quarta-feira, setembro 02, 2009

Da tradição ao vazio

            A actual dicotomia entre a tradição e a modernidade na sociedade Portuguesa não é original. O nosso país tem sofrido, ao longo dos vários séculos, com as duas visões antagónicas.

            A história assim o relata.

            A literatura também e na poesia de Camões, a figura do “Velho do Restelo” ficou para sempre eternizada como símbolo da oposição ao progresso.

            Infelizmente, a menção à alegoria camoniana banalizou-se - na argumentação política, qualquer posição tida como discordante duma maioria, relativa ou absoluta, é prontamente rotulada dessa forma, evitando-se a procura de melhores razões. Neste particular, é bom referir, entra-se facilmente na contradição dos dois pólos de discussão, mediante o número de votos obtidos numa determinada eleição. É usual vermos defensores da tradição a transformarem-se em arautos da modernidade e vice-versa.

            Em S. João da Madeira, a conjugação destes dois vectores, a tradição e a modernidade, conheceu vários momentos. Em geral, a modernidade tem-se sobreposto ao lado conservador. Uma perspectiva que tem fortalecido a identidade da localidade, quando comparada com o desenvolvimento dos concelhos vizinhos e em particular com as suas cidades - sede.

            A busca incessante da modernidade tem conhecido, nos últimos anos, interessantes projectos: a tentativa de cobertura de internet sem fios pela cidade; o Centro Empresarial e Tecnológico; o futuro Creative Factory Oliva, ou para não ferir susceptibilidades, a intitulada Aldeia Criativa. Não se pode esquecer também a procura constante em tornar mais airosas várias artérias da cidade, bem como, o restauro de alguns equipamentos municipais tornando-os mais apelativos.          

            Nos últimos anos um terceiro vector sobrepôs-se, a qualidade de vida. Medida, quantificada e excelentemente posicionada, obrigou a alterar o discurso oficial da cidade, passando-se a utilizar este argumento como cartão-de-visita.

            Tudo isto, conhecido e assimilado por todos, juntamente com o novo centro de compras e de lazer – o shopping 8ª Avenida, mudaram a face da cidade mas, não produziram a desejada melhoria económica, nem tão pouco o crescimento demográfico esperado.

            O emprego continua a estar suportado nas indústrias tradicionais.

            Numa cidade produtora de calçado e de componentes para a indústria automóvel, essencialmente em regime de mão-de-obra intensiva, é curioso que os artigos produzidos, com maior visibilidade, sejam oriundos de processos antigos e exclusivos no nosso país: feltros para chapéus e lápis.

            Compreender este paradoxo é projectar a arqueologia industrial da cidade para a modernidade. Esta é a tarefa mais importante daqueles que se propõem agora a ser eleitos. Não renegar o passado laborioso da cidade, é honrar a capacidade empreendedora dos seus empresários e o esforço colectivo dos seus trabalhadores.             

            No âmbito económico, não podemos esquecer o comércio de rua. Sem rodeios e directamente na jugular, numa das páginas do último livro de Armistead Maupin, o narrador tem o seguinte desabafo: “ (…) Há um pequeno centro comercial óptimo à saída de todo o lado. Já só há centros comerciais! (…)”. Projectar mais grandes superfícies, shoppings e afins para locais com boas acessibilidades e retirados da zona habitacional será uma tendência, a fazer fé no escritor norte-americano, global. A consequência é esvaziar as ruas de peões, permitir a rápida circulação de automóveis, o que permitirá alcançar rapidamente as zonas periféricas.

            As cidades tornam-se impessoais.  

            A fazer fé na escolha de alguns partidos políticos, optando por divulgar os seus candidatos através de grandes cartazes, colocados em locais dirigidos essencialmente para automobilistas, em S. João da Madeira o processo é irreversível.

 

 

 

(a publicar dia 03/09)

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