terça-feira, novembro 17, 2009

Paisagens desobedientes

            Acontece-me por vezes ter que explicar a quem não tem a vida centrada em S. João da Madeira e, portanto, não é leitor do labor, sobre quais os assuntos que elejo para publicar em texto. Começo a resposta invocando a memória colectiva, as experiências pessoais, os “micro” contos e obtenho uma reacção de interesse. Quando avanço um pouco mais na explicação, acrescentando o quotidiano, mais a análise da actividade política local, o desinteresse instala-se e invariavelmente a conversa muda de assunto.

            Não sei se acontece o mesmo com os leitores do labor, isto é, se a indiferença varia conforme o assunto do texto. Sendo impossível criar consensos, mesmo nestas páginas, limito-me a exercitar a escrita - se disciplinarmente - em ritmo semanal.

            Como é fácil constatar, colo-me ao calendário de eventos nas oportunidades devidas ou necessárias. Para as outras semanas, adopto a técnica da incerteza, pretendendo criar algum efeito de surpresa sobre o leitor no desenrolar de cada texto. Dentro deste princípio de tema aleatório, no exagero não escrevo nada, procurando aumentar as perplexidades para futuras edições.

            Vai longa a introdução e urge centrar-me no assunto a partilhar com os leitores na edição desta semana do labor.

            Por estes dias de chuva intensa, sentindo-se humidade até à medula, aproveitar as tréguas da chuva, contemplando a transformação dos elementos da natureza que nos rodeiam, para quem gosta de momentos calmos, pode trazer momentos únicos.

            Na cidade, nas cidades, os apreciadores de botânica procuram os seus parques e jardins, para examinar o comportamento de espécies e descobrir dados novos. Os leigos deliciam-se com as folhas em tons avermelhados, ou castanhos, resistentes nas árvores. Apreciam avenidas e praças entrincheiradas com essas cores. Em parques ou jardins, as alamedas enchem-se de folhas. As ainda esticadas, caídas sobre o verde de um relvado, provocam sorrisos. Por cima, árvores despidas contrastam com outras de folhas mais resistentes, apesar de a sua perenidade não lhes permitir ser indiferentes ao vento e à forte chuva. Voltando ao chão, nem só folhas causam surpresa. Pesquisando um pouco, conseguem-se encontrar cogumelos, com cores e aquelas formas desajeitadas.

            Apesar dos quinze dias de chuva, o excesso de água, incomodando e provocando estragos, ainda não foi suficiente para transbordar os rios. Margens rurais tomadas pelas águas, com troncos emergindo sem terra à volta, tudo envolvido pelo ruído do forte caudal, são imagens e sons que recordo das cheias de alguns rios, mencionados na geografia de Portugal. Longe do perigo, quem já teve a oportunidade de observar, a partir do castelo de Montemor-o-velho, o rio Mondego depois de galgar margens, campos e alagar tudo o que estava ao seu alcance, percebe a imagem. Paisagem que não se repete todos os anos, devido à desobediência da estação outonal.

            Mais frequente é o mau tempo no mar. O retrato da nossa costa, com mais ou menos paredão pelo meio, é ondas ou vagas de dimensão e frequência elevada, sob um céu cinzento. Pela tarde, nas horas de tréguas da chuva, uma aberta e o céu fica em tons alaranjados, reflectindo essa cor para as águas cinzentas do mar. Fotografia comum captada pela estabilidade de várias lentes, à qual eu regresso, sistematicamente, para a observação natural, sentindo o encanto da força da natureza.

            Água, chuva, água, é o que se retém destes dias. Não adianta descrever outras paisagens Outonais, que o pensamento tende para o excesso de chuva. Quando a meteorologia o permitir alargarei horizontes, procurando captar outras rebeldias. 

 

(a publicar dia 19/11/09)

Sem comentários: