quarta-feira, março 14, 2012

Visitas

Faz as tuas visitas – recomendava o reitor à mais velha das suas pupilas.

Em Mosteirô, no final da tarde de segunda-feira, recordei o quotidiano descrito por Júlio Dinis, no século XIX. A vida simples da ruralidade e os seus princípios, que se conservaram na sociedade portuguesa durante vários anos, dominaram o decorrer da eucaristia a que assisti.

Acompanhei a viagem da minha última professora da escola primária, à sua derradeira morada.

A Dª. Carolina era um símbolo do Jardim do Sol. A recordação coletiva, dos muitos que ali estudaram. Por ela passavam os alunos na 4ª classe. A todos preparava com rigor, para os anos seguintes de ensino.

Não tenho um episódio, aquele episódio apropriado para estes momentos, para relatar. Lembro-me da sua opção em me trocar constantemente de colega de carteira. Não por mau comportamento, apenas por estratégia sua. Colocava ao meu lado os alunos que tinham mais dificuldades. Quando o rendimento do meu colega melhorava e assim estabilizava, eu passava a ter um novo colega de carteira. Com esta hábil medida, a Dª. Carolina condicionou a minha forma de estar, acutilando em mim atitudes solidárias e sobretudo, o espírito de interajuda, princípio basilar do trabalho em equipa.

A última vez que vi a D.ª Carolina na rua, fiquei retido por um político e não consegui alcançá-la. Só de pensar, mordo-me todo. Uma tentativa de influenciar o meu voto, não me permitiu falar com a minha professora. Quando finalmente me libertei do assédio, a senhora não estava no meu raio de visão.

Faz as tuas visitas – lembrava-me a minha mãe.

Durante uns anos ainda fiz. Depois afastei-me. Dos hábitos e mais tarde, das ruas da minha infância. As visitas por cá escasseiam. Encontros e apenas acidentais.

Fiquei-me pelas intenções.

Perdi oportunidades. A última esta semana.

Faz as tuas visitas – recomendava o reitor.

Desnecessário conselho.

Margarida não dava essa preocupação. Visitava os necessitados e enfermos, fazendo as suas obras de misericórdia sem ninguém lhe pedir.

A sua bondade foi premiada com um final feliz.

A epígrafe no entardecer de segunda-feira.

 

(a publicar no dia 15/03/2012)