A proximidade, da presente edição do jornal labor, ao dia 11 de Outubro, obriga à referência deste texto à emancipação concelhia de S. João da Madeira.
A sequência cronológica, frenética, de elevação a vila em 1924 e posterior passagem a concelho de freguesia única em 1926, não deixa muito fôlego para olhar para os anos anteriores.
É sabido que desde 1514, concedido foral por D. Manuel, foi constituído o concelho da Feira. Desaparecia o domínio feudal, iniciando-se uma regular aproximação do povo com o seu Rei. S. João da Madeira era uma das suas inúmeras freguesias. A maioria, ou a mesmo a totalidade, começavam o seu nome pelo devotado orago, fazendo-se a analogia das paróquias existentes, para se estabelecer a subdivisão territorial do concelho.
Em 1799, ainda em regime absolutista, surge o concelho de Oliveira de Azeméis. Das várias freguesias que o compunham duas delas, Arrifana e S. João da Madeira, viriam a desempenhar, nos anos seguintes, histórias diferentes e muito provavelmente interligadas. Com a redefinição liberal dos concelhos, por Mouzinho da Silveira, Oliveira de Azeméis agregou o extinto concelho do Pinheiro da Bemposta e, em contrapartida, perdeu Arrifana para a Vila da Feira. Ou seja, em pouco mais de 30 anos. É muito provável que este seja o momento decisivo para a futura emancipação de S. João da Madeira. O mal-estar da população de Arrifana - e do próprio concelho Feirense, pela sua amputação a Sul -, devia ser idêntico à da população de S. João da Madeira, que não devia ver com bons olhos a sua indexação a um novo concelho, que durante anos foi uma freguesia de igual calibre. Uma justificação para a latente animosidade entre populações.
É curiosa a relação das populações com as festas ancestrais. A venda de fogaças por toda a cidade de S. João da Madeira, no dia 20 de Janeiro, sempre me surpreendeu. Com o avançar da idade, apercebi-me de uma simpatia da população local e das freguesias vizinhas, algumas do concelho de Oliveira de Azeméis, com a festa das fogaceiras e o seu cortejo etnográfico. Para cimentar a minha posição, testemunhei a presença de um antigo Presidente da Câmara Municipal de S. João da Madeira, integrando o referido cortejo, e a forma como os populares se relacionavam com ele, permitia verificar a forte inclusão da população desta cidade na assistência.
A emancipação de Espinho, saindo do concelho da Feira, no final do século XIX, permitiu entrar-se no século anterior com a ambição de tornar S. João da Madeira concelho. As pretensões dos sanjoanenses intensificam-se com a construção de edifícios icónicos e a constituição de associações. O progresso industrial, a melhoria económica da população, as boas acessibilidades, por estar inserida na estrada nacional Porto – Lisboa e servida de linha de caminho-de-ferro, incentivou a emancipação. Historicamente, tal facto devia ter acontecido na Primeira República, ou seja, na mudança de um regime para outro, ficando a criação do concelho como uma marca dessa alteração regimentar. Tal não aconteceu. Só com a revolução de 28 de Maio e pela mão do Almirante Jaime Afreixo, é que S. João da Madeira atingiu o seu objetivo.
Existe outra curiosidade associada à emancipação. Precisamente a sua comemoração como feriado municipal. Apesar da referência ao orago no seu topónimo e da identificação da população, precisamente com o nome do santo, não foi escolhido o dia 24 de Junho para feriado local. Uma exceção regional, com laivos da moderna laicidade.
Esta segunda curiosidade permite refletir sobre a relação da população com a povoação. É conhecida e tem sido estudada, a ligação do homem com a terra. O sentimento de posse, tão útil na economia de subsistência, é transferido, com a mudança para a economia de produção, para outros valores. O conceito de comunidade modifica-se por conseguinte e a ligação ao território passa a ter outra importância. O bairrismo é a consequência desta modificação económica e social. E neste sentido, festejar o território como feriado municipal em detrimento de valores religiosos, acentuou a componente moderna da povoação, durante o século XX.
É certo que no século XXI, a agora cidade, já não pode viver isolada sobre ela mesma. Os tempos alteram-se de novo, as fronteiras territoriais “desapareceram” e a relação com as povoações vizinhas passaram a ser de parceria, sem prejuízo para qualquer das partes. A circulação dos habitantes desta região pelos vários concelhos, em função da oferta económica, residencial, social, cultural e mesmo turística, não esquecendo a prática desportiva, é, nos dias de hoje, o principal factor a caraterizar este vasto território, inserido no extremo sul da área metropolitana do Porto.
A diferenciação nos equipamentos poderá ajudar a fomentar a atratividade da cidade, mas tudo só estará completo se houver ajustamento social e recetividade à mudança, tal como foi evidenciado durante o século passado.
(a publicar no dia 06/10/16)