quarta-feira, março 19, 2008

Velhos hábitos

P. G. Wodewouse, autor de mais de cem livros, é conhecido como o mais brilhante escritor britânico do género cómico, do século passado. Da sua vasta obra, destacam-se os livros relatando as peripécias de Bertie Wooster, auxiliado pelo seu mordomo Jeeves. As suas aventuras por serem tão hilariantes foram adaptadas, passados quarenta anos, para uma série de televisão, precisamente Jeeves and Wooster. As principais interpretações foram protagonizadas, respectivamente por Stephen Fry e Hugh Laurie (este último mais conhecido do público pela sua encarnação em Dr. House, na série norte-americana com o mesmo nome).

O escritor britânico tinha uma capacidade de exposição formidável. O seu método de escrita era tão peculiar, que querendo expor num novo livro um acontecimento já relatado anteriormente, não se cingia a fazer uma referência bibliográfica. Por forma a situar os leitores na narrativa, pedia desculpa aos que já conheciam todos os pormenores descritos e apresentava um breve resumo, para os leitores que pela primeira vez tomavam contacto com as suas personagens. Desta forma, colocava todos no mesmo momento da história e continuava a descrever as confusões, em que normalmente envolvia o personagem Wooster. Com esta técnica, a vida de quem escreve uma sucessão de textos quer em crónicas, quer avulsos, seja em jornais ou noutro qualquer formato, fica facilitada.

Todo este intróito serviu para preparar os leitores para o tema que irei desenvolver.

Em tempos descrevi as minhas dificuldades em comprar água tónica. Como devem ter percebido, este relato não é totalmente inédito. Assim, aplicando a técnica atrás descrita e por forma a não incomodar os leitores que já leram esta passagem, abreviarei o mais possível no próximo paragráfo, o sucedido.

Preparava-me para beber um gin tónico numa sexta-feira à noite, depois de uma árdua semana de trabalho, quando deparei não ter água tónica em casa. Os restantes ingredientes não faltavam, apenas tinha acabado a água com quinino. Procurei nos cafés das redondezas e nada. Fui de porta em porta, obtive sempre a mesma resposta e dei por mim, numa grande superfície a comprar as garrafas de 20 cl de rótulo amarelo e letras pretas. Acreditei numa troca de hábitos em meios mais pequenos e que a água tónica, tivesse sido substituída pelas novas águas com sabores.

Posteriormente, durante as férias, exercitei por alguns lugares por onde passei a ingestão de tal bebida. Sendo em bares, o gin tónico lá me era servido, no entanto, tinha que aguardar um pouco, para diligenciarem a água tónica. Gin não faltava. Mesmo a marca de garrafa azul estava exposta, em lugar de destaque. Tónica é que estava sempre inacessível. Ou noutro balcão, ou nas arrecadações, se fosse o caso. Pensei sempre tratar-se de um problema de gestão de stock, em que a reposição momentânea não tivesse sido efectuada.

Há dias tive a prova que me faltava. Num local normal, de porta aberta ao público até depois da meia noite, quando pedi o obrigatório gin tónico, lamentaram informar-me que só tinham água tónica, o gin tinha terminado.

Compreendi estar perante um problema de geração. Afinal, as minhas suposições sobre hábitos urbanos em terras pequenas e a questão dos stocks não tinham sido problemas pontuais. Algo mais profundo tinha acontecido.

Os hábitos nocturnos, de quem maioritariamente frequenta os espaços abertos ao público alteraram-se. Aquilo que na minha geração era frequente, beber Gin Tónico, perdeu-se com o tempo.

Confrontei pessoas mais entendidas do que eu na matéria, ligadas à restauração e após alguma análise concordam.

Velhos hábitos que não nos tornam velhos de idade mas, identificam-nos.

Para cúmulo do exotismo indicam-me que existe uma mistura de Gin, pela apreciação de quem me informou divinal, apenas à venda numa determinada loja “Gourmet”.

Pelo menos em casa, desde que previamente se trate de aprovisionar os respectivos ingredientes, ainda se consegue beber em tranquilidade.

No meu caso, de preferência, acompanhando a narrativa de Wodehouse. Ambas em dose adequada, é claro. Sem excessos.

A propósito, aproveito para desejar uma boa Páscoa a todos os leitores.

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