Resisti durante um mês a escrever sobre o Campeonato Europeu de futebol. Semana após semana, desde 10 de Junho, fui adiando qualquer texto, sobre o desempenho das várias seleções, incluindo a de Portugal. Tento sempre escrever um artigo coincidente com estas provas desportivas de maior visibilidade. Falhei o Mundial de 2014, sobretudo, devido ao prematuro naufrágio Português mas, em compensação, a 10 Setembro de 2015, a propósito de um jogo França – Portugal, ainda que amigável, não tive problemas em evocar o direito de desforra, por todas as derrotas sofridas desde 1984, passando pelo ano 2000 e por 2006.
Neste Euro fui-me segurando. Apesar das primeiras imagens de França serem semelhantes a episódios que antecederam a Primeira Guerra Mundial, com europeus orientais a atacarem europeus ocidentais e vice-versa, resisti a fazer qualquer analogia histórica, criticando os excessos nacionalistas, associados às claques de futebol. Apesar de a UEFA ter abandalhado o Campeonato, dando entrada a 24 seleções, quando há 20 anos, disputado por 8, era sem dúvida, o Campeonato mais competitivo do planeta, abstive-me de fazer comentário, até porque Portugal beneficiou com este sistema, devido ao apuramento com o 3º lugar na fase grupos. Ainda nesta fase, embora seja agora mais fácil escrevê-lo, tive o pressentimento que poderia haver um “outsider” a vencer o Campeonato, saindo esse hipotético vencedor de um lote de seleções em que incluía Croácia, Bélgica, Portugal e País de Gales - estes apenas pelo equipamento, claro… enfim, nem as cores galesas me convenceram a quebrar o silêncio.
Com o apuramento garantido à Italiana, com um naipe de jogadores experientes, esqueci o desalento dos primeiros empates da seleção Portuguesa e passei a sentar-me em frente à televisão com outro espírito. Habituei-me a ver o cinismo transalpino, germânico (e mesmo o argentino) e fui defendendo em tertúlias de amigos, que só a defender bem é que Portugal teria hipóteses de vitória. Depois foi dada a oportunidade ao miúdo da Musgueira e a emoção superou a racionalidade, dando comigo a terminar os jogos de pé colado ao televisor, quer fosse em casa ou em estabelecimentos abertos ao público, recebendo conselhos de desconhecidos, para me acalmar.
No dia da Final, durante o jogo, recebi um sms às 20h 52m, portanto, no intervalo do jogo, com o teor que me surpreendeu, “o Éder vai entrar nos últimos quinze minutos e vai marcar o golo da vitória. É a história do patinho feio”. Eu ainda estava preocupado com o meio-campo sem velocidade a defender, com as grandes defesas do Rui Patrício, sabia que ainda faltava uma bola no ferro e já tínhamos o Cristiano Ronaldo lesionado, contudo, achei que sim e partilhei a informação com quem assistia ao jogo comigo. Ouve quem se risse, quem não acreditasse e muitos disseram, “se calhar”. A fezada era igual à de muitos, sobretudo daqueles que, como eu, tinham defendido o rapaz da Adémia, de ataques tardios sobre a sua capacidade de ser selecionável, contra-argumentando com a boa época por si efetuada no campeonato nacional de França, com seis golos marcados, além de ter sido considerado a melhor aquisição no mercado de inverno pelo seu desempenho naquele campeonato.
Tudo isto terá pesado a Fernando Santos. A partir da última substituição, o jogo de Portugal ficou mais estendido. A emoção redobrou e a querença, sempre que Ederzito tocava na bola, passou a dominar o momento. Todos queriam ver a sua metamorfose no belo cisne negro.
Podemos argumentar sempre que o fado lusitano se repetiu: infortúnio – com a lesão de Ronaldo; sorte – com a bola no ferro no último minuto; e audácia – um remate inesperado a surpreender o adversário.
Com outra visão, podemos verificar outras qualidades nas nossas vitórias: excelente rigor táctico – 4-4-2, com dois avançados móveis, bem executado, não dando espaço ao adversário, evitando a aproximação à nossa baliza; grande união entre os jogadores – nunca se viu uma discussão em campo e qualquer golo era festejado efusivamente por toda a equipa; boa preparação física – 3 prolongamentos em quatro jogos, jogados em quinze dias; excelente liderança em campo – e até fora dele, como se viu no prolongamento da Final – pelo capitão; magnifica leitura do jogo do selecionador – substituições arriscadas e conseguidas, operando-se mudanças tácticas eficazes, confiando-se nas capacidades dos jogadores lançados.
Portugal vingou o passado. Ao tornar-se Campeão Europeu de futebol, virou uma página do desporto nacional e a forma como foi conquistado o título, permite encarar as próximas competições com outra motivação e com expetativa elevada.
(a publicar no dia 14/07/16)