quarta-feira, dezembro 27, 2017

2017 - o ano de mudança

A eleição de Jorge Sequeira, com a vitória autárquica do Partido Socialista foi, sem sombra de dúvidas, o grande acontecimento neste concelho, no ano que por estes dias termina.

Uma alteração da cor maioritária do executivo camarário é sempre um facto a democrático a realçar. Assim foi em S. João da Madeira, em 1979, quando o PS perdeu as eleições para a extinta AD. Repetiu-se em 1984, com a vitória do CDS. Voltou a acontecer em 2001, com a vitória maioritária do PSD. E agora em 2017, quase quatro décadas depois de ter sido o partido mais votado em eleições autárquicas, o PS volta a vencer na cidade.

A vitória inesperada, pelos votos alcançados e mandatos conquistados, teve o seu fundamento na estratégia de ataque ao seu opositor. Baseando-se nas ruturas partidárias e na descontinuidade do anterior executivo camarário, o PS passou a mensagem da sua própria competência. Enquanto, do lado do PSD/CDS nem a descontinuidade, nem as desavenças com alguns militantes foram minimamente desconstruídas, nem foi esclarecido todo o processo de convites, o que implicou a desconfiança dos eleitores na lista proposta.    

Por não ser caso inédito, em que uma força partidária no poder não consegue eleger um novo candidato, é necessário analisar as especificidades dos antecedentes da eleição autárquica. Depois dumas eleições intercalares em 2016, o ano e meio que se seguiu permitiu ao novo executivo pôr em prática vários dos seus propósitos, ou promessas eleitorais. Com destaque para a inauguração do museu do calçado, a requalificação da zona central, incluindo  a demolição do elemento arquitetónico da Praça Luís Ribeiro e claro está, a promoção de eventos na cidade, por forma a fixar por cá a população nas suas horas de lazer. É evidente, neste capítulo, que a recusa de Ricardo Figueiredo em se candidatar nos moldes propostos, equilibraram os pratos da balança. Não querendo repetir os argumentos escritos em outubro, em que referi que havia mérito de Jorge Sequeira na vitória, é importante comparar estratégias para entender melhor a mudança de voto dos eleitores. Se por um lado, o PS teve uma tática eleitoral bem definida e passou bem a sua mensagem, por outro, a coligação PSD / CDS esqueceu-se de contra-atacar, mantendo-se na sua estratégia, sem verificar a desconfiança do eleitorado. E o eleitorado respondeu dessa forma: não confiando num candidato e votando maciçamente noutro.

O que esperar de 2018? Esta é a pergunta que se coloca neste momento.

Em primeiro lugar, há eleições partidárias. O PSD aparentemente só com eleições para líder nacional. O PS com eleições para a concelhia. Umas e outras dizem respeito aos seus militantes. No entanto, ambas podem desencadear processos inesperados para futuras eleições autárquicas.

O PSD pode entrar num processo novo, com a preparação imediata das eleições de 2021, como é propósito do candidato Rui Rio. Neste sentido, haverá necessidade de reabrir o dossier  autárquico e pensar num candidato a longo prazo e claro, como está bem presente o desaire eleitoral deste ano, a concelhia em funções terá que ter perspicácia para escolher um candidato com perfil vencedor.

Do lado do PS, as hipotéticas duas candidaturas para a concelhia poderão provocar um ajuste de contas inesperado, com desfecho imprevisível a longo prazo.

Tudo isto acontecerá no mês de Janeiro, depois disto e mais importante, será verificar como o novo executivo municipal põe em prática o seu plano de atividades. Existe uma grande expectativa, por parte dos parceiros associativos, entre outros, para verem agendadas as várias iniciativas, que nos últimos anos fizeram o calendário de eventos da cidade. Para já, com um orçamento para 2018 mais composto, tudo fica em aberto e com possibilidade de ser concretizado.

 

(a publicar no dia 28/12/17)

quarta-feira, dezembro 20, 2017

Um fino

Uma reportagem publicada na imprensa económica, sobre uma cervejeira artesanal, sediada em Coimbra, trazia a história do nome com que habitualmente se designa o copo de cerveja, na região norte e centro de Portugal. O fino, como vulgarmente é utilizado, deve a sua origem à cidade de Coimbra. Conta-se que um cliente especial, pedia a cerveja em copo alto e fino, com o tempo adotou o singelo “copo fino” e daí até ficar apenas “fino”, foi uma pequena simplificação temporal. Esta é uma história antiga, que os mais velhos conhecem, por ter sido editada no livro “Boémia Coimbrã“ da autoria de António Nicolau da Costa. A edição faz referência aos anos quarenta do século passado e compila esta e outras histórias da cidade, com especial relevo as dos seus estudantes.

Convém recordar, que o autor era natural de S. João da Madeira e exerceu a sua atividade nesta localidade, sendo conhecido como Doutor Nicolau. O livro está registado no espólio da Biblioteca Municipal desta cidade. Para aquisição, é difícil de encontrar à venda, mesmo em alfarrabistas. O livro é um precioso documento, guardou memórias de Coimbra e o esforço do seu autor permitiu às gerações futuras ter um conhecimento mais aprofundado sobre a tradição daquela cidade. Quando pesquisei um pouco mais sobre o assunto na internet, apareceram referências à forma singular como o Doutor Nicolau transpôs a vivência Coimbrã para S. João da Madeira. À sua maneira, pelo seu modo de atuar, as histórias do nosso conterrâneo perpetuaram-se pelos anos e é um desperdício não ficarem, também elas, documentadas para memória futura. 

Fiz alusão, em texto publicado no mês passado, há necessidade de incrementar o acervo municipal com o património humano que se encontra fragmentado, dando como exemplo as coleções de fotografias que tardam em estar à disposição da população da cidade. Podemos acrescentar a compilação das histórias do Doutor Nicolau, como as famosas consultas em tascas, ou outras igualmente conhecidas. Do mesmo modo, a compilação e recolha de outras histórias de outros conterrâneos podem e devem merecer a devida atenção. Até porque isso possibilitaria entender-se melhor a história da localidade, as suas transformações e o seu desenvolvimento.

Não é só de passado que se deve encher o acervo municipal. A atividade dos agentes culturais deve igualmente ser merecedora do reconhecimento da autarquia. Numa fase imediata, a parceria poderia passar por expor algumas dessas obras nas instalações municipais, promovendo os artistas de maior nomeada, dando visibilidade aos seus trabalhos. Neste contexto, a expansão do acervo municipal, com a aquisição dos seus trabalhos mais significativos, será a consequência da divulgação e reconhecimento dos principais vultos da cultura local.

Por outro lado, pensando no futuro e na totalidade dos artistas emergentes, seria importante equacionar uma mostra anual de novos talentos criativos. Juntar num evento anual, a produção artística local, desde pintores, músicos, escritores, desenhadores, artistas de rua e também bandas, grupos de dança ou de teatro, entre outros, que não me ocorrem de momento. Promovendo exibições e atuações individuais, mas também sinergias entre as várias artes, ou estilos.

É com esta proposta, com o objetivo promover o espirito comunitário, que é chego ao fim do texto idealizado para esta edição. Por ser nos últimos dias do advento natalício, aproveito para desejar Boas Festas a todos os leitores.

 

(a publicar no dia 21/12)

quarta-feira, dezembro 06, 2017

Nem governo nem Estado

Na primeira música que ouvi dos Xutos e Pontapés, corria o ano de 1985, à segunda frase cantada fiquei perplexo e maravilhado. O disco era uma coletânea de bandas nacionais dos estilos marginais da época: punk-rock, pós-punk, gótico, urbano-depressivo e outros géneros urbanos. As duas primeiras faixas estavam entregues aos Xutos: Esquadrão da Morte e 1º de Agosto. Ao vivo, cheio de energia, com ritmo intenso proveniente de uma bateria tocada de forma rápida, uma linha de baixo com presença e uma guitarra a produzir riffs intensos. O som assemelhava-se ao de uma banda britânica, os The Clash, cujo álbum “Combat Rock” tocava com frequência lá em casa. Ao paradoxo ouvido inicialmente, “Por não querer aquilo que me é dado”, seguiu-se a tal frase ”Por não querer nem governo, nem Estado”, assim mesmo, toda a crueldade anarquista explícita era cantada de forma seca pela voz do vocalista. Seguiam-se mais dois versos, repetia duas vezes. Um refrão a começar, um simplismo da escrita punk. A meio ouviam-se os coros, com interjeições, repetidas pelo público. E claro havia um solo de guitarra. Estavam-me apresentados os Xutos e Pontapés.

Leitor do jornal Blitz, desde a primeira hora, todo aquele envolvimento urbano me fascinou. Aderi à roupa preta, um sóbrio sobretudo, uma gabardine, o casaco de cabedal, as t-shirt alusivas a bandas (que ainda conservo), mais uma botas da tropa resgatadas do sótão de casa dos meus pais e passei a ser consumidor de música regular, vendo concertos ou adquirindo discos, variando entre estéticas, conforme as mencionadas no parágrafo anterior. De tal modo que de tenra idade, fui para Lisboa assistir a dois concertos, faltando às aulas, com a devida autorização parental.     

Voltando aos Xutos e Pontapés. Encontrar os discos deles, naquela época era difícil, só tinham editado um álbum (1978/82), sem muita difusão. Era difícil chegar a esse som. Tudo funcionava na base da gravação em cassetes – fita magnética com disponibilidade entre 60 a 90 minutos. Ouvir aquele som era irreverente e provocador: toda a família entendia as letras, nas quais os valores aceites pela sociedade eram criticados. Era uma música de intervenção, de combate, sem claras referências partidárias.

Entretanto, é editado o disco “Cerco”, com a introdução de um novo instrumento musical, o saxofone. As letras eram menos rudes. Apesar das dificuldades em editar o disco, por desinteresse das editoras, ainda agarradas às músicas de estreia do grupo, a assimilação do conceito pelo meio musical, é bem conseguida. Os Xutos definem-se como um grupo rock, nas aparições em programas de televisão. Os concertos em espaços urbanos sucedem-se, aproveitando a banda para produzir um novo disco ao vivo. O visual também é aligeirado, retiram-se as correntes, as roupas rasgadas como nos primórdios do movimento punk de 1977 e os músicos passam a vestir o preto integral, com o lenço vermelho ao pescoço, apenas com a única transgressão a ficar pendurada na orelha de Zé Pedro – um brinco em forma de cruz. É preciso mencionar o fenómeno das rádios piratas, então emergentes com a possibilidade de divulgar música maldita, distante dos tops de vendas, para explicar a difusão de grupos como este.

Em 1987, os Xutos e Pontapés lançam um novo disco. A sonoridade fica mais acessível ao grande público. As letras passam a ser mais domésticas. É incluída uma versão de “Minha Alegre Casinha”, uma música em voga na juventude dos nossos progenitores. A acessibilidade fomenta a divulgação. As rádios e as televisões apadrinham a Casinha. A banda consegue fazer uma digressão nacional e até surgem numa campanha publicitária a uma determinada marca de refrigerantes. A cópia da indumentária dos músicos, em especial o lenço vermelho, passa a fazer parte das vestes dos jovens, que nos concertos cruzam os braços por cima da cabeça. Gestos que se repetiram por muitos anos e por várias cidades, vilas e aldeias do país.

Talvez seja este o momento em que os Xutos e Pontapés conseguem a eternização no panorama musical português. Para muitos jovens por esse país fora, este foi o primeiro concerto a que assistiram. O primeiro contacto com uma música rock, com influências do simplismo do punk-rock, expressos em princípios musicais enérgicos e com ritmos acelerados, de refrões simples. Uma fórmula que permitiu a alguns conhecerem outras sonoridades, a outros passarem a tolerar outros sons e outros a passarem a fazer da música a sua profissão.

É com este estigma que a banda entra na sua primeira década de vida. No entanto, a sua sonoridade e imagem estavam esgotadas. Perante isto, recorrem de novo à música de combate, com letras mais intervencionistas, com enfoque na luta de classes, criticando o governo de então. Os concertos voltam a ser negros, bem puxados, com um punhado de músicas mais fortes, um cenário cuidado, em que focos vermelhos passam a rasgar a escuridão do palco. Curioso facto é, nesta fase, os êxitos radiofónicos da década anterior serem tocados constantemente, demonstrando a banda estar preparada para agradar a todos os públicos. Entretanto, os elementos do grupo passam a pertencer a outros projetos e aqui sobressaem as qualidades pessoais dos elementos dos Xutos e Pontapés, mais carismáticos. O pavilhão Atlântico em 1999 demonstrou que os Xutos e Pontapés eram a primeira super banda portuguesa. Tinham vinte anos de carreira e preparavam-se para prolongar o seu estatuto por mais anos.

Conforme escrevi em agosto deste ano, tive oportunidade de os ver ao vivo durante o verão. Pela enésima vez, é certo. Em família, sem esperar nada em concreto, além do concerto. O entusiasmo levou-me a cantar, saltar e a ficar arrepiado ao ouvir o tema “remar, remar”. Antes do final, Zé Pedro ficou no palco a interagir com o público. Atirava palhetas, umas dezenas à esquerda, ao centro e à direita. O baterista, o multifacetado e carismático Kalu, ficou ali com ele, minuto após minuto, enquanto o público pedia o segundo encore. A música foi retomada e Zé Pedro ficou na mesma, em contacto com a assistência, retribuindo toda a simpatia, com aquela pose de rocker.       

Provavelmente fiquei com a melhor das imagens de Zé Pedro: o palco, a relação de proximidade com os fãs e os gestos simpáticos.

Com ele, enquanto difusor de música na rádio, aprendi a ouvir as bandas mais novas, percebendo que a música rock, não teve décadas, nem se compartimenta em anos. E que podemos estar sempre preparados para ouvir dentro dos géneros musicais, umas alterações e novidades sonoras que nos deixam surpreendidos. Mesmo depois de passar trinta e muitos anos a ouvir rock.

 

(a publicar no dia 07/12/17)