes divisões da casa. A reunião familiar, os quatro elementos, faz-se à hora das refeições. As tarefas para esse momento estão previamente definidas, para não haver discussões sobre inércias individuais, ou evidências de preguiça. Momento para falar dos mais variados assuntos, para trocar impressões sobre o evoluir da infeção na região, no país e abordar o quotidiano de cada um: inscrições para exames, trabalhos enviados para professores para os mais novos, tarefas profissionais da cara metade, tarefas domésticas já realizadas ou a programar, ou mesmo, para partilhar as conversas com outros confinados, espalhados pelo país. Tempo até para os inevitáveis conselhos paternais, que surgem sempre nestes momentos.
Depois de almoço, oportunidade para executar aqueles "trabalhos" há muito adiados. Se necessito de mão-de-obra para ajudar tenho que requisitar com antecedência. Terminada a tarefa, oportunidade para colocar a leitura em dia. Se a meteorologia ajudar, umas horas passadas no exterior a fixar vitamina D, é a melhor opção. Caso contrário, a partilha de compartimento, sem incomodar os outros.  
Nesta fase do dia surge a necessidade, por defeito profissional, de controlar indicadores. Escolho um diferente cada dia, para evitar sistematizações e repetições na quinzena: fluxos financeiros, fluídos de abastecimento à casa, tráfego de internet no telemóvel, entre outras verificações. Também é uma boa hora para utilizar os telefones e colocar a conversa em dia com os demais destinatários.
Pelas 18h30m, liga-se a televisão. Procura-se um filme, um episódio de uma série, em site especializado e até ao jantar, com os óculos na cara, atenta-se no programa escolhido. Depois de jantar, um pequeno zapping, até à hora da série do canal 2. Terminada a visualização, escolhe-se outro programa aleatoriamente e por mais meia hora, ou coisa e tal, pois o sono começa a apertar.
A rotina criada é interrompida com a chegada do jornal labor, entregue pelo carteiro, à quinta-feira. Um facto diferente, que ajuda a colocar ordem no dia da semana. 
Curiosamente no domingo passado, o corpo pediu mais descanso e a alvorada foi já tardia. A confirmação humana, mesmo em tempo de confinamento, dos textos sagrados.