quinta-feira, janeiro 18, 2007

clandestinos

Chegavam ao balcão sozinhas. Era o primeiro acto social depois de revelar o sucedido. A opção tinha sido tomada em desespero, contrariando crenças e convicções pessoais. Ponderados os prós e os contras, a decisão estava feita. Quem as acompanhava até à clínica, familiares, ou os próprios namorados, ou só amigas, penalizavam-nas neste momento. Tinham que enfrentar terceiros, expondo a sua mágoa.
A cara não escondia o receio, ou a vergonha do julgamento por terceiros.
Uma consulta especial para o Doutor..., ou só uma consulta, sem nada de especialidades, era o código de abertura para as mãos do médico. As palavras saíam da boca a medo e quem as atendia, já experientes, colocavam-nas à vontade.
Formalismos consumados e pagava-se. Muito. Economias várias, dinheiro emprestado. Em notas, sem rasto, sem direito a recibo ou a comprovativo.
As adolescentes - ou um pouco mais velhinhas - seguiam para uma sala de espera. Em principio não veriam ninguém, além do pessoal auxiliar. Por vezes, o tempo de espera era longo e lá entrava mais uma rapariga, acompanhada ou não, tornando o silêncio comprometedor. Ali a espera era diferente de uma normal sala de hospital, ninguém ousava perguntar nada às outras, não por falta de simpatia mas, porque era arriscado e aborrecido falar-se do assunto. Bem, no fundo não havia nada a falar. O que interessava era terminar aquilo e sobretudo, fugir dali o mais depressa possível.
Quando se era chamada, as pernas tremiam; havia casos encaminhados para as urgências no hospital distrital, muitas vezes devido a semanas mal contadas, outras por circunstâncias várias e lá se ia o segredo, além dos graves problemas físicos associados.
Não veriam a cara do médico, escondida sob uma discreta máscara. Só escutariam a sua voz.
No final, as incertezas, dúvidas e receios desapareciam, tudo correra bem. Um regresso à dura realidade. Os conselhos apropriados: relações só daqui a um mês, atenção à utilização de contraceptivos e o discurso ajustado da obtenção e frequência das consultas de planeamento familiar para adolescentes.
Um lugar democrata a troco de umas dezenas de “contos”.
De volta à sala de espera, onde o silêncio imperava. Umas lágrimas finais, o nervoso miudinho explodia após o sucedido.
O reencontro e a reconciliação com os entes queridos, entre fortes e sentidos abraços.
Um recomeçar de vida, com a mágoa pessoal e um silêncio eterno sobre o assunto, porque a sociedade recrimina estes actos.
Até um dia.

(publicado em 18/01/07)

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