Uma homenagem requer as palavras certas. Fugir dos lugares comuns, dos elogios póstumos e dos padrões da solenidade é o propósito destas linhas, que serão o meu tributo à minha amiga Paula Pinto, recentemente falecida.
Encontrar as palavras certas foi difícil, surgiram a custo e inicialmente sem sequência. O silêncio das condolências não era suficiente para o momento cerimonioso. Perante este dilema, pesaroso, sem muita inspiração, recebi o alento necessário para a escrita, ao escutar uma singela música. Uma versão de Nina Simone, ao piano e sem qualquer palavra, do êxito The Sound of Silence, permitiu-me recordar os momentos que se seguem.
Paula foi minha colega de turma, no equivalente ao atual sexto ano, na Escola EB 2/3, na época chamada Escola Preparatória Alão de Morais. Não me recordo se a conheci nesse momento. Isto porque nas férias anteriores ao ano letivo, participei no primeiro Campo de Férias Estamos Juntos, que se realizava na Escola do Parque, ou seja, nas imediações da casa da sua família e é natural que o conhecimento tivesse sido travado por ali.
O início do sexto ano foi para mim traumático. A minha turma do ano anterior tinha sido dividida. Dos vinte e muitos elementos daquele quinto ano, decidiu a escola, colocar quatro ou cinco alunos por outras turmas que transitavam unidas do ano anterior. O choque foi grande. Para abreviar, lembro-me de passar as tardes livres pela escola, assistindo às aulas dos meus colegas do ano anterior, para assim, me manter ligado aos amigos de infância. Pela minha nova turma, a integração dos novos colegas foi assegurada pela Paula Pinto. Ela fez a ponte, atenuou as desconfianças e permitiu que os receios de quatro indefesos alunos, não se transformasse em algo mais complicado.
Por aqui, tenho que acrescentar que a simpatia da Paula, sempre de sorriso na cara, modificou o meu conceito de beleza. A minha infantil imagem, narcísica – olhos claros e cabelos aloirados – esbatia-se e comecei a olhar com outro interesse para outras cores de olhos e mesmo para tonalidades de cabelos mais escuros. Embora, o tom claro de pele, que também a caraterizava, se tivesse mantido nas preferências.
Depois desse ano, como colegas, nunca mais estudamos juntos. Eu continuei a dirigir-me para a piscina da Escola do Parque durante muitos anos, sobretudo, no mês de Julho e lembro-me de a ver, junto com os seus irmãos, alguns bem mais novos, em alegres brincadeiras, na varanda do apartamento, ou mesmo no final de tarde na estrada pouco movimentada, quando passávamos em grupo junto à oficina de pneus, que ficava no rés-do-chão do edifício. Também recordo, jogos de futebol nas traseiras da referida Escola, em que seu irmão Miguel nos deixava de olhos torcidos, devido à sua técnica e lembro-me de ter a Paula, em parceria familiar, como adversária nesses encontros. Acompanhei, pelo passar dos anos, o crescimento de suas irmãs e irmãos. Penso que ficou daí a cordialidade no trato com todos e a aproximação à sua irmã Lígia.
Os anos foram passando e os encontros alternavam entre o pontual e o frequente, pelos espaços de lazer da cidade. Mais pelas imediações da Praça. Ambos adolescentes à procura de algo novo e diferente, embora por caminhos alternativos.
Mais tarde, ambos jovens adultos procurando um rumo para a vida. Neste capítulo, surgiu o reencontro, como colegas de trabalho. Lembro-me de entrar cheio de receio, numa área da fábrica onde iria começar a trabalhar, num final de tarde do dia 2 de Janeiro de 1996 e quando julgava que todos os olhares seriam duvidosos ou críticos, apareceu à minha frente a Paula, colocando-me à vontade no ambiente fabril, tal como catorze anos antes o tinha feito na escola.
Durante três anos, partilhamos gabinetes, reuniões, chefias, problemas a resolver, imprevistos surgidos, formações, etc.. Nesse tempo ficamos mais próximos. Dava-lhe boleia à hora de almoço, interrompendo esse bom hábito, durante uns meses em que laborei em regime de turno. Antes de ambos sairmos da empresa, procurando outros desafios profissionais, consegui retribuir as atenções que teve comigo ao longo da sua vida.
Cada um seguiu o seu destino. Paula encontrou o seu porto seguro. O meu afastou-me da cidade. Por isso, não acompanhei a sua chegada à maternidade. Só conheci os seus filhos alguns anos depois, encontrando-os acompanhados pelo Sebastião, o seu companheiro.
Nina Simone termina. No silêncio que permanece, as minhas memórias fixam-se na imagem de um final de tarde a regressar do tanque piscina do Parque e cruzar-me com a Paula, o Miguel, a Lígia, a Rita, a Ana, o Pedro e muito provavelmente acompanhados pelo Sérgio, seguiam juntos, irradiando alegria, prevendo-se uma grande noite de brincadeira familiar.
(a publicar no dia 27/10/2016)