quarta-feira, setembro 07, 2016

Salsices Antigas nos 30 anos do Pé de Salsa

                A penúltima transformação urbanística de S. João da Madeira ocorreu em 1986, com a criação da Zona Pedonal, na Praça Luís Ribeiro e ruas adjacentes.
                (a última está a decorrer na recuperação das instalações da antiga EIC e Oliva)
                Numa dessas ruas, mais precisamente na Padre Oliveira, surgiu um estabelecimento comercial que viria a alterar o conceito de diversão no centro da cidade, concretamente o Pé de Salsa bar, inaugurado a 9 de Setembro do ano atrás mencionado.
                Num espaço inicialmente destinado à instalação de uma casa de máquinas, o bar introduziu novidades no quotidiano local: as cadeiras de lona tipo cineasta, a pouca luz amarelada, a cerveja servida em canecas de cerâmica branca, as bases em cortiça para suportar os copos de vidro, o serviço de chá e as fatias de bolo caseiro a acompanhar, o tabuleiro de xadrez e música, a dar ambiente sonoro às conversas dos clientes. Pela época, eu ia entrando timidamente por lá e foram estas as recordações que ficaram. Lembro-me da lista telefónica registada num armário e de um horário mais noturno e só menciono isto, por ter ali passado um sábado à tarde, a ajudar um amigo a pendurar os seus quadros, com a grade, que funcionava como portão de acesso, fechada e sem mais ninguém dentro no bar.
Havia naquele ambiente de novidade um transportar para outras paisagens: atrás do balcão eram pendurados os bilhetes de concertos, visionados por algum dos clientes, ou mesmo pelos sócios do espaço, Pedro Marreiros e Hélder Cardoso. Prática comum em bares existentes no Algarve, geridos por estrangeiros residentes em Portugal. No meio daqueles ingressos estavam colocados os de acesso ao futebol, não havendo por ali espaço para desconsiderações intelectuais.
Quando a minha timidez foi vencida, no que fui ajudado pelas afinidades musicais com os outros clientes, mais assíduos, do Pé de Salsa, passei a frequentar mais o espaço, tornando-me igualmente habitual. Assisti a mudanças da sociedade comercial, ao alargamento do horário, à montagem de esplanada, à instalação da máquina de cerveja à pressão, à venda de gelados, à ampliação das instalações, com a aplicação de uns panos pretos provisórios a tapar as partes inacabadas, que foram retirados alguns anos depois, já coçados pelo fumo de cigarros, quando finalmente as obras terminaram. Vi a parte superior da Rua Padre Oliveira completamente cheia, o bar a abarrotar e também ali estive em noites desoladoras. Todos recordamos o primeiro Carnaval, em que não foi necessário ir para a diversão na vizinha Ovar, tal foi a folia vivida no bar sanjoanense, o que se repetiria nos anos seguintes.
O que tornou icónico o Pé de Salsa, fazendo do bar um símbolo dos anos 80 da década passada, foi a interação com os clientes, especialmente promovida pelo Joaquim Carvalho, falecido este ano. Várias eram as noites, em que clientes a certo momento passavam a estar a trabalhar atrás do balcão, ou no serviço de bar, ou a colocar música, ou mesmo a lavar copos à mão, antes de haver máquina apropriada. E o contrário também acontecia: assistir a concertos, a filmes, a jogos de futebol, participar em jantares, passeios, férias, além de outras atividades de grupo, incluía muitas vezes os donos do Pé de Salsa.
Nestes últimos meses assisti ao desfilar das memórias, expressa em homenagem ao Quim, por testemunhos individuais escritos no facebook. Dada a componente multimédia das redes sociais a indexação de músicas foi o fio condutor. Presentes estavam as palavras de gratidão e de reconhecimento da amizade, sobre o grande ser humano que foi o Joaquim Carvalho. Descobri, entretanto, que existem fiéis depositários da receita do molho de cachorro, por ele introduzida nos cardápios sanjoanenses. E lembrei-me que cheguei a exportar para a Bélgica, a ideia de fazer palavras cruzadas, ou atualmente o sudoku, utilizando o fino guardanapo de papel, possibilitando a posterior realização dos passatempos a outros interessados – uma prática de partilha das páginas do jornal, que caraterizava o Pé de Salsa.
Em Janeiro deste ano, no momento solene do funeral do Quim, o reencontro com o Pedro Marreiros deixou-me uma tarefa, de participar na organização dos 30 anos do bar por ele fundado, que serviria também para a respetiva homenagem póstuma. De nada serviria informar o Pedro que já não moro, nem trabalho, em S. João da Madeira. Fiquei com o encargo. Só depois de agendar a data com o bar, logo em Fevereiro, é que me apercebi que não tinha o contacto de nenhum dos restantes organizadores, todos eles residentes fora de S. João da Madeira. Os meses foram passando e em Junho era chegado o momento de arregaçar as mangas. Primeiro procurei os números de telefone dos restantes organizadores. Transmiti o meu plano a quem me tinha encomendado a tarefa, limaram-se arestas, batizou-se o evento e sem esforço e muitas vezes por acaso, encontrei quem tinha delineado envolver nesta organização. Curiosamente, a receção de todos foi fantástica o que facilitou a tarefa.
É pois neste misto de recordação, homenagem, encontro geracional, que se espera uma noite de comemoração, muito divertida, como outrora. Para isso, recriando o ambiente sonoro estarão 5 Djs e serão projetadas imagens com alguns anos.
Haveria mais para fazer?
Talvez haja oportunidade daqui a uns anos.
 
(a publicar no dia 08(09/16)