quarta-feira, junho 08, 2016

O Efeito da Rua das Flores

                No virar do século, após a EXPO 98 e o Porto Capital da Cultura 2001, surgiram pelo país, os programas Polis, tendo em vista a reabilitação de algumas cidades do país, mormente zonas ribeirinhas e frentes marítimas.

                Por essa época, a arquitetura andava fascinada com o efeito Guggenheim exercido sobre a cidade de Bilbau, no país basco, na vizinha Espanha.

                Neste contexto temporal, não podendo os concelhos candidatar-se aos fundos do programa Polis, foi perfeitamente natural, pensar-se em obras emblemáticas e muitos autarcas passaram a conceber reabilitações para instalações de Museus de Arte Moderna, ou em alternativa, a sua construção de raiz, tudo com projetos assinados por Arquitetos de renome internacional.

                O emblemático Museu de Bilbau provoca uma ofuscação no resto da paisagem. Nas margens do rio, todos os olhares se centram naquele edifício. Ninguém repara na linha de comboio na margem oposta, nem nos prédios em volta do Museu, nem nos contentores a ser movimentados para cargueiros, parados nas suas aproximações. O efeito do edifício é mesmo reabilitador. Eu próprio estive duas vezes no mesmo ano na cidade e só no terceiro dia é que me interessei por mais algum edifício, praça ou mesmo rua.

Expondo isto, percebe-se que enquanto autarca de Lisboa, Pedro Santana Lopes tenha convidado Frank Gehry, autor do projeto de Bilbau, para conceber um edifício para a capital. Não se pense que foi caso único, várias cidades na Europa e mesmo nos vários Estados do continente Norte-Americano, trataram de copiar a ideia da cidade Espanhola.

Em 2001, na preparação da campanha eleitoral, para as eleições autárquicas, Josias Gil exprimiu a sua vontade em prometer a construção de um espaço cultural em S. João da Madeira. Nessa sala onde se debatia as futuras promessas, além do autor destas linhas, estava José Lima, colecionador de arte. Entusiasmado com a vontade do político, José Lima, divulgou em primeira mão, a possibilidade de fazer uma parceria com a Câmara Municipal de S. João da Madeira, colocando o seu espólio à disposição da cidade para futuras exposições.

Nascia ali o futuro Núcleo de Arte de S. João da Madeira. Os passos seguintes são conhecidos. Enquanto vereador minoritário, Josias Gil conseguiu convencer os restantes elementos do executivo municipal das vantagens da reabilitação da Oliva e Castro Almeida liderou o processo de reconstrução e dotação do espaço como sala de exposições.

Criou-se uma simbiose entre o casal colecionador e a autarquia. Não sendo caso único em Portugal, já que Elvas criou o seu Museu de Arte Moderna, com a coleção de António Cachola. Citado apenas como exemplo, não pretendendo fazer qualquer comparação de qualquer espécie.

Não querendo alimentar polémicas, nem entrar nelas, não tecerei aqui qualquer consideração sobre arte moderna, nem sobre a sua notoriedade, nem visibilidade em regiões periféricas. Tudo leva o seu tempo e faz-se o caminho, corrigindo-se o que está menos bem, ou mesmo, mal. Só assim, poderá ser consolidada a coleção Norlinda e José Lima, como um importante fator diferenciador do município, sendo uma mais-valia para a futura regeneração a que o centro da cidade vai ser sujeito.

E aqui chegamos ao título do texto. No tempo atual o desenvolvimento turístico da cidade do Porto tem sido amplamente debatido. A revitalização de algumas zonas da baixa da cidade tem permitido um movimento económico alavancado, concretizando-se na abertura de novos e diversificados estabelecimentos comerciais, completando-se na reabilitação de vários edifícios. A Rua das Flores é um exemplo desse paradigma. A tudo isto, acrescente-se a arte urbana, visível na intervenção nas várias caixas de eletricidade, nas quais ficaram estampadas as frases típicas da cidade. Outros exemplos de arte urbana estão espalhados na mesma cidade. São famosos os murais do quarteirão da Rua Miguel Bombarda.

Se tomarmos o Porto como referência para a regeneração do centro da cidade, é importante enquadrar a arte urbana neste contexto. Não podemos esquecer o que já existe: a intervenção do artista Vhils nas paredes da fundição Oliva, em frente à entrada da Oliva Creative Factory; alguns murais na zona da praça Luís Ribeiro e mesmo uma caixa elétrica no acesso da Rua da Liberdade à Praceta Júlio Dinis, em que os avisos sobre os perigos do tabaco, ficaram retratados por um “Pensar Mata”, enquadrados pelas cores de uma conhecida marca de cigarros.

Como se pode constatar existe algo mais de arte urbana, em S. João da Madeira, do que uns sempre criticados graffitis, sobretudo, quando são executados por atos de pouca clareza artística, resumindo-se muitas vezes a atitudes de baixo esclarecimento público.

Apesar disso, considero que a manifestação pela arte, em contexto urbano, deve ser contemplada em qualquer intervenção de regeneração dos degradados centros urbanos e só assim se consegue evitar a praga das pinturas por spray.

 

(a publicar no dia 9/6/16)