Cebaldo Smith esteve na génese da secção de xadrez da Associação Estamos Juntos. Corria o ano de 1990 e eu caloiro na Universidade do Porto, não pude dar o meu contributo no Campo de Férias de Julho. Quase no final do mês, fui informado que haveria uma simultânea de xadrez conduzida por um cidadão oriundo do Panamá. Prontifiquei-me a estar presente, repetindo a experiência, já que na década anterior, na Escola Primária do Parque, Flávio Pinho, jogador de xadrez de S. João da Madeira tinha efetuado a primeira simultânea em Campos de Férias da AEJ. A participação de Cebaldo não se limitou apenas ao jogo contra vários adversários em simultâneo, foi transmitindo conhecimentos teóricos e fomentou a prática, ao longo das primeiras semanas do mês. Como era costume nos Campos de Férias, promoveu-se um torneio de xadrez, cuja final decorreu na piscina interior, ao mesmo tempo que decorriam as provas de Natação.
Ao verificar toda esta atividade em torno do xadrez, idealizei criar uma secção na AEJ. Não havia nenhum clube a praticá-lo em S. João da Madeira, desde a década anterior, condição importante para evitar concorrência na mesma localidade. Havia um potencial desse Campo de Férias que era importante agarrar, só que não se sabia qual seria a aceitação da cidade a uma nova modalidade desportiva. O primeiro passo foi realizar um torneio de xadrez, no Clube Labor Sanjoanense. Divulgação feita através dos jornais locais. Surgiram rapidamente inscrições e pessoas interessadas em praticar xadrez a nível federado.
Escusado será dizer, que nos anos seguintes convivi de perto com Cebaldo Smith. Torneios, Campeonatos, viagens para uns e para outros, mais todo o apoio que ele me deu a nível de secretariado e não só. Um dia a caminho de Vila Nova de Foz Côa, ainda sem gravuras rupestres sinalizadas, parámos para beber café. Por essa época, a atividade xadrezista desenvolvia-se com muita frequência no interior do País. Os torneios começavam às 10 horas da manhã e tínhamos que viajar pelo IP5, conhecida como a estrada da morte, tal era o número de acidentes com vítimas mortais que ocorriam naquele traçado. Para chegar a tempo aos torneios, saía-se de madrugada e com todos os estabelecimentos comerciais fechados, era portanto, normal fazer-se uma paragem para beber um café, quando o dia clareava. Nessa manhã, servidos os cafés, eu como habitualmente abri o pacote de açúcar e virei-o todo para dentro da chávena. Cebaldo bebeu o seu e perguntou-me se eu gostava de doce de café. Só então reparei que bebia o café sem açúcar. Explicou-me o prazer de sentir o gosto amargo do café e das vantagens em reduzir o açúcar no sangue. A partir desse dia comecei lentamente a reduzir a doçura do café. Primeiro para três quartos do pacote e depois para metade. Lembro-me de comentar o meu feito com uma colega da Faculdade, que transmitiu-me outra perspetiva vantajosa em reduzir o açúcar, o controlo do peso.
Muitos anos mais tarde, com as máquinas expresso caseiras, passei a beber o café sem açúcar. Fora de casa, faço o mesmo para algumas marcas e descobri que noutras, só com alguns lotes é que é possível não acrescentar o conteúdo do pacote, que vem sempre pousado no pires. Nos casos extremos de sabor amargo, junto apenas um quarto do pacote. Esta minha experiência poderia ser útil para a Direção Geral de Saúde, que espera reduzir o consumo de açúcar, através de saquetas com metade da capacidade das atuais. Um bom café, bem tirado, com a espuma na dose certa, não necessita de açúcar. Ainda existe outra vantagem, a educação do paladar ao sabor natural. Chás e outras infusões, por exemplo, também passei à mesma prática de redução da sacarose, estando quase no limite zero.
Voltemos a Cebaldo Smith… Muitos leitores devem recordar-se dos seus textos, publicados nas páginas do jornal labor. Na década de 90, ou seja, no final do século passado, Cebaldo partilhou a perspetiva indígena, escrevendo sobre a chegada ao continente americano de Cristóvão Colombo, entre outros temas relacionados com as tribos Índias da América Central. Neste particular, lembro-me de dois textos seus: um sobre como o casamento estava a prejudicar os costumes indígenas, pois se os membros do casal provinham de diferentes idiomas nativos, a opção para a educação dos filhos recaía na língua oficial do país, o castelhano, em detrimento de qualquer um dos idiomas envolvidos; o outro texto partia da sonoridade das línguas nativas e como juntando “neg” - traduzido por lar - e “ócio” – por sua vez traduzido por amor, obtinha-se para o casamento precisamente a palavra negócio. Embaraços da antropologia.
Cebaldo de Léon Smith sobe ao palco amanhã nos Paços da Cultura. É ele o orador convidado para o “Palcos e Cenas”, iniciativa englobada na X Edição do Festival de Teatro de S. João da Madeira. Pelo cosmopolitismo introduzido na cidade há 25 anos, não tenho dúvidas de ser a escolha certa.
(a publicar no dia 25/02/16)