Na adolescência elegemos ídolos. Precisamos e identificamo-nos com eles. Procuramos novas referências através de um texto, uma frase, um filme, um quadro ou até uma música. Pelo meio, uma imagem, uma mensagem ou uma atitude têm a particularidade de nos fascinar e por vezes, de nos fazer sonhar, numa idade em que acreditamos que vamos ser fabulosos e que a nossa vida será única.
Praticamos o culto de ícones, sem o saber. Fixamos o olhar nos nossos ídolos. Das poses com estilo, reparamos nos pormenores, nos acessórios de vestuário, nos metais cravados no corpo, no cigarro na boca, etc.
Procurei nas minhas memórias quem seria o meu ícone do cigarro.
Ao visionar um DVD de Nick Cave ao vivo, apercebi-me que guardo dele essa imagem. Ao vê-lo ali de cigarro em punho, envolvido em fumo, cantando as suas músicas, recuei no tempo. Lembrei-me do episódio da invasão do palco na sua actuação no Teatro Rivoli, quando um cigarro na boca do australiano foi aceso por um solicito espectador.
O fenómeno Nick Cave surgiu na minha adolescência. Na época ainda estava distante das baladas. Um músico associado a canções depressivas, de sofrimento e de loucura, de narrativas macabras, etc. Como era meu costume pesquisei os seus primeiros trabalhos a solo, extremamente sombrios e “suportei” os Birthday Party, sua banda anterior. Mas, o primeiro grande momento do compositor australiano seria a edição do seu disco “Tender Prey”. Presenteava-nos com um humor ácido e pouco usual, alternando ideias musicais sempre dentro de um formato semi-acústico que não permitia o seu encaixe em termos de catálogo musical como "gótico", "pós-punk" ou outros clichés afins. Consequentemente, a sua apresentação na Cidade do Porto no final do ano de 1988, no tal concerto atrás referido, foi um momento inesquecível.
O seu trabalho seguinte, “The Good Son”, marca uma nova fase da sua carreira, um disco de baladas, cheio de referências bíblicas. Por aqui fico, pensei. Cansado com desilusões musicais: apreciar bons músicos transformados em mega estrelas pop, assistir à decadência dos ídolos da cena musical da década de 80; por tudo isto, a blasfémia de Nick Cave em lançar um álbum de baladas foi mal interpretada.
Os anos seguintes foram engraçados, as pessoas “reconheciam” no meu caminhar o estilo Nick Cave, comentavam comigo que o tinham visto num filme, que tinham adquirido o seu disco. Pediam-me antigos discos emprestados. Entretanto, uma sequência de edições de novos discos, reabilitaram o músico. A ligação com a fenomenal Kylie Minogue, em “Murder Ballads”, ao jeito de a Bela e o Monstro, fizeram-me apreciar as suas baladas. Pelo meio, a leitura do seu livro, “And the Ass saw the Angel” ajudou-me a compreendê-lo melhor.
O seu estilo reconhecido de “songwriter” perdurou, o trabalho seguinte “The Boatman’s Call” é um álbum fantástico e tive uma agradável surpresa quando em pleno “Shrek 2”, na primeira incursão ao cinema no papel de Pai, ouço a sua voz cantando “People Ain’t no Good”, com o Gato das Botas inconformado, afirmando “Detesto baladas!”.
Recordar tudo isto a propósito da proposta da nova lei que proíbe de fumar em locais públicos, surge na sequência da indignação de uma série de colunistas de jornais e da blogsfera. Nessa semana, passei horas a ler manifestos de fumadores. O cigarro de Humphrey Bogart, de James Dean e de outros mais, eram os ícones associadas aos textos postados.
Nunca fumei.
Sendo não fumador aprecio o cheiro a tabaco, o que é curioso. Não penso algum dia começar a fumar. Aprecio a boa história de quem conseguiu atempadamente largar o vício, como a da longevidade do mesmo.
Até ter filhos sempre permiti que fumassem em minha casa, mesmo sendo asmático crónico, porque sempre acreditei naquele princípio que a nossa liberdade termina quando estamos a incomodar os outros.
Ao ver Nick Cave cantando “New Morning” no tal DVD, pedindo um cigarro ao público e sendo brindado com dezenas, numa cena algo humorística, imagino o que seria proibir um concerto sem tabaco. Onde ficava esta representação, que pelo vistos perdura desde o espectáculo do Rivoli?