quarta-feira, junho 01, 2016

Epopeia Industrial

               O livro “Manoel Vieira Araújo, a sua vida, a sua obra, a sua terra” não me deixou indiferente.

                Ao receber um exemplar, enviado pelo autor José António Araújo Pais Vieira, depois de ter lido as reportagens sobre o seu lançamento na imprensa local, saciei a minha curiosidade percorrendo, naquele modo idêntico ao de folhear, a totalidade do livro. Retive-me nas primeiras páginas, avancei observando as fotografias e respetivas legendas e fui lendo um ou outro excerto, para entender melhor o enquadramento de algum dos tópicos.

                Fiquei com vontade de ler o livro, para conhecer melhor o biografado, a sua família, a sua faceta industrial e mesmo o seu envolvimento comunitário.

                São precisamente sobre estas três perspetivas em que me irei debruçar.

                Conheço desde tenra idade alguns dos descendentes de Manoel Vieira Araújo. Netos e bisnetos, estes mais próximos da minha idade e portanto, da minha geração. Lidei de perto com alguns deles e ao ver as fotografias do livro, reconheci em algumas dessas imagens sorrisos, posições corporais, tipo e corte de cabelo, ou seja, os trejeitos familiares, que perduraram por gerações. Tendo a possibilidade de ainda contactar com trinetos, jovens estudantes em Santa Maria da Feira, identifico-lhes essas mesmas características físicas, o que é uma inconveniência de relatar, pondo-me em xeque perante todas as senhoras das sucessivas gerações.

                No livro, o autor define o comportamento dos filhos de Manoel Vieira Araújo, seus tios e tias portanto, sendo um mais recatado, tímido é a palavra utilizada. Isto ajudou-me a perceber o acanhamento de alguns dos seus descendentes e o contraste que a extroversão que a outros caracterizada e pelo que li, ao biografado também.   

                Neste capítulo, o livro foi importante para conhecer melhor esta família sanjoanense: o patriarca Manoel Vieira Araújo, os seus seis filhos, quinze netos, havendo ainda referência a dois bisnetos. Teria sido um bom complemento ao trabalho do autor, a elaboração de uma árvore genealógica, com a ascendência do casal e com todos os seus descendentes, acrescentando-se os demais bisnetos e trinetos, se for esta a última geração.

               A faceta industrial de Vieira Araújo é sem desassombro a sua grande obra. De moço, aprendiz de ofício a pequeno industrial de chapelaria, é uma história comum em S. João da Madeira. A esta, devemos acrescentar a diversificação de investimentos: o calçado, a camisaria - que podiam entroncar numa perspetiva de aproveitamento da rede de distribuição comercial - e os lápis. Algo simples, esta apresentação, se não referirmos a marca dos lápis, Viarco, que perdura nos dias de hoje como referência nacional. A toda esta capacidade de empreendedor, Vieira Araújo teve visão suficiente para perceber o futuro da indústria de chapelaria. Primeiro como exportador, em anos de guerra na Europa. Depois como concentrador de recursos, apesar de não ter sido ouvido pelos responsáveis dos Ministérios tutelares, no entanto, ainda liderou, em 1969, o nascimento da FEPSA, cuja singular existência no nosso país, nos dias de hoje, provam que Manoel Vieira Araújo esteve muitos anos à frente do seu tempo. O episódio relatado por José António Pais Vieira, sobre o vencimento pago a um trabalhador incapacitado durante dezenas de anos, justificam a admiração pela grandeza da sua obra e também pela forma como reconhecia, nas dificuldades dos outros, as suas origens.

A capacidade de envolvimento de Manoel Vieira Araújo na comunidade, retratada no livro pelo autor, surpreende. O complemento à jornada de trabalho, com a promoção de teatro na ainda aldeia de S. João da Madeira; a presença assídua e descomprometida na primeira comunhão dos seus conterrâneos; as ligações, amizade e o respeito mútuo com João da Silva Correia e Durbalino Laranjeira, nomes referenciados da história local, associado à participação ativa na vida política, primeiro como liberal até ao golpe militar de 28 de Maio e depois como político do regime, incluindo a sua nomeação para Presidente da Câmara, fazem do biografado um dos grandes sanjoanenses.

Apesar das divergências com o vizinho, António Henriques, bastante mencionadas na biografia publicada, Manoel Vieira Araújo soube ultrapassá-las, homenageando o seu conterrâneo na toponímia da localidade e finalizou a reconciliação erguendo-lhe um busto em espaço público.

É aqui que se verifica a importância do minucioso trabalho de José António Araújo Pais Vieira. A recordação do seu avô, da sua vida, da sua obra, do seu contributo para o crescimento da sua terra e no final, fica a sensação que a homenagem de S. João da Madeira a este grande homem, ainda não foi feita.  

 

(a publicar no dia 02/06/16)