quarta-feira, março 28, 2012

O chapéu de Tom Waits

                Um português apresentava-se frequentemente na fronteira, transportando-se numa bicicleta e levando consigo um saco vazio. O guarda espanhol pedia para abrir o saco. Umas horas depois o português regressava. Tudo igual, só que o saco apresentava-se cheio. O mesmo guarda pretendendo encontrar algum contrabando, exigia a abertura do saco. O português abria o saco e exibia o seu conteúdo:

- Terra.

O ritual repetiu-se dia após dia, até à reforma do guarda fronteiriço. Mais tarde encontraram-se por acaso e o ex-guarda pretendeu satisfazer um pouco mais a sua curiosidade, perguntando ao português o porquê de trazer terra de Espanha. O português respondeu-lhe que a terra era um disfarce, ele dedicava-se ao contrabando de bicicletas.

A anedota é comum em várias fronteiras. A versão portuguesa, se a memória não me falha, apareceu num filme narrada por Tom Waits. Espero mesmo não estar enganado… Não tive oportunidade de verificar, consultando um dos muitos apreciadores do músico norte- americano.

Tom Waits é conhecido pelo seu timbre de voz. Em público, surge frequentemente com o cabelo tapado. Os mais atentos associam o músico ao seu chapéu. O acessório que completa a sua imagem. “Porkpie hat” é o modelo. Produzido por cá. Ou não? Independentemente da proveniência do seu, Tom Waits é o artista mais reconhecido, que usa habitualmente chapéu. Não é um personagem em hora e meia de filme, é uma vida com chapéu. Quase quarenta anos de carreira e outros tantos com o seu “pork-pie” empoeirado e com a aba dobrada para cima, em todo o perímetro.

A ambição de chamar a S. João da Madeira turistas que aterram no aeroporto Sá Carneiro precisa de programas ainda mais atrativos.

Concertos com músicos internacionais, do calibre do atrás citado, seriam uma forma rápida de esgotar a lotação da Casa das Artes e Criatividade e uma oportunidade para divulgar as várias atividades, projetos e melhorias que o concelho tem vindo a desenvolver.  

É necessário captar vários públicos.

Ter programação que vá além da fórmula - ensaiada no concelho num passado recente - da associação de estudantes, caraterizada pela repetição exaustiva de ações desencadeadas em outras localidades, sem critério de qualidade, sem traço de criatividade e na maioria das vezes sem utilidade pública. 

O chapéu, um dos elementos diferenciadores da tradição industrial do concelho, deve ser o mote para essa mudança.

                Não se pense que é mais do mesmo, o lado pitoresco do chapéu deve ser explorado ao máximo e por aí conseguir-se a internacionalização do nome da cidade. 

 

(a publicar no dia 29/03/12)

 

quarta-feira, março 14, 2012

Visitas

Faz as tuas visitas – recomendava o reitor à mais velha das suas pupilas.

Em Mosteirô, no final da tarde de segunda-feira, recordei o quotidiano descrito por Júlio Dinis, no século XIX. A vida simples da ruralidade e os seus princípios, que se conservaram na sociedade portuguesa durante vários anos, dominaram o decorrer da eucaristia a que assisti.

Acompanhei a viagem da minha última professora da escola primária, à sua derradeira morada.

A Dª. Carolina era um símbolo do Jardim do Sol. A recordação coletiva, dos muitos que ali estudaram. Por ela passavam os alunos na 4ª classe. A todos preparava com rigor, para os anos seguintes de ensino.

Não tenho um episódio, aquele episódio apropriado para estes momentos, para relatar. Lembro-me da sua opção em me trocar constantemente de colega de carteira. Não por mau comportamento, apenas por estratégia sua. Colocava ao meu lado os alunos que tinham mais dificuldades. Quando o rendimento do meu colega melhorava e assim estabilizava, eu passava a ter um novo colega de carteira. Com esta hábil medida, a Dª. Carolina condicionou a minha forma de estar, acutilando em mim atitudes solidárias e sobretudo, o espírito de interajuda, princípio basilar do trabalho em equipa.

A última vez que vi a D.ª Carolina na rua, fiquei retido por um político e não consegui alcançá-la. Só de pensar, mordo-me todo. Uma tentativa de influenciar o meu voto, não me permitiu falar com a minha professora. Quando finalmente me libertei do assédio, a senhora não estava no meu raio de visão.

Faz as tuas visitas – lembrava-me a minha mãe.

Durante uns anos ainda fiz. Depois afastei-me. Dos hábitos e mais tarde, das ruas da minha infância. As visitas por cá escasseiam. Encontros e apenas acidentais.

Fiquei-me pelas intenções.

Perdi oportunidades. A última esta semana.

Faz as tuas visitas – recomendava o reitor.

Desnecessário conselho.

Margarida não dava essa preocupação. Visitava os necessitados e enfermos, fazendo as suas obras de misericórdia sem ninguém lhe pedir.

A sua bondade foi premiada com um final feliz.

A epígrafe no entardecer de segunda-feira.

 

(a publicar no dia 15/03/2012)

segunda-feira, março 05, 2012

Ideias úteis

A Praça Luís Ribeiro tem sido tema recorrente dos colunistas da imprensa local. Sempre no mesmo tom. Saudosismo para uns e para outros, atribuição de erros.

Sucedem-se os escritos, permanecem os problemas.

Nos meus últimos textos publicados no labor incidi sobre a Praça. No da semana passada, evidenciei alguns erros da gestão municipal e no anterior demostrara o lado positivo do centro, utilizando para o efeito, o título de uma música dos B-52’s (Funplex), som que me recorda bons momentos vividos ali na Praça, no final da década de 80.

Lentamente, começa-se a apresentar a ideia que a praça só volta a ser o que era com mais obras. Solução incipiente que visa terminar com a zona pedonal, trazendo o trânsito automóvel e muito estacionamento para o centro e pouco mais.

Mais obras?

Mais transtorno para quem ali vive. Com pó no ar nos dias secos, lama nos dias de chuva, barulho e movimentação de máquinas. Mais os taipais, para afugentar de vez os clientes do comércio resistente.

Resultará?

Não creio.

A intervenção da autarquia na Praça, só se justifica para minimizar os erros do passado recente. No entanto, a edilidade deve exercer algumas ações.

O movimento centrífugo da cidade idealizado nos últimos anos, retirou à Praça a sua importância como zona habitacional, comercial e de serviços. Nem concertos são para ali programados.

O problema do centro consiste na redução do número de habitantes.

A recuperação de edifícios degradados não foi promovida – optou-se pela sua demolição - e a construção de novas habitações há muito que não é projetada, nem os tempos são para isso.      

A fixação de população jovem na cidade pode ser conseguida pela promoção de arrendamento com preços adequados a jovens. Casais ou não. Ao olhar para o edifício que domina o centro, ao olhar em redor para a quantidade de habitações devolutas, ao olhar para antigos escritórios vazios, apetece sugerir isso mesmo. Acrescente-se as dificuldades dos jovens em conseguir crédito bancário e pode-se seduzir os proprietários de todas essas potenciais habitações a alinharem num “povoamento” da zona central.

Outra forma de trazer pessoas à Praça, é transferir serviços que se destinem ao grande público. O atendimento aos clientes da empresa Águas de S. João devia estar no denominado “pirilau”. Nos tempos modernos os pagamentos são efetuados por débitos diretos, ou por pagamento por multibanco. Só que existe sempre aquela pessoa que se atrasa, que tem uma reclamação a fazer. Obrigá-la a ir à Praça, no horário de expediente, anima o centro e alegra os comerciantes.

Outros serviços municipais deslocarem-se para a Praça não fará sentido.

Existem delegações de Ministérios em espaços alugados e espalhados pela cidade. Conseguir a sua transferência para a Praça seria o ideal. Não haverá muitos espaços municipais para alberga-las, no entanto, se as novas rendas forem vantajosas para o erário público é um ganho ótimo, em tempo de crise e de austeridade.

Estas medidas serão úteis para o movimento durante a semana. Enquanto o Centro Artes Espetáculo e Criatividade (leia-se antigo Imperador) não abre ao público, os fins de semana na Praça terão que receber alguma iniciativa. Festival da juventude, por exemplo. Cidade no jardim. Leram bem. A iniciativa “Cidade no Jardim” é perfeitamente realizável na Praça e ruas adjacentes. Com palco instalado e tudo o resto. E criando-se de novo esta dinâmica à volta do centro, será possível noutros dias de descanso, realizar concertos de fim de tarde, de princípio de noite. Ao ar livre e com bom gosto, trazendo público para a Praça e de futuro para a sala de espetáculo.

Ideias úteis e gratuitas. Sem investimento municipal. Com baixo custo de execução e grande probabilidade de sucesso.

Ideias partilhadas para serem encontradas soluções para a Praça. Para o seu futuro não ser um tormento.

 

(a publicar dia 08/03/12)