Tenho o democrático hábito de votar. Em mais de duas dezenas de anos, nunca faltei a nenhuma eleição, fossem referendos, eleições europeias, locais, legislativas ou presidenciais. Enquanto vivi em SJM, desloquei-me sempre a pé até às mesas de voto. Passeio ligeiro e curto, primeiro da Praça aos Condes, depois na mesma rua até ao Fórum Municipal e passado uns anos, já casado, do Calvário até ao edifício do lugar do Pedaço. Entretanto, fui dormir para outro concelho e mantive o recenseamento por cá. Em dia de eleições, fazia a viagem de carro até ao Fórum Municipal e assim, exerci o meu direito de voto, durante os últimos seis anos.
O cartão cidadão obrigou-me a regularizar a minha situação como eleitor. No domingo passado voltei a ter o prazer, de ir a pé até à mesa de voto. Mais económico, sem dúvida. Aproveitando o dia de céu limpo, pude exercitar os músculos das pernas durante quase uma hora. Cerca de vinte e cinco minutos para cada lado, numa caminhada contínua, em terreno quase plano e basicamente em linha recta. Pelo caminho, apreciei a paisagem: os verdes campos, o pequeno pinhal, no qual nidificam quatro corvos, que devido à proximidade à minha casa são vítimas da minha observação frequente; ouvi o latir dos cães; cruzei-me com pitorescas velhotas de bicicleta, algumas de buço grisalho; e depois do largo da Senhora do Desterro, senti o cheiro de assado, proveniente de várias casas que mantêm essa tradição de almoço de domingo.
Junto à urna foi rápido, apesar de ter que solicitar o meu número de eleitor.
O regresso a casa pela mesma estrada não trouxe nada de novo. Caminhava agora para sul, com o sol de frente e o vento frio pelas costas. Apesar de o corpo não ter arrefecido, o continuar do exercício, trouxe uma dor. Localizada no sartório, músculo situado na coxa, não foi isso que me impediu de manter o ritmo anterior, nem me fez parar. Ao colocar a chave na fechadura, percebi como tinha sido diferente o exercício do direito cívico. Tudo rápido e, sobretudo, sem qualquer contacto social.
O dia de eleições sempre se caracterizou por o reencontro com conterrâneos, cujo quotidiano é diferente do meu. Afastado de alguns há vários anos, surpreendido por ver outros ainda a votar por SJM, no período após o acto eleitoral havia sempre a oportunidade de conversar com uns e com outros. De verificar de soslaio a movimentação dos agentes políticos e de trocar impressões com os mais solícitos.
Naquele átrio, lá ia sendo cumprimentado pelos menos íntimos, com o tratamento de sempre, Guerra. O Guerra, durante vários anos, foi essa a minha designação. Tipo alcunha. Sem nome próprio, apenas apelido. Sendo impessoal e até militarizado, esta forma é preferível à justaposição com o destituído título académico, confundindo-me com os restantes elementos da família, que ainda moram na Rua da Liberdade.
No domingo senti-me desapossado. Um número de eleitor, com um nome inscrito nos cadernos de voto, sem qualquer afecto pela freguesia. A modernização e a imposição da morada da caixa de correio, permitiram-me compreender aqueles que não votam. A verdadeira maioria.
(a publicar no dia 27/01/11)