quarta-feira, janeiro 26, 2011

Nome de Guerra

            Tenho o democrático hábito de votar. Em mais de duas dezenas de anos, nunca faltei a nenhuma eleição, fossem referendos, eleições europeias, locais, legislativas ou presidenciais. Enquanto vivi em SJM, desloquei-me sempre a pé até às mesas de voto. Passeio ligeiro e curto, primeiro da Praça aos Condes, depois na mesma rua até ao Fórum Municipal e passado uns anos, já casado, do Calvário até ao edifício do lugar do Pedaço. Entretanto, fui dormir para outro concelho e mantive o recenseamento por cá. Em dia de eleições, fazia a viagem de carro até ao Fórum Municipal e assim, exerci o meu direito de voto, durante os últimos seis anos.

            O cartão cidadão obrigou-me a regularizar a minha situação como eleitor. No domingo passado voltei a ter o prazer, de ir a pé até à mesa de voto. Mais económico, sem dúvida. Aproveitando o dia de céu limpo, pude exercitar os músculos das pernas durante quase uma hora. Cerca de vinte e cinco minutos para cada lado, numa caminhada contínua, em terreno quase plano e basicamente em linha recta. Pelo caminho, apreciei a paisagem: os verdes campos, o pequeno pinhal, no qual nidificam quatro corvos, que devido à proximidade à minha casa são vítimas da minha observação frequente; ouvi o latir dos cães; cruzei-me com pitorescas velhotas de bicicleta, algumas de buço grisalho; e depois do largo da Senhora do Desterro, senti o cheiro de assado, proveniente de várias casas que mantêm essa tradição de almoço de domingo.

            Junto à urna foi rápido, apesar de ter que solicitar o meu número de eleitor.

            O regresso a casa pela mesma estrada não trouxe nada de novo. Caminhava agora para sul, com o sol de frente e o vento frio pelas costas. Apesar de o corpo não ter arrefecido, o continuar do exercício, trouxe uma dor. Localizada no sartório, músculo situado na coxa, não foi isso que me impediu de manter o ritmo anterior, nem me fez parar. Ao colocar a chave na fechadura, percebi como tinha sido diferente o exercício do direito cívico. Tudo rápido e, sobretudo, sem qualquer contacto social.

            O dia de eleições sempre se caracterizou por o reencontro com conterrâneos, cujo quotidiano é diferente do meu. Afastado de alguns há vários anos, surpreendido por ver outros ainda a votar por SJM, no período após o acto eleitoral havia sempre a oportunidade de conversar com uns e com outros. De verificar de soslaio a movimentação dos agentes políticos e de trocar impressões com os mais solícitos.

            Naquele átrio, lá ia sendo cumprimentado pelos menos íntimos, com o tratamento de sempre, Guerra. O Guerra, durante vários anos, foi essa a minha designação. Tipo alcunha. Sem nome próprio, apenas apelido. Sendo impessoal e até militarizado, esta forma é preferível à justaposição com o destituído título académico, confundindo-me com os restantes elementos da família, que ainda moram na Rua da Liberdade.

            No domingo senti-me desapossado. Um número de eleitor, com um nome inscrito nos cadernos de voto, sem qualquer afecto pela freguesia. A modernização e a imposição da morada da caixa de correio, permitiram-me compreender aqueles que não votam. A verdadeira maioria.

 

(a publicar no dia 27/01/11)

 

quarta-feira, janeiro 19, 2011

Gralhas

            O meu texto publicado na semana passada no labor apareceu truncado. “Estranhos Casos” chamava-se e deve ter provocado ao leitor algum desconforto, ao verificar que o texto focava assuntos diversos, sem qualquer frase de ligação entre eles.

            Eu li o jornal pela edição on-line. Para mim, o texto estava tal e qual como eu o tinha idealizado e enviado para a redacção do jornal. Quando me disseram que o texto impresso não fazia sentido, por me abster de sequenciar os assuntos, tornando confuso ao leitor a apreciação do artigo, confundido fiquei. Acedi à edição disponível na internet e demonstrei ao meu interlocutor que cada assunto diferente era precedido de um número, totalizando 5, pois esses eram os casos que eu optei por referir.

            O lapso na edição impressa não me diz directamente respeito, apenas quero ressalvar a minha exposição dos vários temas, pois não pretendia deixar ninguém confuso. Para isso, já chegava o relatado.

            Até hoje, isto jamais me tinha acontecido. Já tive crónicas enviadas atempadamente, que não entraram na edição proposta e uma ou outra que foi publicada na edição on-line, não chegando a conhecer a impressão nessa mesma semana. Apesar disto tudo, o esforço pessoal - pela elaboração dos textos e colaboração no jornal - lá era reconhecido com a publicação na semana seguinte e outros artigos de opinião foram sempre surgindo.

            Erros acontecem.

            Eu próprio em tempos enviei textos com erros crassos e por isso me penalizei publicamente. O meu exercício de escrita surge a horas impróprias, tardias e por vezes com grande cansaço acumulado, que por si só, seria suficiente para desculpar os inadvertidos erros. Invariavelmente, atiro para as últimas horas, de preparação da edição, o envio do meu texto para publicação. Com o prazo apertado funciono melhor. Corro riscos de errar, sem ter tempo de emendar (ainda assim, por vezes, antes do fecho da edição, envio sms para a redacção, pedindo correcção em algum pormenor ou frase para evitar que o leitor receba textos com gralhas).

            Pelo historial relatado no parágrafo anterior, não deixo de ficar sujeito aos enganos dos outros. O que é lamentável. 

            Da minha parte, feito o reparo, justificada a estranheza do texto da semana passada, fica o conselho para os leitores não fazerem precipitados juízos de valor, quando não percebem o texto de alguém, que colabora com o jornal há mais de cinco anos.

            A seu tempo, tudo se esclarece.

 

(a publicar no dia 20/01/11)

segunda-feira, janeiro 10, 2011

Estranhos casos

1. Simplificar, visualizar e normalizar são ferramentas eficazes de gestão. A administração pública com o intuito da sua modernização, aplicou há alguns anos o programa simplex. Os resultados foram sendo conhecidos, pensando-se que a relação dos cidadãos com o Estado passaria, a partir da implementação do dito programa, a ser mais simples e infalível.

O processo de transformação das scut em auto-estradas pagas pelo utilizador veio evidenciar o contrário. Não me refiro apenas à intolerável ruptura nos identificadores de via verde, que confirmou a impreparação de todos os envolvidos para o novo sistema de cobrança, obrigando os novos aderentes a esperar pelos aparelhos e a pagar a respectiva taxa de regularização, de cada vez que passam por baixo de um pórtico. Rocambolesca foi a forma como o pedido de isenção – discriminação positiva - para essas portagens foi projectado. Quando me explicaram como o fazer, não me quis acreditar. Aceder ao site, preencher on-line o pedido, imprimir e de seguida, entregar o mesmo documento numa loja via verde, portanto, as etapas para se obter a isenção - significa uma duplicação de operações, o desaproveitar dos meios informáticos e um esforço suplementar para os contribuintes. Nem sei se já houve resposta aos pedidos. Independentemente disso, parece-me que o conceito do programa simplex foi esquecido. Ou o Estado não assimilou a modernização, ou então, o actual Governo não conseguiu passar o conceito ao operador privado.

A solução parece simples, sabendo-se quais os concelhos abrangidos pela isenção, basta cruzar a morada do cliente com essa informação, numa operação informática de fácil execução e consegue-se verificar se o pedido apresentado é válido.

É evidente que complicar é mais proveitoso para o Estado, no entanto, utilizar pequenos subterfúgios, para ter oportunidade de arrecadar um pouco mais de receita, assemelha-se a desonestidade.

2. O primeiro – ministro visitou uma empresa de S. João da Madeira. Em meias, descalçou a política económica defendida durante anos, recuperando um antigo estudo com mais de uma década. Potenciar as indústrias tradicionais era a recomendação, lembrou perante os mais de cem empregados de uma só indústria do calçado. Houve quem não gostasse da inversão no discurso do primeiro-ministro. Ser oposição, procurando fazer melhor do que um Governo que se esquece das boas práticas e muda de vontades, dá nisto.

3. Um grupo de empresários de origem chinesa fez um investimento em S. João da Madeira. Notícias não têm faltado sobre o Retail Park: anúncio de trespasse antes de abrir, arresto de bens devido a incumprimento de pagamento e por fim um incêndio foram sendo capa dos jornais locais. Pelo meio, foi instaurado um inquérito a funcionários municipais e um autarca não digeriu bem a presença do Governador Civil do distrito, na inauguração do referido espaço. É caso para questionarmos porquê a agitação política em torno deste investimento? A criação de quarenta postos de trabalho, equivalente a quase metade dos potencialmente criados no CET – Centro Empresarial e Tecnológico de S. João da Madeira - sem qualquer financiamento público, não devia preocupar tanto uma cidade de empreendedores. É certo que toda a publicidade negativa, devido a essas estranhas ocorrências, em nada abona sobre a viabilidade do investimento, contudo, a empresa ainda não decretou insolvência.

4. Eleições Presidenciais à porta. Recordo-me sempre das palavras do actual Presidente, quando criticava a má aplicação dos fundos estruturais europeus, citando como exemplo, obras desnecessárias promovidas por várias autarquias. O que dizer dos projectos semelhantes que as Câmaras Municipais de S. João da Madeira e Santa Maria da Feira estão a desenvolver, para captar indústrias criativas? Fica a informação, as obras no concelho vizinho já arrancaram.

5. Manoel de Oliveira lançou o seu enésimo filme, com o título semelhante a outro “hollywoodesco”. Estranha coincidência.

(a publicar no dia 13/01/11)