quarta-feira, novembro 16, 2011

Guarda-roupa

                Comecei por ler banda – desenhada na revista Tintim. Semanalmente, acompanhava as histórias publicadas, ao ritmo de duas páginas por edição e aguardava pacientemente pela semana seguinte. Com o desfecho de cada aventura, havia a incerteza de qual seria o herói a preencher aquelas páginas e a ocupar as horas de leitura. Este contacto intermitente, deu-me a conhecer a maioria dos autores e respectivos bonecos da banda-desenhada franco-belga.

                Os livros adquiridos, para a família, completavam a edição em revista. Às colecções por herói e muito posteriormente as de autor, só em adulto é que passei à aquisição. Vários são os títulos a preencher a estante, dedicada ao tema. Colecções completas, só as de Tintim, Corto Maltese e Calvin. A rendição ao miúdo das tiras dos jornais, não é o único sacrilégio cometido, contudo, não existe espaço em casa para "mangas" e "comics" (bandas desenhadas japonesas e norte-americanas, aqui mencionadas apenas para justificar o meu puritanismo em matéria de preferências).

                Na adaptação para animação das aventuras dos heróis europeus, o repórter belga ficou a ganhar. Fiel ao original, a emoção das vinhetas excedeu-se em acção, ritmo, suspense e claro, nos momentos de humor. A música da introdução e a apresentação do episódio em francês são marcas para os seguidores do Tintim.

                O filme de Steven Spielberg, num cinema perto de si, consegue criar um impacto positivo junto dos fãs do herói de BD. O juntar três livros – "O segredo do Licorne"; "O Tesouro de Rackham, o terrível"; "O caranguejo das tenazes de ouro" - numa só história está bem conseguido. A narrativa flui perfeitamente, apesar das três aventuras aparecerem baralhadas, sem respeitar a cronologia do autor, Hergé.

O argumento percorre em detalhe as páginas dos livros. O vilão do filme é o simples coleccionador de antiguidades, um personagem secundário. Os irmãos Pardal, os verdadeiros vilões no livro, aparecem retratados no início do filme, quando Tintim está a posar para um desenhador de rua. Outros pormenores, distinguidos por quem tem horas e horas de leitura da obra de Hergé, permitem apreciar a passagem subtil por outros dois álbuns. O jipe vermelho da perseguição nas ruas da cidade marroquina é o mesmo do livro "O País do Ouro Negro" e a corrida para chegar ao destino do navio "Karaboudjan" faz recordar o episódio de "A estrela Misteriosa". Existem ainda outras minúcias no argumento do filme: o nome da porteira – sinceramente não me recordava de alguma vez ter sido mencionado – e a opção de excluir o Professor Girassol, que em livro surgiu precisamente na procura do mencionado Tesouro.

                A técnica utilizada pelo realizador permitiu dotar os personagens com as suas melhores virtudes. Tintim apenas perde por não falar francês, conseguindo-se através da sua imagem cinematográfica ultrapassar aquele lado de escuteiro. A sua imaturidade, sempre apta para o desafio que a aventura lhe proporciona, está sempre presente em todo o filme.

                Onde se esperava um pouco mais do filme, era em matéria de guarda-roupa. A opção em dotar Tintim com a sua camisola azul-turquesa e a camisa branca por baixo, não é discutível. A gabardine de cor bege escuro, muito menos. Acontece que Hergé, sempre fez por variar a indumentária do seu personagem e nas histórias que o guião do filme segue, o pequeno repórter sempre apareceu com roupas diferentes. O minimalismo do filme, obriga Tintim em pleno deserto a carregar a sua camisola numa mão e praticamente a utilizar os mesmos sapatos em toda a aventura.

                Estas considerações não retiram qualquer mérito ao filme, antes pelo contrário. A sequela, obrigatória pelo final, permite que os aficionados calculem quais os livros a adaptar, os personagens a figurar, ficando-se a aguardar se Tintim continuará a manter junto de si, mesmos nas situações mais adversas, toda a sua roupa.

 

(a publicar dia 17/11/11)