No pretérito mês, enquanto decorriam as campanhas eleitorais, dediquei-me à leitura do livro “O Independente – A máquina de triturar políticos”.
Oportunidade para revisitar a política contemporânea, em especial, a segunda metade dos anos oitenta e a primeira metade da década seguinte, do pretérito século, assinalados pelas maiorias conquistadas nas urnas pelo PSD, sendo o mérito do Professor Cavaco Silva, como ficou registado na História.
Para recordar, o jornal “O Independente” surgiu em 1988, tendo como intenção “ressuscitar” a direita conservadora e liberal. Liderado por Miguel Esteves Cardoso, por sua vez secundado por Paulo Portas e Manuel Falcão, “O Independente” marcou uma geração, que passou a seguir semanalmente os escândalos da política nacional e sobretudo, a ter uma noção do que era o Estado e como a “coisa” era administrada.
Ao longo do primeiro capítulo, os autores, dois antigos jornalistas desse jornal, Filipe Santos Costa e Liliana Valente, percorrem as vicissitudes dos Governos do PSD, enquadrando os temas nas vontades do jornal. Os massacres a Cavaco Silva, a Miguel Cadilhe, a Leonor Beleza, a Fernando Nogueira, a João de Deus Pinheiro, além de Duarte Lima, de Dias Loureiro e de Braga de Macedo, são enquadrados pela vontade do jornal em modificar o paradigma da direita portuguesa. O mote era atacar a social-democracia, o centro direita defendido por Cavaco Silva, contrapondo com uma ideia mais liberal, mais direita e menos centro. Poucos dirigentes socais democratas escaparam às manchetes corrosivas do Independente.
A segunda maioria obtida por Cavaco Silva, em 1991, modificou o jornal, que a partir dessa data, como demonstram os autores do livro ao longo do segundo capítulo, passa a suportar um novo projeto político da direita portuguesa, o CDS – PP. Os protagonistas do PSD são os mesmos, o ataque mantém-se cerrado e estende-se à Presidência da República de então, através dos casos de Macau. Paulo Portas assume a direção do jornal e Miguel Esteves Cardoso passa a diretor adjunto, acumulando o cargo com a direção da revista K, um dos projetos editorais mais engraçados daquela época e provavelmente um dos melhores de sempre da imprensa portuguesa.
A mudança editorial do Independente fez-se na promoção de Manuel Monteiro a líder do CDS. Os autores recolheram testemunhos que indicam que o CDS fazia conferências à quinta-feira e o jornal desenvolvia os mesmos assuntos à sexta-feira. O mal-estar vivido pela redação, era apaziguado por Paulo Portas, até que este começou a preparar o seu ingresso na política ativa, deixando o jornal entregue a uma terceira pessoa.
O resto da história é conhecido. Havendo sempre alusões a isso mesmo ao longo do livro. Em 1995, Paulo Portas é candidato pelo CDS – PP pelo distrito de Aveiro. Em 1997, lançou-se na corrida autárquica de Oliveira de Azeméis e em 1998 chega à liderança do partido. Nesse posto, apanha primeiro com as suspeitas do caso Moderna, depois ficou com o orçamento limiano. Aguentou tudo e nas eleições legislativas, de 2002, consegue ser o suporte de uma maioria de direita. Ainda viu o PSD mudar de líder. Fez má cara na tomada de posse de Pedro Santana Lopes e quando perdeu as legislativas, em 2005, saiu de cena, recolhendo-se com várias suspeitas na compra dos submarinos. Nada foi provado e em 2011, nova maioria da direita suportada pelo CDS-PP e de novo Paulo Portas é indigitado ministro. Em meados de 2013, ficou conhecido o episódio irrevogável e chegamos aos dias de hoje.
O livro “O independente – a máquina de triturar políticos” é uma boa compilação de uma época da história do jornalismo português e das suas ligações com a política. Ajuda a perceber como se chegou ao atual estado da direita portuguesa e daí, é possível, extrapolar para a totalidade do espectro. Existe outro aspeto curioso da leitura do livro, a demonstração de como o jornalismo pode ser o quarto poder e, neste caso concreto, como esse poder pode ser usado para influenciar uma determinada facção da sociedade civil, ou mesmo partidária.
Quando saiu a primeira edição do livro, em Novembro de 2015, Paulo Portas ainda não tinha anunciado a saída da política. Pelo demonstrado no livro, pelos anos de jornalista e mais tarde, como governante, parece ser mais uma decisão revogável. Pela biografia do visado, são 40 anos à volta da política e não se fecha um capítulo sem acabar a totalidade da obra. O facto de ter subtilmente conduzido, nestes últimos quatro anos, o PSD para a direita, tal como pretendia como candidato não aceite à liderança da estrutura jovem do partido, em 1979, e como vice-diretor do jornal da JSD, que tinha um sugestivo título “Pelo Socialismo”, provam a sua mais que reconhecida habilidade política.
Ao encerrarmos o livro, ficamos com a ideia de que esta história não acabou, que haverá outras vontades ainda não assumidas, que poderão passar por liderar um mega partido de direita liberal (uma espécie de fusão dos dois partidos da PàF), ou por tornar-se comentador de fim-de-semana de um canal televisivo, sem direito a contraditório, durante a próxima década, ou mesmo resguardar-se durante esse período, para finalmente se apresentar em 2026 como candidato a Presidente da República.
Suposições pessoais que terão confirmação nos próximos anos. Ou não…
(a publicar no dia 11/02/16)