quarta-feira, julho 20, 2016

Do léxico da política

                Ao escrever o comentário político, dou por mim a utilizar várias vezes as palavras regeneração, requalificação, reabilitação e também, revitalização.

                Pensei tratar-se de alguma deformação pessoal, aplicada à escrita. Passei a estar mais atento aos textos dos outros. Verifiquei que ao ler a imprensa local, vejo várias vezes os agentes da política a pronunciarem aquelas palavras. O mesmo acontecendo com outros articulistas. Nas peças de jornalistas é também frequente a referência aos vocábulos.

Mesmo nas notícias da imprensa nacional sobre as mais variadas autarquias é usual aparecem aquelas quatro palavras, que pressupõem ação.

Ainda julguei tratar-se de um fenómeno da política local, no entanto, com maior atenção, verifiquei que a generalidade dos políticos utiliza verbos começados por “re”. Exemplo, o termo mais usado em 2016, na política nacional, tem sido “reverter”. Outro exemplo, a constante alusão à necessidade de “reformar” o Estado. Além destes exemplos mais comuns, utiliza-se circunstanciado os verbos repensar e recriar. Em matéria ambiental são usualmente referidos ações para reduzir, reutilizar e reciclar.

Existe, portanto, na generalidade da política nacional a propensão para a utilização de verbos com prefixo “re”. Há um léxico político, com o tal prefixo de origem latina. Ora, investigando o seu significado, chega-se ao seguinte resultado: “para trás”, ou seja, repetição. Esta evidência provaria que a linguagem política é tudo menos progressista, ou seja, está imbuída de uma tendência para a regressão.

Neste sentido ao analisar-se o vocábulo “revolução”, cuja origem está relacionada com a Astronomia, ou seja, com o tempo que um astro demora a percorrer a sua órbita, voltando, portanto, ao ponto de origem, verifica-se que o seu uso em ciências como a Geometria e a Física é semelhante, no entanto, em matéria política e social, tudo se altera. Neste último contexto, a revolução pressupõe uma mudança radical dentro de uma sociedade e em termos políticos é uma alteração violenta das instituições de um país.

A evolução do termo revolução, ou os seus diferentes significados, poderia traduzir-se em igual desenvolvimento nos usuais vocábulos da política. O prefixo latino “re” serviria como indutor de mudança. Não bastando qualificar, nem habilitar, nem vitalizar uma área, uma praça, uma rua. Ao introduzir-se o prefixo, está a transmitir-se a ideia de que algo de novo vai surgir, que tudo vai começar do zero – o tal inicio da órbita.

Em contrapartida, analise-se outro termo de origem latina: redundância. Repetições de ondas, no original. Nos dias de hoje pode ter vários significados: pleonasmo; repetição inútil, repetição desnecessária de termos para expressar a mesma ideia; vício de linguagem que consiste em dizer, por formas diversas, sempre a mesma coisa; insistência desnecessária nas mesmas ideias.

Neste sentido, muitas vezes uma reconstrução ou restauro, seja de um espaço ou de um edifício público não se traduz em mais do que isso. Admitir tal pressuposto é redutor, daí que qualquer anúncio de projeto de intervenção política, implica sempre a utilização de uma das quatro palavras mencionadas no primeiro parágrafo, para a ação a desencadear, quando na prática nada disso acontecerá. A redundância será evidente anos depois, pela inutilidade da intervenção.

O léxico da política anda em torno da repetição. A repetição pode estar associada ao começar de novo, ainda assim com tendência para manter trajetórias ou, por outro lado, ao insistir desnecessariamente nas mesmas ideias.

A melhor conclusão é que a política precisa de um dicionário novo.

 

(a publicar no dia 21/07/16)