quarta-feira, setembro 30, 2009

A evidência do cachucho

            Na sexta-feira passada, Pedro Mexia, conhecido escritor e comentador nacional, iniciou no seu blogue – Lei Seca - a justificação da sua intenção de voto do seguinte modo: “Podia glosar José Mário Branco e dizer que voto à esquerda moderada nas sindicais, voto no centro moderado nas deputais e voto na direita moderada nas presidenciais. Não bate totalmente certo, mas ficam com uma ideia, e além disso soa bem (…)”.

            Sempre esperei citar o cantor portuense, ao longo destes anos de colaboração com o labor. Acreditei que ao fazê-lo, iria derivar para um qualquer assunto proclamado nessa música indescritível chamada FMI. Evocar “Distingue bem o Mortimor do Meirim” ou então, “Marrazes, Marrazes”, “Lourosa, Lourosa”, poderiam servir para descobrir o que é feito de António Medeiros (treinador de futebol da década de 70 do Estoril, Belenenses e mais tarde do Amora) ou para compreender as idiossincrasias duma população, ávida de democracia, para fechar estradas e protestar por causa dos resultados do futebol.

            Não se encerram nestes capítulos as singularidades da letra da canção referida, que começava por comparar o cachucho ao lagostim.

            A menção à divisão de voto nos vários actores do espectro político, permanece actual no ideal português. Cada eleição, um sentido de voto. A famosa frase proferida por um ex-presidente da República: “Os Portugueses não gostam de colocar os ovos todos no mesmo cesto”, é ainda hoje, a melhor forma de definir o conceito de equilíbrio democrático tão ao nosso jeito.

            Os resultados nacionais destas eleições legislativas de 27 de Setembro, quando se cruzarem com os das próximas eleições autárquicas de 11 de Outubro serão a evidência do desapego de grande parte dos Portugueses à ideologia e fidelização partidária. (O nível de abstenção começa a demonstrar o abandono dos eleitores à causa democrática, muito embora, esse seja assunto para outro tipo de considerações). Por agora, mantendo-me dentro do tema da harmonia popular, veja-se as preferências dos eleitores de S. João da Madeira ao longo das várias eleições:

a) Nos últimos 25 anos, nas eleições legislativas de 1985, 1987, 1991, as maiores votações pertenceram sempre ao PSD. A partir de 1995, o PS ganhou sucessivamente as eleições legislativas nas urnas colocadas em S. João da Madeira (1995, 1999, 2002, 2005, 2009).

b) Durante esses anos, o CDS venceu sempre às eleições autárquicas (1985, 1989, 1993, 1997) até à passagem de testemunho ao PSD (vencedor em 2001 e 2005).

c) Pelo meio houve uma série de eleições europeias e presidenciais, com resultados diversos, conforme o tipo de eleição e os candidatos concorrentes que pela sua especificidade, não reportarei os resultados.

            Esta tendência de voto, historicamente e maioritariamente repartido por três partidos e com resultados originando vencedores diversos, prova que o voto dos eleitores locais não obedece a nenhuma estrutura partidária. Aos votos militantes, acresce-se por eleição centenas de votos flutuantes, produzindo os resultados eleitorais atrás referidos.

            Determinar e estudar quem são esses munícipes oscilantes, quais as suas motivações eleitorais, percebendo o seu enquadramento social, seria importante e determinante para quem ambiciona estar na política local e procura captar votos. Uma análise importante podendo retratar esses eleitores locais, à semelhança dos estudos nacionais que definiram o “centrão”.

            Podemos concluir que a lógica dos resultados advém da independência dos eleitores. A motivação para o voto em cada eleição escapa ao controlo da militância. Se uma determinada concelhia pretender reclamar a intenção de voto dos eleitores locais, corre o risco de na eleição seguinte, normalmente de âmbito diferente, cair no ridículo, pois os votos poderão fugir-lhe.

            A sensatez do universo dos eleitores é a prova da sua sabedoria no exercício da democracia.

 

 

(a publicar dia 01/10/09)

quarta-feira, setembro 16, 2009

Adeus ao Verão

            Em Setembro de 1989, na Praça Luís Ribeiro, a Associação Estamos Juntos promoveu um espectáculo com artistas locais. A iniciativa começou de manhã, com uma prova de atletismo, em simultâneo com a realização de um painel, por vários pintores da região. De tarde e até à noite, passaram pelo palco uma série de músicos locais, além de grupos de dança e de uma peça de teatro, promovida para o efeito. Por se realizar na passagem da estação, o espectáculo foi designado de “Adeus ao Verão”.  

            Evocar este acontecimento, precisamente vinte anos depois, serve para recordar a ousadia da organização em promover um alinhamento diversificado, com momentos de grande qualidade sonora, numa época em que os concertos nesse palco eram escassos, quase sempre com artistas aclamados e sobretudo, com muita assistência, enchendo semana após semana, a Praça.

            Já neste século foi organizado um evento semelhante – Raízes – com meios técnicos ajustados aos tempos actuais e com uma maior facilidade de recrutamento, reconheça-se, como resultado da formação ministrada ao longo dos anos, pelo aparecimento de novos valores e pela aposta de vários habitantes locais em esforçadas carreiras artísticas.

            Tal como o “Adeus ao Verão”, este evento não teve continuidade.

            É certo que durante o ano, nos novos palcos entretanto surgidos pela cidade, vários concertos e várias actuações são promovidas com artistas locais. O ciclo “Musicatos”, o “Festival da Juventude”, a “Cidade no Jardim”, entre outros, promovem essas actuações e provavelmente é difícil encontrar agenda e vontade em organizar um evento específico, destinado a impulsionar a divulgação dos artistas locais, nas mais variadas especialidades de artes de palco e não só.   

            A cultura foi aposta forte na cidade nos últimos anos e pelos projectos apresentados, continuará a receber grande atenção, devido à construção de arquipélagos culturais na cidade. Durante vários anos a política cultural esteve vocacionada para o apoio à formação, com o Centro de Arte e a Academia de Música a serem o rosto mais visível dessa vontade, através das suas aulas e claro, pelas respectivas exposições, concertos ou concursos de Piano, como o referenciado “Florinda Santos”. O posterior aparecimento do Museu da Chapelaria e dos Paços da Cultura – com peças de teatro, concertos em ritmo mensal - permitiram diversificar o empenho da autarquia, enquanto agente promotor de cultura. A isto junte-se as novas iniciativas dinamizadas, algumas mencionadas no parágrafo anterior, mais outras como a insistente “Poesia à mesa” e teremos o retrato cultural da cidade.

            Apesar de todo o esforço, é muito reduzida a importância de S. João da Madeira no panorama nacional em todo este domínio.

            Cientes disso mesmo, os actuais autarcas lançaram-se à obra. Dois avultados investimentos estão previstos. O primeiro, já com mais de dez anos, a reconversão do Cinema Imperador, deverá ficar concluído no próximo ano. Apresentado durante anos como o espaço capaz de “alavancar” o nome de S. João da Madeira nos meios culturais, não terá tempo de ser consolidado, absorvido e assimilado pela população, pois um novo projecto - a reconversão da antiga Oliva - tende a ofuscá-lo.

            Esta sucessão de anúncios de novos espaços culturais, retirando importância aos existentes, aos inaugurados recentemente e àqueles que a curto prazo deveriam ficar operacionais, revela alguma descoordenação e sobretudo, uma falta de conhecimento sobre os hábitos culturais da população da cidade.

            Bem, é ainda Setembro, o Verão termina na próxima semana. Só depois será Outono.  

 

 

(a publicar dia 17/09/09)

quarta-feira, setembro 02, 2009

Da tradição ao vazio

            A actual dicotomia entre a tradição e a modernidade na sociedade Portuguesa não é original. O nosso país tem sofrido, ao longo dos vários séculos, com as duas visões antagónicas.

            A história assim o relata.

            A literatura também e na poesia de Camões, a figura do “Velho do Restelo” ficou para sempre eternizada como símbolo da oposição ao progresso.

            Infelizmente, a menção à alegoria camoniana banalizou-se - na argumentação política, qualquer posição tida como discordante duma maioria, relativa ou absoluta, é prontamente rotulada dessa forma, evitando-se a procura de melhores razões. Neste particular, é bom referir, entra-se facilmente na contradição dos dois pólos de discussão, mediante o número de votos obtidos numa determinada eleição. É usual vermos defensores da tradição a transformarem-se em arautos da modernidade e vice-versa.

            Em S. João da Madeira, a conjugação destes dois vectores, a tradição e a modernidade, conheceu vários momentos. Em geral, a modernidade tem-se sobreposto ao lado conservador. Uma perspectiva que tem fortalecido a identidade da localidade, quando comparada com o desenvolvimento dos concelhos vizinhos e em particular com as suas cidades - sede.

            A busca incessante da modernidade tem conhecido, nos últimos anos, interessantes projectos: a tentativa de cobertura de internet sem fios pela cidade; o Centro Empresarial e Tecnológico; o futuro Creative Factory Oliva, ou para não ferir susceptibilidades, a intitulada Aldeia Criativa. Não se pode esquecer também a procura constante em tornar mais airosas várias artérias da cidade, bem como, o restauro de alguns equipamentos municipais tornando-os mais apelativos.          

            Nos últimos anos um terceiro vector sobrepôs-se, a qualidade de vida. Medida, quantificada e excelentemente posicionada, obrigou a alterar o discurso oficial da cidade, passando-se a utilizar este argumento como cartão-de-visita.

            Tudo isto, conhecido e assimilado por todos, juntamente com o novo centro de compras e de lazer – o shopping 8ª Avenida, mudaram a face da cidade mas, não produziram a desejada melhoria económica, nem tão pouco o crescimento demográfico esperado.

            O emprego continua a estar suportado nas indústrias tradicionais.

            Numa cidade produtora de calçado e de componentes para a indústria automóvel, essencialmente em regime de mão-de-obra intensiva, é curioso que os artigos produzidos, com maior visibilidade, sejam oriundos de processos antigos e exclusivos no nosso país: feltros para chapéus e lápis.

            Compreender este paradoxo é projectar a arqueologia industrial da cidade para a modernidade. Esta é a tarefa mais importante daqueles que se propõem agora a ser eleitos. Não renegar o passado laborioso da cidade, é honrar a capacidade empreendedora dos seus empresários e o esforço colectivo dos seus trabalhadores.             

            No âmbito económico, não podemos esquecer o comércio de rua. Sem rodeios e directamente na jugular, numa das páginas do último livro de Armistead Maupin, o narrador tem o seguinte desabafo: “ (…) Há um pequeno centro comercial óptimo à saída de todo o lado. Já só há centros comerciais! (…)”. Projectar mais grandes superfícies, shoppings e afins para locais com boas acessibilidades e retirados da zona habitacional será uma tendência, a fazer fé no escritor norte-americano, global. A consequência é esvaziar as ruas de peões, permitir a rápida circulação de automóveis, o que permitirá alcançar rapidamente as zonas periféricas.

            As cidades tornam-se impessoais.  

            A fazer fé na escolha de alguns partidos políticos, optando por divulgar os seus candidatos através de grandes cartazes, colocados em locais dirigidos essencialmente para automobilistas, em S. João da Madeira o processo é irreversível.

 

 

 

(a publicar dia 03/09)