Sabiam os leitores que o famoso Sancho Pança foi governador de uma ilha?
A ilha situava-se em pleno reino de Aragão e não era circundada por água mas, esse pormenor geográfico, não afectou Sancho Pança no desempenho das suas funções. A nomeação foi feita pelo Duque e senhor daquelas terras, em sinal do reconhecimento da dedicação e devoção de Sancho, enquanto escudeiro do Cavaleiro da Triste Figura, D. Quixote de la Mancha, o último dos cavaleiros Andantes.
O seu governo durou pouco, apenas uma semana. Durante esse período, Sancho dedicou-se a resolver os conflitos que iam surgindo na ilha. A todos eles respondeu com mestria, surpreendendo os demais. Emendou injustiças, desmascarou burlões e evitou com facilidade uma trapalhada que lhe queria propor um desonesto comerciante. Ao fim de 8 dias Sancho Pança abdicou invocando dois motivos. Por um lado, não aguentou o controlo à sua degustação por parte do seu médico. Passou fome o que, para um sôfrego comedor e ainda por cima sendo novel governador, esperando poder comer todas iguarias possíveis devido ao cargo exercido, foi terrível. Por outro lado, ao verificar a sua falta de capacidade de liderar as suas tropas, no ataque virtual dos seus inimigos, entendeu que o lugar de governador não lhe era ajustado, preferindo por isso continuar a ser fiel escudeiro de D. Quixote.
Tudo isto nos conta Miguel Cervantes, no seu livro, publicado em dois volumes – “O Engenhoso Fidalgo D. Quixote de la Mancha” - considerado por muitos como o primeiro romance da era moderna e pelo autor como o último livro sobre a Cavalaria Andante. As lições de ética e honestidade de Sancho Pança e os bons conselhos de D. Quixote ao seu escudeiro, antes de este se tornar governador, são eternos. Numa clara prova da eternidade da literatura. Não consta, segundo o relato de Miguel Cervantes, que Sancho Pança tivesse inaugurado qualquer estrada, ou ponte, ou qualquer tipo de edificação. Nem sequer projectado. O seu governo ficou perpetuado pela história, pelas palavras e não pela construção. Hoje, praticamente 400 anos depois do seu governo, Sancho Pança é mais recordado do que qualquer Alcaide seu contemporâneo, Aragonês, Manchego ou até Português, pois nessa época toda a Península Ibérica estava unificada sob a coroa Espanhola.
Recentemente, o conhecido comentador desportivo, candidato à presidência da Câmara Municipal de Sintra, numa entrevista dizia mais ou menos o seguinte “Na actual conjuntura económica do país, com o PEC e a necessidade de redução do défice, nos próximos 4 anos as verbas do PIDAC serão cada vez menores. (...) Prometer grandes investimentos para o concelho seria pura demagogia (...)”.
De norte a sul, da esquerda à direita, passando pelos demais independentes, a ânsia da eternidade não permite aos candidatos a autarcas verificarem a realidade económica do país. Sobretudo ao elaborarem programas eleitorais, nos quais sobejam projectos e mais projectos de construção, ampliação e outras tantas obras de renovação de vários equipamentos existentes nos respectivos concelhos, além das inevitáveis melhorias das acessibilidades... Esses programas de promoção de obras municipais, ou melhor, estes “cadernos de encargos” parecem seduzir mais os empreiteiros do que os próprios munícipes.
Por vezes, os nossos autarcas enquanto candidatos devem ser atacados pelos mesmos nigromantes e demónios que atormentavam D. Quixote, os famosos encantamentos, que transformavam gigantes em moinhos de vento, cabeças de gigante em odres de vinho, exércitos de Cavaleiros em rebanhos de ovelhas e mesmo a bela donzela Dulcinea numa vulgar e carrancuda camponesa...