A conversa começou mais ou menos assim: Pai, hoje na escola um colega levou pedras de quartzo!
A atenção redobrou: Quartzo ?
- Sim, batíamos uma contra a outra e dava faísca.
- E de que cor eram? – perguntei para verificar se o nome tinha sido bem entendido.
- Brancas. Foi com o pai à Serra da Freita e trouxe hoje para o ATL. Também gostava de ter. Podemos ir à Serra da Freita? Nunca lá vamos!
Mais do que um desejo, para mim foi uma vontade: Claro, vamos lá no fim de semana, no Domingo.
- Sabes onde há?
- Sei, não te preocupes.
Claro que sabia. Veios de quartzo, escombreiras com quartzo, hexagonal ou em qualquer outro sistema que cristalizou a minha geologia, a Serra da Freita no que se refere a pedras ou a rochas tem poucos segredos.
A dúvida era saber que tipo de pedra tinha visto o Manel.
O carro foi até ao local de sempre. O local de vários acampamentos da AEJ, agora transformado em parque de merendas, com grelhas e tudo.
No acesso surgem as primeiras amostras: eram assim as do teu colega?
“Isso mesmo”, respondeu feliz ao reconhecer e recolheu uma, duas, três e mais pedrinhas brancas. Mal pode, começou logo a bater uma conta a outra.
Atravessámos o riacho na nova ponte e no relvado perguntou-me “Passam carros aqui?”. Como a resposta foi negativa, sentiu-se livre e explorou as pedras, a relva, o riacho que se forma no inverno, os restos de fogueiras e claro, recolheu mais pedras de quartzo. Um saco cheio de pedras brancas e mais uma em tons de cinzento, que o pai ao recolher disse: “Uma pedra parideira aqui!? Que engraçado!”
De nada valeu explicar ao Manel, que aquela pedra tinha sido transportada por conhecidos do pai e posteriormente abandonada, alguns anos antes. Numa época em que se palmilhava a Serra a pé, com o objectivo de visitar as “Pedras Parideiras” ou à procura de itinerários esquecidos para as abandonadas minas de Volfrâmio.
O silêncio da Serra é interrompido por turistas radicais, distantes nas suas BTT . A Freita tornou-se um local aprazível e procurado nestes Invernos moderados.
Uma visita rápida ao Miradouro da Mizarela, para ver os 60 metros da Frecha. Manel não tinha ideia desta imagem, desta paisagem, desta queda de água. Adorou, associando com qualquer aventura televisionada, perguntou logo se havia grutas por detrás da água. “Não, nada disso, apenas pequenos lagos que são refrescantes no Verão”, ou pelo menos assim eram, quando desci o carreiro pela última vez.
Por detrás de Albergaria, as hélices da energia eólica rodavam, numa paisagem transformada, que acompanha a família há três gerações.
Em casa da avó, oportunidade para ver um cristal de quartzo, este sim hexagonal. “Lá na Freita, um bocado mais longe, podemos encontrar deste género de quartzo.”
- Temos que lá ir também, ok?
Até esse regresso, no escuro da garagem, ouve-se o bater de pedras e a exclamação: Vi uma faísca!
(publicado a 25/01/07)
compilação dos textos publicados no jornal labor (www.labor.pt), de 2004 a 2020.
quinta-feira, janeiro 25, 2007
quinta-feira, janeiro 18, 2007
clandestinos
Chegavam ao balcão sozinhas. Era o primeiro acto social depois de revelar o sucedido. A opção tinha sido tomada em desespero, contrariando crenças e convicções pessoais. Ponderados os prós e os contras, a decisão estava feita. Quem as acompanhava até à clínica, familiares, ou os próprios namorados, ou só amigas, penalizavam-nas neste momento. Tinham que enfrentar terceiros, expondo a sua mágoa.
A cara não escondia o receio, ou a vergonha do julgamento por terceiros.
Uma consulta especial para o Doutor..., ou só uma consulta, sem nada de especialidades, era o código de abertura para as mãos do médico. As palavras saíam da boca a medo e quem as atendia, já experientes, colocavam-nas à vontade.
Formalismos consumados e pagava-se. Muito. Economias várias, dinheiro emprestado. Em notas, sem rasto, sem direito a recibo ou a comprovativo.
As adolescentes - ou um pouco mais velhinhas - seguiam para uma sala de espera. Em principio não veriam ninguém, além do pessoal auxiliar. Por vezes, o tempo de espera era longo e lá entrava mais uma rapariga, acompanhada ou não, tornando o silêncio comprometedor. Ali a espera era diferente de uma normal sala de hospital, ninguém ousava perguntar nada às outras, não por falta de simpatia mas, porque era arriscado e aborrecido falar-se do assunto. Bem, no fundo não havia nada a falar. O que interessava era terminar aquilo e sobretudo, fugir dali o mais depressa possível.
Quando se era chamada, as pernas tremiam; havia casos encaminhados para as urgências no hospital distrital, muitas vezes devido a semanas mal contadas, outras por circunstâncias várias e lá se ia o segredo, além dos graves problemas físicos associados.
Não veriam a cara do médico, escondida sob uma discreta máscara. Só escutariam a sua voz.
No final, as incertezas, dúvidas e receios desapareciam, tudo correra bem. Um regresso à dura realidade. Os conselhos apropriados: relações só daqui a um mês, atenção à utilização de contraceptivos e o discurso ajustado da obtenção e frequência das consultas de planeamento familiar para adolescentes.
Um lugar democrata a troco de umas dezenas de “contos”.
De volta à sala de espera, onde o silêncio imperava. Umas lágrimas finais, o nervoso miudinho explodia após o sucedido.
O reencontro e a reconciliação com os entes queridos, entre fortes e sentidos abraços.
Um recomeçar de vida, com a mágoa pessoal e um silêncio eterno sobre o assunto, porque a sociedade recrimina estes actos.
Até um dia.
(publicado em 18/01/07)
A cara não escondia o receio, ou a vergonha do julgamento por terceiros.
Uma consulta especial para o Doutor..., ou só uma consulta, sem nada de especialidades, era o código de abertura para as mãos do médico. As palavras saíam da boca a medo e quem as atendia, já experientes, colocavam-nas à vontade.
Formalismos consumados e pagava-se. Muito. Economias várias, dinheiro emprestado. Em notas, sem rasto, sem direito a recibo ou a comprovativo.
As adolescentes - ou um pouco mais velhinhas - seguiam para uma sala de espera. Em principio não veriam ninguém, além do pessoal auxiliar. Por vezes, o tempo de espera era longo e lá entrava mais uma rapariga, acompanhada ou não, tornando o silêncio comprometedor. Ali a espera era diferente de uma normal sala de hospital, ninguém ousava perguntar nada às outras, não por falta de simpatia mas, porque era arriscado e aborrecido falar-se do assunto. Bem, no fundo não havia nada a falar. O que interessava era terminar aquilo e sobretudo, fugir dali o mais depressa possível.
Quando se era chamada, as pernas tremiam; havia casos encaminhados para as urgências no hospital distrital, muitas vezes devido a semanas mal contadas, outras por circunstâncias várias e lá se ia o segredo, além dos graves problemas físicos associados.
Não veriam a cara do médico, escondida sob uma discreta máscara. Só escutariam a sua voz.
No final, as incertezas, dúvidas e receios desapareciam, tudo correra bem. Um regresso à dura realidade. Os conselhos apropriados: relações só daqui a um mês, atenção à utilização de contraceptivos e o discurso ajustado da obtenção e frequência das consultas de planeamento familiar para adolescentes.
Um lugar democrata a troco de umas dezenas de “contos”.
De volta à sala de espera, onde o silêncio imperava. Umas lágrimas finais, o nervoso miudinho explodia após o sucedido.
O reencontro e a reconciliação com os entes queridos, entre fortes e sentidos abraços.
Um recomeçar de vida, com a mágoa pessoal e um silêncio eterno sobre o assunto, porque a sociedade recrimina estes actos.
Até um dia.
(publicado em 18/01/07)
quinta-feira, janeiro 11, 2007
graça ou desgraça
Antuérpia e Bruges têm histórias contrastantes. Bruges foi capital da Flandres durante vários anos e até ao século XV. Era nesta cidade, servida pelo estuário do rio Zwin, que se faziam as principais trocas comerciais dos produtos produzidos no Norte da Europa e também com as sedas e especiarias do Oriente, comercializadas por Italianos. Bruges prosperou e desenvolveu novas indústrias, como a lapidação de diamantes e no século referido tinha o dobro da população de Londres.
No século seguinte, o assoreamento do rio afastou os grandes navios das docas de Bruges e devido a este facto, os grandes comerciantes transferiram-se para a costa de Antuérpia. Nessa época, esta cidade transformou-se numa das maiores potências económicas da Europa. Apesar do aparecimento de transportes rodoviários, ferroviários e aéreos, o porto de Antuérpia ainda é um dos principais da Europa e os negócios de diamantes passam infalivelmente por esta cidade Belga. Bruges, em contrapartida, é uma cidade museu virada essencialmente para o turismo.
A partir desta descrição sobre a evolução destas duas cidades da Bélgica, Tim Harford, no seu livro “O Economista Disfarçado”, chegou ao seguinte postulado: “se quiser ser rico, é boa ideia forjar ligações estreitas com o resto do mundo(...)”.
Os economistas adoram fornecer exemplos de pequenos países prósperos. A Europa tem vários que assim souberam manter-se ao longo de anos, até ao presente.
Pretender alavancar a economia de um concelho, sabendo da importância das acessibilidades e esperando que a prosperidade surja de acordo com a evidência de Tim Harford, tem sido a intenção dos últimos anos da Autarquia local.
A verificar-se a opção pelo traçado B na construção da A32 entre Gaia e Oliveira de Azeméis, S. João da Madeira volta à estaca zero. Terá que reivindicar acessos rápidos ao nó mais próximo, construídos por concelhos vizinhos. Como se viu em todo este processo, as vontades dos autarcas dos concelhos vizinhos são oficiosamente diferentes.
Mesmo que seja esta a solução política a encontrar, a promessa eleitoral do candidato Castro Almeida, de ligação por auto-estrada de SJM ao Porto, dificilmente será cumprida.
Este é um importante ponto para ponderar sobre o “estado de graça” do Presidente da Câmara.
Apesar de ecos na imprensa local, em especial no Jornal “O Regional”, os eleitores estão expectantes.
O ano de 2007 será decisivo para a relação dos munícipes com o Presidente da Câmara. Nos próximos meses, a decisão sobre o futuro do serviço de Urgências do Hospital de S. João da Madeira poderá implicar algumas mudanças.
Caso se altere a vontade do estudo prévio do Ministério da Saúde, tudo continuará bem, ou melhor, ficará bem melhor para um eventual terceiro mandato do actual Presidente da Câmara. Os argumentos apresentados para a manutenção da Urgência do Hospital revelar-se-ão fundamentais e obviamente o ”estado de graça” permanecerá.
Tudo muda de figura, caso se verifique o anunciado fecho. Penso que muitos eleitores encararão mal o facto e com desconfiança questionarão as várias acções e obras em curso na cidade. A unanimidade desaparecerá e a contestação subirá de tom. A oposição terá oportunidade para dizer “Nós bem avisámos”.
Este cenário dois anos antes das eleições autárquicas, pode levar o actual Presidente a repensar a sua opção política, já que o calendário eleitoral prevê eleições Legislativas e Europeias antes das Autárquicas de 2009.
(publicado em 11/01/07)
No século seguinte, o assoreamento do rio afastou os grandes navios das docas de Bruges e devido a este facto, os grandes comerciantes transferiram-se para a costa de Antuérpia. Nessa época, esta cidade transformou-se numa das maiores potências económicas da Europa. Apesar do aparecimento de transportes rodoviários, ferroviários e aéreos, o porto de Antuérpia ainda é um dos principais da Europa e os negócios de diamantes passam infalivelmente por esta cidade Belga. Bruges, em contrapartida, é uma cidade museu virada essencialmente para o turismo.
A partir desta descrição sobre a evolução destas duas cidades da Bélgica, Tim Harford, no seu livro “O Economista Disfarçado”, chegou ao seguinte postulado: “se quiser ser rico, é boa ideia forjar ligações estreitas com o resto do mundo(...)”.
Os economistas adoram fornecer exemplos de pequenos países prósperos. A Europa tem vários que assim souberam manter-se ao longo de anos, até ao presente.
Pretender alavancar a economia de um concelho, sabendo da importância das acessibilidades e esperando que a prosperidade surja de acordo com a evidência de Tim Harford, tem sido a intenção dos últimos anos da Autarquia local.
A verificar-se a opção pelo traçado B na construção da A32 entre Gaia e Oliveira de Azeméis, S. João da Madeira volta à estaca zero. Terá que reivindicar acessos rápidos ao nó mais próximo, construídos por concelhos vizinhos. Como se viu em todo este processo, as vontades dos autarcas dos concelhos vizinhos são oficiosamente diferentes.
Mesmo que seja esta a solução política a encontrar, a promessa eleitoral do candidato Castro Almeida, de ligação por auto-estrada de SJM ao Porto, dificilmente será cumprida.
Este é um importante ponto para ponderar sobre o “estado de graça” do Presidente da Câmara.
Apesar de ecos na imprensa local, em especial no Jornal “O Regional”, os eleitores estão expectantes.
O ano de 2007 será decisivo para a relação dos munícipes com o Presidente da Câmara. Nos próximos meses, a decisão sobre o futuro do serviço de Urgências do Hospital de S. João da Madeira poderá implicar algumas mudanças.
Caso se altere a vontade do estudo prévio do Ministério da Saúde, tudo continuará bem, ou melhor, ficará bem melhor para um eventual terceiro mandato do actual Presidente da Câmara. Os argumentos apresentados para a manutenção da Urgência do Hospital revelar-se-ão fundamentais e obviamente o ”estado de graça” permanecerá.
Tudo muda de figura, caso se verifique o anunciado fecho. Penso que muitos eleitores encararão mal o facto e com desconfiança questionarão as várias acções e obras em curso na cidade. A unanimidade desaparecerá e a contestação subirá de tom. A oposição terá oportunidade para dizer “Nós bem avisámos”.
Este cenário dois anos antes das eleições autárquicas, pode levar o actual Presidente a repensar a sua opção política, já que o calendário eleitoral prevê eleições Legislativas e Europeias antes das Autárquicas de 2009.
(publicado em 11/01/07)
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